Crianças superpoderosas*

Estudo lançado nos EUA ataca a indústria, a publicidade e os próprios pais pelo aumento alarmante do consumismo infantil no país, que, apenas entre os anos de 1989 e 2002, teve um incremento de 400%

* Folha de São Paulo - domingo, 15 de maio de 2005 - + sociedade

Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.


DAVID HONIGMANN

Em livros anteriores, a economista Juliet Schor advertiu que os norte-americanos trabalham demais e gastam demais. Agora, em "Born to Buy - The Commercialized Child and the New Consumer Culture" [Nascida para Comprar - A Criança Comercializada e a Nova Cultura de Consumo, Simon & Schuster, 276 págs., 17,99 libras -R$ 88], ela estende essa crítica às crianças, particularmente às norte-americanas. A autora afirma que os marqueteiros e as empresas estão dedicando crescente atenção a crianças cada vez mais jovens, considerando-as a parte mais vulnerável das classes consumidoras. Não apenas os jovens têm recursos próprios disponíveis como também influenciam as decisões de compra dos adultos, por meio do "poder dos pestinhas". Doces ao nível dos olhos dos bebês no caixa do supermercado são apenas a ponta de um iceberg de muitos bilhões de dólares. As crianças são interessantes para as empresas por causa de seu poder aquisitivo. O norte-americano médio de 12 a 19 anos gasta US$ 101 [R$ 249] por semana; os gastos de crianças de quatro a 12 anos aumentaram 400% entre 1989 e 2002. Além disso, as crianças influenciaram uma parcela crescente das decisões de compra dos adultos -US$ 1 trilhão [R$ 2,5 trilhões] globalmente em 2002. A publicidade de carros nos canais infantis é apenas um exemplo disso.

Publicidade sutil e crua

A publicidade para crianças é ao mesmo tempo mais crua e mais sutil do que nunca. Os comerciais jogam os filhos contra os pais, mostrando as figuras de autoridade como desprezíveis ou ridículas. Promoções publicitárias são inseridas no conteúdo de programas ou postas disfarçadamente nas escolas. Ela também condena o modo como as crianças são recrutadas para a atividade comercial: como participantes de grupos de interesse, como marqueteiros disfarçados para seus amigos, como pesquisa de desenvolvimento terceirizada e mal paga. O caso do marketing para crianças é alarmante. Aceitamos que em muitas áreas da vida as crianças não são competentes para tomar suas próprias decisões sem supervisão, e a sociedade define idades diferentes para atividades diferentes. O discurso do marketing e da publicidade pressupõe consumidores que são agentes econômicos racionais, mas é claro que tenta contornar seu lado racional e apelar para as emoções.

Ansiedade

Anúncios de cigarros e bebidas alcoólicas, alimentos sem valor nutritivo ou mesmo brinquedos, dirigidos especificamente para crianças, fingem que elas são capazes de tomar decisões adultas, enquanto aproveitam o fato de que não o são. Pesquisas citadas por Schor mostram que as crianças abaixo de certa idade são incapazes de compreender suficientemente a gramática televisiva para distinguir entre um documentário e um comercial. Schor admite que uma parte do crescimento é exatamente aprender essas lições -e que participar da atividade econômica em nível reduzido é um elemento essencial para desenvolver a autonomia. Mas seus dados de pesquisa sugerem que a exposição à cultura comercial nos níveis atuais diminui a auto-estima das crianças e aumenta suas ansiedades, em vez de capacitá-las. Um dos culpados, para a autora, é a televisão, a ponto de tê-la proibido aos próprios filhos. Segundo os dados que apresenta, a audiência de televisão na verdade caiu nas últimas duas décadas, de uma média para todas as crianças de 17 horas e 35 minutos por semana, em 1981, para 13 horas e 29 minutos em 1997. Mas o conteúdo comercial aumentou nesse período, e a agressividade do marketing cresceu. Além disso, afirma Schor, a quantidade de tempo passada no espaço não-comercial -brincando ao ar livre, por exemplo- também diminuiu. Agora, que as mensagens comerciais invadiram as escolas e as compras ocupam uma parte maior do dia de toda criança, é difícil encontrar um refúgio. Juliet Schor quer uma regulamentação mais dura, embora admita que essa será uma campanha difícil diante das doações políticas consideráveis feitas para ambos os partidos pelos fabricantes mais diretamente envolvidos. Ela incentiva os pais a seguirem sua liderança e a restringirem o tempo que os filhos passam assistindo à televisão, tranqüilizando-os de que é surpreendentemente indolor e não exclui as crianças das turmas no recreio. Ela quer que os pais assumam mais responsabilidade por resistirem à cultura do consumo e protegerem seus filhos dela, embora não pretenda deixar os anunciantes ilesos. Ela quer espaço público devolvido às crianças, uma proposta que talvez seja bem recebida em sua Boston natal, mas poderá ser mais difícil nos Estados vermelhos [onde o partido republicano tem mais poder político]. Em última instância, porém, Schor admite que haverá necessidade de sacrifícios individuais: não podemos restringir o tempo de televisão de nossos filhos sem reduzir o nosso próprio. Mas, como ela diz, se a cultura comercial é ruim para as crianças, também não é benéfica para os adultos: ao protegê-las, poderemos nos libertar.


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