AS CONTRADIÇÕES DA CIDADANIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA*

Cléia Margarete Macedo da Costa

Prof. Holgonsi Soares - Orientador

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* Trecho da Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Pensamento Político Brasileiro - Departamento de Sociologia e Política - Universidade Federal de Santa Maria RS -

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AS CONTRADIÇÕES DA CIDADANIA

Refletir sobre cidadania e a possibilidade de recuperar a sua dimensão alienada, na modernidade contemporânea é uma perspectiva que amplia o conceito para além da igualdade de direitos e para a superação de suas contradições, permite a sua compreensão como um fenômeno político, histórico, social e subjetivo, colocando-se no centro a singularidade do indivíduo e a sua autonomia, esta, entendida por Castoriadis(1987), como "abertura", saída do enclausuramento, a capacidade de instituir e reinstituir as relações na sociedade, a capacidade de criar "um si mesmo diferente em um mundo diferente"(p.420).

Quando se fala em cidadania, logo, pensa-se no direito ao voto, exclusivamente na cidadania civil e política. E há uma naturalização passiva desta situação, que qualquer outra forma de participação política é excluída, ou, pelo menos , desencorajada.

O legado desta sociedade de mercado nos proporcionou um "vazio de valores"(FERREIRA,1993). Os valores liberdade/igualdade/fraternidade proclamado pelo liberalismo clássico perderam o sentido, nesta realidade, onde pode-se questionar: Qual liberdade, qual justiça, qual autonomia este homem excluído dispõe?

Porém, este trinômio liberdade/igualdade/fraternidade tem se conservado como arquivo de relíquias, inclusive pelos movimentos socialistas. Isto foi crucial para o mundo moderno pois, não introduziram princípios novos, apenas limitaram-se a interpretação destes já existentes, mascarando o desenvolvimento do verdadeiro processo de emancipação e autonomia dos indivíduos.

A sociedade moderna nasceu da liberalização das forças do mercado e com desenvolvimento da indústria fabril, trazendo um vocabulário que não pôde ser transcendido. Assim, dois grupos mantém atitudes diferentes na modernidade, por um lado, a competitividade e o individualismo, e por outro, a solidariedade e igualdade. O liberalismo e socialismo mantém combinações cruzadas entre ambos os grupos.

É necessário superar a mera constatação da existência ou não dos direitos associados à cidadania e sua explicação a partir da Carta dos Direitos Humanos, baseada nos princípios da liberdade/igualdade/fraternidade. O que se propõe à discussão é o entendimento da cidadania como fenômeno social, que se concretiza no cotidiano, a partir das relações dialéticas, isto é, relações que não se dão isoladamente, mas em ligação com o todo dos fenômenos sociais. Daí, ter o processo de cidadania um caráter universal e particular, ao mesmo tempo, neste movimento oscilatório é que emergem as suas contradições.

Dentro da concepção moderna de cidadania, a qual apóia-se nas relações do indivíduo com o Estado, a igualdade é um valor básico que fundamenta a racionalidade dos direitos individuais. Portanto, a cidadania visa corrigir as diferenças instituídas pela sociedade de privilégios, porém, os homens na concretude da sua realidade vivem numa sociedade onde prevalecem divisão de classe. Segundo FERREIRA(1993) "...cada cidadão traz em si a ambiguidade de querer ser igual, ao mesmo tempo, diferente dos demais..."(p.173)

"Os direitos humanos são naturais", "IMPRESCRITÍVEIS" e "INALIENÁVEIS"*. As leis dão aos direitos humanos uma extensão impressionante, porém, a realidade está longe de chegar aos pés do texto legal.

À sombra disto, afirmar que "todos são iguais perante a lei' torna-a letra morta, principalmente porque garante a defesa e preservação dos direitos, não existindo o compromisso prático, pois, os direitos acabam virando concessão.

