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BOAVISTA FUTEBOL CLUBE

 

 
                     Boavista à beira do sonho
 

                MUITO poucas vezes na sua história o Boavista tirou tanto proveito das suas camisolas como este ano: vestidos de xadrez, os boavisteiros têm-se especializado em «xeques-mates» aos adversários e passeiam-se olhando para debaixo de si com o FC Porto e Sporting a dois pontos e com o Benfica a nada menos que do que sete.
 

                Quando, nos anos que antecederam imediatamente o 25 de Abril, homens como Pinto de Sousa, Mexia Alves e, já, Valentim Loureiro idealizaram um clube com elites a dirigi-lo - como fosse gente com capacidade financeira - talvez não sonhassem que o Boavista ascendesse a um lugar que se pode considerar de «quarto» grande português.

                O golpe de estado de 1974 poderá ter atrapalhado este projecto. Deu-se, contudo, na altura em que a equipa do Bessa começou os seus anos de oiro, como José Maria Pedroto à frente de uma equipa técnica profissional. Bastaram cinco anos desde que ascenderam definitivamente à I Divisão (1969) para os homens que têm o xadrez alvinegro nas suas camisolas desafiarem o poder instituído no desporto nacional, à época repartido apenas entre Benfica e Sporting. Não conseguiram ser campeões nacionais, mas estiveram perto disso. O nome do Benfica ainda tinha, então, muito peso e no Bessa a conquista do título esmoreceu às mãos - mais correctamente, aos pés - dos jogadores da Luz. Desde então o Boavista afirmou-se. Hoje, a Imprensa desportiva, e não só ela, já vai dizendo: «Temos candidato!» Teremos?

                «Em termos conjunturais, admito que o Boavista, o Guimarães, outros clubes mesmo, possam ser campeões. Mas em termos estruturais, não! É preciso criar estruturas para podermos competir. É isso que estamos a fazer», responde o presidente João Loureiro, sucessor directo de outro Loureiro, Valentim - seu pai -, que deu ao clube a estabilidade económica que lhe permitiu impor-se no quadro do futebol português.

                Clube «exportador» de alguns dos seus melhores jogadores, o Boavista - que pode assim ficar momentaneamente enfraquecido no âmbito da competitividade desportiva - tem, com essa estratégia, conseguido uma gestão equilibrada. Há poucos anos atrás, a cedência de três atletas - Nuno Gomes, Jimmy e Sanchez - rendeu ao clube a quantia de 1,2 milhões de contos, ainda não totalmente liquidados. Esse dinheiro pôde ser investido no projecto imobiliário, a Vila Bessa, que está agora a dar proveitos que, por sua vez, são reinvestidos no complexo desportivo «Bessa – Século XXI». Um orçamento anual de 850 mil contos para o futebol não é suportado pelas receitas ordinárias. Daí o recurso à «exportação» para poder manter uma equipa equilibrada.

                O que o Boavista ganha em dinheiro não se traduz em aumento acentuado do número de sócios, que anda pelos 25 mil, dos quais apenas dez mil pagantes. O clube da zona ocidental da cidade do Porto é, assim, uma espécie de clube «sanduíche», ladeado pelo «grande» da cidade, o FC Porto, e pelo popular Salgueiros, da zona urbana oriental. Crescer não é tarefa muito simples.

                João Loureiro tem uma fórmula - chame-se-lhe desta forma - que pode ajudar a resolver a situação. Diz que há portuenses que gostam de equipas designadas de «grandes» mas não são adeptos do FC Porto. «É chegada a altura de esses portuenses se reverem noutro clube da cidade. Esse clube pode ser o Boavista». Mercê de algumas estruturas que criou - como as da ginástica e do ténis, por exemplo -, o clube a que João Loureiro preside foi conquistando sócios que tinham no coração outra colectividade desportiva e para quem ao Boavista fica reservado apenas um simpático segundo lugar nas preferências. «Mas noto que o clube conquista já sócios que são apenas do Boavista, a quem eu chamo de associados 'puros e duros'», confia Loureiro.

