CONSUMO CONSCIENTE
COMPORTAMENTO
FOLHA DE SÃO PAULO/São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004
Estudo em 11 capitais revela que só 6% dos pesquisados são 100%
responsáveis, mas 37% têm algum compromisso
Consumo consciente engatinha no país
MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se você nunca sai e deixa as luzes acesas, só escova os dentes com a
torneira fechada, separa o lixo para a reciclagem, desliga aparelhos
quando não estão em uso, mas compra por impulso, nunca pede a nota fiscal,
acha produtos orgânicos e feitos com papel reciclado uma besteira e, ao se
sentir lesado por uma empresa, diz a si mesmo que não vale a pena
reclamar, não se preocupe. Você pertence ao grupo que reúne a maior parte
dos brasileiros. Ou melhor, preocupe-se. Há ainda muito a fazer para se
tornar um consumidor 100% responsável.
Pesquisa realizada no fim do ano passado pelo Instituto Akatu em 11 das
maiores capitais brasileiras constatou que apenas 6% da população pode ser
classificada como consciente no que diz respeito às relações de consumo.
No outro extremo, só 3% são indiferentes em relação ao tema.
O meio de campo, por sua vez, é preenchido por 54% de iniciantes, os que
engatinham em termos de consciência, e 37% de pessoas que já têm
comprometimento com certas responsabilidades, mas ainda deixam outras de
lado. Ou seja, a realidade pode ainda não ser a ideal, mas promete.
Essa é a avaliação que Helio Mattar, diretor-presidente do Akatu, faz dos
resultados do estudo. A opinião é compartilhada por representantes dos
principais órgãos de defesa do consumidor de São Paulo: o Procon (Fundação
de Proteção e Defesa do Consumidor) e o Idec (Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor).
O otimismo se justifica, diz Mattar, porque a soma dos conscientes com os
comprometidos resulta em 43% dos entrevistados (leia entrevista abaixo.).
Isso significa que quase metade das pessoas disseram adotar pelo menos 8
dos 13 comportamentos que formam um consumidor responsável.
"É uma boa surpresa", comemora Marilena Lazzarini, coordenadora
institucional do Idec.
É claro que não estão descartadas pequenas mentiras na hora de responder
às perguntas, nem a distância que separa o discurso da prática. "Mas o
crescimento do nível de consciência é algo irreversível, e as empresas que
não entenderem isso vão ter poucas chances de sobrevivência no futuro",
sentencia o chefe de gabinete do Procon-SP, Vinicius Zwarg.
Para o Akatu, o consumidor consciente é o que mostra disposição para
transformar em práticas cotidianas os valores com que se identifica e
tende a reconhecer a relação do indivíduo com o coletivo e com as futuras
gerações.
Perfis
O que mais parece pesar no grau de consciência dos consumidores são grau
de escolaridade e renda. Entre os conscientes, o percentual de pessoas com
ensino médio ou superior completo é de 63% -enquanto na amostra geral elas
representam 44%. No mesmo grupo, a fatia de entrevistados das classes A e
B ficou em 48%, contra 30% no geral.
Entre os indiferentes predominam pessoas na faixa de 18 a 24 anos, da
classe D, com menor grau de instrução, solteiras e com uma renda média
mensal domiciliar de cerca de R$ 900 (53% ganham no máximo R$ 600).
Os iniciantes seguem praticamente o mesmo perfil da amostra geral em
termos de classe social, sexo e idade, com uma renda média mensal
domiciliar de aproximadamente R$ 1.027. O mesmo ocorre com os
comprometidos, que apresentam, porém, uma concentração maior na faixa de
25 a 39 anos, tendem a ter um grau de instrução levemente superior ao dos
iniciantes e renda média familiar de cerca de R$ 1.060.
Já entre os conscientes estão pessoas das classe A e B, com mais de 40
anos, casadas e com filhos, além de um grau de instrução mais elevado e
renda familiar por volta de R$ 1.330 (sendo que 14% ganham mais de R$
2.000).
"É preciso haver um maior investimento na orientação da sociedade como um
todo [para o consumo consciente]", defende Zwarg. Ele diz que o Procon-SP
está buscando agilizar e simplificar seus procedimentos e o acesso à
informação para evitar que as pessoas desistam de reclamar por causa de
trâmites burocráticos.
Já Lazzarini diz que a educação para o consumo é fundamental,
principalmente entre as camadas mais pobres. Ela afirma que a publicidade
e a televisão criam necessidades e padrões de consumo iguais para pessoas
com poderes de compra diferentes, uma distorção que precisa ser superada.