Segundo FERREIRA(1993):

...o sistema capitalista pode até funcionar afirmando a igualdade, mas continua valorizando a discriminação...sem que haja lei que consiga impedí-lo.(178)

A igualdade puramente abstrata de todos os indivíduos perante a lei, impediu que desigualdades sociais se expressassem como tal. Criou-se o mito da cidadania e democracia para todos, mascarando as desigualdades pela própria lei. Esta igualdade perante a lei tenta negar as desigualdades estruturais da sociedade e sua constituição classista, reforçando cada vez mais as diferenças, as quais são ressaltadas no cotidiano das pessoas.

Uma vez desaparecido o comunismo e consolidado a ordem mundial, baseado no mercado global com intervenções democráticas, os socialistas têm que enfrentar seriamente aos problemas teóricos inerentes a igualdade. A principal premissa de todas as considerações relacionadas com a igualdade é a circunstância de que o conceito tem dois aspectos: igualdade em termos de posse de propriedade e a igualdae em termos da evolução do indivíduo.

A maior inovação que a modernidade tem introduzido no tratamento deste velho tema é o dramático contraste do aspecto da igualdade. O princípio fundamental desde a Revolução Francesa, tem sido qualquer solução de igualdade na evolução do indivíduo. Isto constitui-se numa tática hipócrita e inútil, se não existe ao mesmo tempo algum tipo de igualdade relacionada a posse da propriedade.

O sufrágio universal, direito da mulher ao voto, cartas de direitos dos indivíduos, proteção da justiça contra discriminações tem melhorado a questão da igualdade, durante as décadas. Porém, com deficiência e ambigüidades, o projeto de igualdade ante a lei tem sido completado no seio dos Estados-nações.

Este progresso inegável do segundo aspecto tem intensificado a insatisfação com o primeiro. Embora as teorias liberais façam esforços para convencer que o respeito à propriedade segue sendo válido.

A igualdade da cidadania é profundamente seletiva deixando de lado diferenças, com a produção de uma subjetividade serializada, que segundo GUATTARI & ROLNIK(1986), os indivíduos são reduzidos a engrenagens concentradas sobre o valor de seus atos, valor que responde ao mercado capitalista, transformados em receptáculo passivo das estratégias de produção, de consumo e de dominação, no interior de administrações burocráticas públicas e privadas.

Então, segundo DEMO(1994), as relações de mercado se tornam a ordem natural e a marginalização da maioria da população é normal e "as políticas sociais à elas dIrigidas não se destinam à eqüidade, mas a evitar a conturbação de mercado"(p.96).

A liberdade atribuída ao indivíduo é ilusória, pois, ela é necessária para as reproduções capitalistas intocadas pelo princípio da igualdade, meramente formal da cidadania.

A autonomia e a liberdade assegurada nas leis, ao invés de promoverem o indivíduo, apenas, aumentam o controle sobre ele, que estão a cada dia mais sujeitos à produção e ao consumo. O próprio espaço destrói a capacidade de ser livre e de ser solidadário, ou seja, a sua subjetividade está calcada num processo de individualização, onde o indivíduo acaba sendo objeto de si próprio.

Este jogo parece dar-se entre indivíduos abstratos e sem historicidade. Os homens são transformados em unidades isoladas. Esta aparência de liberdade é necessária para a fluidez de dominação.

Muitas objeções foram feitas relacionadas a extensão da liberdade. O socialismo lutou pela universalização da liberdade, mas esta luta resumiu-se apenas a direitos políticos. Também, seguiu a definição cartesiana de liberdade, como o poder de fazer ou não fazer algo. As próprias condições dos trabalhadores eliminam inteiramente a validez do problema da liberdade como poder. Ou seja, as interpretações de liberdade do socialismo, implicavam em formas de criticá-lo, pois, esteve dirigida à discrepância entre o princípio e sua realização.

Os movimentos e teorias socialistas questionavam de quem era a liberdade declarada e realizada na modernidade. O homem nascido livre e dotado de direitos inalienáveis parecia duvidoso.