                Há um longo caminho a percorrer - e de difícil resolução - para que o clube chegue à situação de poder crescer lado a lado com o FC Porto, que ainda for cima se vem afirmando como a equipa número um do futebol português. Como o clube das Antas faz jus a essa invejável circunstância, resta pouco do orgulho portuense para Boavista e Salgueiros repartirem entre si. E, todavia, também a agremiação enraizada na freguesia de Paranhos se vem desenvolvendo.

                Poderá ser que as circunstâncias portuenses desenvolvam no Bessa a consciência de que é preciso não parar no tempo, que a concorrência é forte. Quando o complexo desportivo foi pensado, há dez anos, os desportos radicais eram bebés de fraldas, em Portugal. Também eles cresceram e vão ter o seu próprio «subcomplexo» no complexo do Bessa. «Isso era impensável, então - realça João Loureiro -, e aí está um exemplo de um contributo que eu possa ter dado ao clube».

                É João um Valentim «Júnior», ou conseguiu libertar-se da sombra tutelar do pai, o homem que marcou de forma quase indelével este clube? João Loureiro considera ter um estilo mais «low-profile» que Valentim, mas admite seguir princípios - nomeadamente de gestão - que o seu pai desenvolveu. Todavia, pensa ter trazido um «apport», de que deu como exemplo avulso a criação do subcomplexo «radical». Com dois anos mais de mandato como presidente, João Loureiro pensa que é chegada a altura de estudarem as conveniências ou inconveniências de uma Sociedade Desportiva. Mas é muito cauteloso nesta matéria. Tão cauteloso quanto se trate de assumir a postura de candidato ao título por parte do Boavista.

                Nisso, o clube é o Celta português (ou o Celta será o Boavista espanhol, como se preferir). Até agora sem derrotas no campeonato, será mesmo capaz de saborear o ceptro que lhe falta, conquistadas que já estão cinco Taças de Portugal e três Supertaças? No final do encontro que no passado domingo disputou com o Sporting, o treinador Jaime Pacheco não escondia o seu desencanto e desagrado: «Estão a ver porque não nos assumimos como candidatos? Parece que há quem queira que sejam os mesmos sempre a ganhar». Referia-se implicitamente a uma arbitragem que os boavisteiros consideraram um pouco desastrosa para os interesses do clube, com destaque para a facto da não validação de um golo legal. Também neste particular Boavista e Celta se assemelham e fazem coro nas críticas à protecção dos «poderosos», cá e lá.

                O que falta, então, para que os adeptos do Bessa possam saborear o título mais desejado? «O que falta é uma evidência», garante João Loureiro, e essa evidência é sempre a falta de estruturas. Nas actuais condições afirmam-se apenas candidatos a um lugar que dê acesso às provas europeias, o que permitirá trazer à cidade do Porto mais algumas boas equipas do futebol europeu.

                Com o Porto-cidade a relação é, por vezes, menos boa. João Loureiro diz-se mesmo «aborrecido» por nem sempre o Boavista ser entendido como um clube do Porto. Os apoios oficiais são menores, garante o presidente; apesar dessas vicissitudes, assume-se como equipa portuense a cem por cento, afirmando que o «ideal» seria - independentemente da ordem - que Boavista, FC Porto e Salgueiros ocupasse (sempre) os três primeiros lugares da classificação no campeonato português de futebol. «O nosso discurso é mais abrangente do que outros e isto não é uma crítica a ninguém. Mas nós identificamo-nos com o portuense: aguerrido, individualista, liberal e trabalhador. E identificamo-nos tanto que construímos aquilo que somos sem grandes apoios exteriores. Os terrenos que temos foram comprados pelos nossos próprios meios».

                A um ano do 30º aniversário de presença ininterrupta na divisão principal do futebol nacional, o Boavista vive um momento que, se não é único, é pelo menos pouco frequente no seu historial. O futebol que pratica é a imagem do seu treinador, Jaime Pacheco. Ele que, quando jogador, foi o Coluna dos anos 80, um homem que enchia o meio campo com a sua tenacidade, qualidade de jogo, capacidade de entrega. Talvez a explicação para um inesperado primeiro lugar resida no facto de o Boavista se revelar tenaz, de qualidade, lutador, sem medo de no estádio alheio procurar a vitória - como aconteceu nas Antas - em desfavor de um modo muito português de guardar ciosamente um empate que, não raras vezes, redunda em derrota.

                                                   publicado no "Expresso" em Outubro de 1998