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BOAVISTA FUTEBOL CLUBE

 

                                 O sonho proibido do Boavista

                        O sonho proibido do Boavista Clube de bairro na senda da Europa ou um intruso na luta pelo título? O Boavista já cumpriu o ciclo dos grandes e reparte agora o primeiro lugar. Mas nem assim treinador, dirigentes ou jogadores assumem a candidatura. Falta de ambição? Apenas realismo. O ano passado nesta altura estavam nos últimos lugares.

                        NUNCA o Boavista teve tantos sócios no Bessa ou mesmo no Parque da Cidade a assistirem aos treinos. Os jogadores gostam deste incentivo diário. São alvo de aplausos quando uma ou outra jogada corre da melhor forma, como lembra Rogério, um dos jogadores que esteve envolvido nos golos que deram a vitória da sua equipa quando defrontou o FC Porto e o Benfica. Jaime Pacheco e a sua equipa técnica até estranham a fartura de carinhos que todos os dias recebem da pequena massa anónima de adeptos.

                        «A massa associativa do Boavista não é numerosa, mas é muito exigente. Penso que este conjunto, jogadores e equipa técnica fez esquecer o fosso que existiu em dados momentos entre os sócios e os elementos que constituíam o plantel», argumenta Alfredo, responsável pelo treino dos guarda-redes, talvez a lembrar-se de momentos menos bons por que passaram os técnicos Manuel José, João Alves e mesmo Zoran Filipovic.

                        A verdade é que no Bessa existe uma forte união entre todos - dirigentes, público, jogadores e equipa técnica -, uma coesão que não ocorria em épocas anteriores. E na opinião de Hernâni Ascensão, director do departamento de futebol, essa conjugação de esforços «não decorre dos bons resultados obtidos até agora, mas sim da capacidade com que a equipa liderada por Jaime Pacheco conseguiu cativar os sócios».

                        Mas como reagem os sócios? «Os jogadores e os técnicos não são vaidosos. Dizem bom dia ou boa tarde aos sócios que aguardam pelos treinos. Noutros anos, os sócios para a maioria dos jogadores ou dos técnicos não passavam de intrusos. Manuel José e João Alves não foram maltratados pelos resultados negativos. Foram porque eram malcriados e prepotentes. Além disso, os objectivos não eram alcançados. Por isso estavam à espera de quê? De palmadinhas nas costas?», referiu José António, que fez questão de se identificar como sócio que há mais de 20 anos acompanha o seu clube.

                        Proibido sonhar Não se ouve falar em títulos ou na Liga dos Campeões. A palavra de ordem no Bessa - participar nas competições europeias - já ultrapassou as paredes do balneário e faz eco nas bancadas do estádio boavisteiro.

                        Apesar de dividirem a primeira posição com o Sporting, os jogadores mantêm o mesmo espírito de humildade. «A pontuação não nos subiu à cabeça e por isso jogamos domingo a domingo apenas a pensar na Europa. Sonhar alto é proibido e perigoso», alerta Hélder, agora cobiçado pelo Southampton, de Inglaterra, e pelo Toulouse, de França.

                        Alheado destes assédios, Hélder remete para a direcção a resposta sobre o seu futuro. «A minha preocupação é ajudar a equipa a conquistar um lugar na Europa». E é com esta fé que os jogadores do Boavista vão entrar amanhã no estádio do Vitória de Setúbal, mas com muitos boavisteiros nas bancadas para os apoiar, até porque João Loureiro, presidente do clube do Bessa, decidiu contribuir com 50 por cento dos custos da deslocação dos sócios ao estádio do Bonfim. «Os adeptos merecem este esforço da direcção, já que também têm contribuído para a boa carreira que o Boavista está a efectuar», justifica o presidente.

                        Jaime Pacheco conseguiu mesmo criar uma muralha de aço ao longo do perímetro do complexo desportivo, já que na sua opinião um clube só é forte se não existirem pressões exteriores ao grupo de trabalho. Pacheco apenas prometeu aos sócios uma época tranquila e lutar por um lugar na Europa. Os sócios aprovaram os seus objectivos e os jogadores assimilaram a filosofia do técnico, e tudo tem corrido «às mil maravilhas».

                        Métodos de treino com estilo nórdico Os jogadores andam radiantes com o ambiente que se vive no Bessa. A demonstrá-lo está, por exemplo, o facto de Jorge Silva, que esta semana assinou por mais dois anos, aceitando a proposta de João Loureiro sem regatear um tostão a mais. «Só exigimos o possível aos jogadores, mas estes sabem também que cumprimos, e na hora, os nossos compromissos. São estes factores que tornam um clube de bairro, como alguns lhe chamam, com um elevado prestígio nacional e internacional», observa João Loureiro.

                        No início da temporada, segundo António Natal, responsável pela preparação física do plantel boavisteiro, tudo foi planeado ao pormenor, sempre com o objectivo de ganhar o maior número de jogos. «Estamos a jogar bem e o espectáculo tem sido melhorado sempre que o Boavista é interveniente», adianta este técnico, desde a época passada na equipa de Pacheco.

                        O preparador físico não tem qualquer «trunfo escondido na manga» que justifique a excelente preparação física dos seus atletas. Estudioso e adepto dos métodos nórdicos, nomeadamente os da Dinamarca, defende que nenhum jogador pode ser explorado para atingir a sua máxima capacidade física em pouco tempo. «A preparação de um atleta deve ser feita quase individualmente, já que se trata de um grupo de pessoas organicamente diferentes», acentua. Só depois de efectuarem os exercícios específicos para o seu organismo é que os atletas são enquadrados no treino colectivo.

                        Por isso, Natal defende que é melhor ter um plantel com 65 a 70 por cento da sua capacidade física mas constante do que ter meia dúzia de jogadores com níveis muito elevados. «Um jogador que seja muito puxado fisicamente corre o risco de baixar a sua forma repentinamente e de difícil recuperação». Aprendeu isso com os nórdicos e é esse método que utiliza: quando um jogador está abaixo dos 60 por cento descansa uma jornada para recuperar; se está acima dos 75, faz treinos leves até atingir o nível desejado. «Os treinos invisíveis são tanto ou mais importantes do que os efectuados nos relvados», assegura António Natal.

                        QUANDO, a meio da época passada, tomou conta do Boavista, Jaime Pacheco tinha como única missão retirar a formação do Bessa da zona da despromoção e recuperar o prestígio que o clube perdera. Acarinhado por todos, Pacheco excedeu-se no objectivo e quase levava a sua equipa a um lugar europeu, tendo o quarto lugar fugido a meia hora do fim do campeonato. «Estivemos perto de alcançar esse milagre», recorda Pacheco. Agora tem um plantel à sua imagem e considera-o mais equilibrado que o da época passada. Mas para continuar na senda dos êxitos, Jaime Pacheco diz que «a ambição descoordenada» é uma arma com um «efeito boomerang».

                        Nas suas prédicas diárias, o técnico apenas pede aos seus jogadores que respeitem o adversário seja ele pobre ou rico, do primeiro ou último escalão do futebol nacional. «Vencemos, é um facto, o FC Porto e o Benfica. Mas isso não nos dá um estatuto de sermos os melhores deste campeonato. Todos podem vencer e entramos em campo com um único espírito: jogar bem para contribuirmos para o espectáculo em que estamos envolvidos e vencer se for possível. Quanto mais pontos amealharmos agora melhor, dado que são muitos os candidatos a um lugar na UEFA», diz Jaime Pacheco.

                    Além das vitórias, Pacheco sente-se também feliz por estar a contribuir para que mais público acorra aos estádios, nomeadamente ao Bessa, porque «o Boavista está a praticar bom futebol».
 

publicado no semanário Expresso em outubro de 1998