Politicamente falando, uma sociedade livre é aquela na qual as liberdades humanas são declaradas públicas e universais, sem a existência de mecanismos que anulem ou invalidem esta declaração.

O socialismo começou a investigar que o único sujeito autêntico da liberdade era a pessoa individual. Mas o liberalismo já havia desenvolvido na modernidade esta investigação, num mundo competitivo e dominado pelo capitalismo.

Segundo HELLER(1994), se o socialismo quer sobreviver tem um grande labor relacionado a liberdade do indivíduo, pois, as liberdades do indivíduos estão longe de estar garantida.

Estes são fenômenos impostos pela modernidade contemporânea. Esta transforma-se em individualismo e a liberdade em "pluralidade de solidões"*, cuja marca é a indiferença ou agressão contra o outro.

Cidadania pressupõe o direito de viver a própria vida e ser único e diferente dos demais. Mas, hoje, neste momento histórico tem-se uma ilusão de individualidade, vivemos numa sociedade que apregoa a liberdade e bloqueia a sua concretização. Não existe o controle da própria vida quando não existe a satisfação da necessidade de todos.

A fraternidade se converteu em um objeto com excessivo sentimentalismo e conteúdos esquivos. Na revolução, a fraternidade era um princípio com dupla função: no seio da nação contemplava a rigidez e a mecanicidade da lei. Nesta função desempenhou um serviço ambíguo. Por um lado suavizava a dureza do sistema legal dos princípios de modernidade e colocava que mesmo a lei mais justa tem vítimas inocentes e que existem outras considerações mais que as legais. Por outro lado incitava a repudiar a lei e a reimplantá-la para atos violentos.

Fora da época revolucionária a fraternidade estava destinada a ser o fundamento do que hoje denominamos relações internacionais e que na era do nacionalismo se converteu em pura hipocrisia.

A fraternidade era a menos secularizada das trindades revolucionárias e significava, primeiro a união familiar em que os laços não eram de sangue, mas sim de natureza espiritual e, às vezes mística. Segundo implicava a unidade e homogeneidade da família frente as diferenças individuais.

Na racionalidade capitalista instrumental, onde a competição é o principal caminho, a fraternidade encontra-se sufocada. Esqueceu-se a dialética entre a subjetividade e a objetividade, quando as necessidades, os afetos e o próprio pensar do homem são aprisionados pela discriminação, através da alienação dos sentimentos.

Nos modelos sociais da ordem, a dimensão da felicidade e da emancipação confundem-se como o incremento de poder e produção. (Habermas apud SPINK,1994,p.154).

Neste contexto, o homem vai reduzindo a sua capacidade de lutar por um mundo melhor, a fraternidade e a perspectiva de ser feliz vão desaparecendo, ele torna-se um cidadão-consumidor, com o empobrecimento da vida e o enfraquecimento do espaço político. Criam-se expectativas de consumo que escravizam o homem e o destroem*, reduzindo-o a condição de consumidor, restringindo a sua liberdade.

Portanto, falar em cidadania no Brasil, é tornar evidente estas contradições, tanto no aspecto político, social, econômico, cultural e educacional. Contradições estas que impedem a efetiva concretização da liberdade/igualdade/fraternidade. Pois, de acordo com DEMO(1995):

* 1% da população brasileira concentra 1,5% da renda nacional;

* 10% dos mais ricos detém 51,5% desta renda;

* 23% da população que trabalha ganha menos que ½ salário mínimo;

* 60% da população economicamente ativa não recebe mais do que dois salários mínimos;

* das crianças em idade escolar, que ingressam na escola pública 1/3 apenas, ou seja, 12% concluem o 1º grau. A escola é seletiva e contra os pobres, sendo incoerente com o que prevê a lei: "exercício consciente da cidadania"Onde está a conscientização? E a cidadania?

* a previdência e assistência que diz-se universal não atinge a todos que com ela contribuem durante anos, mas esconde privilégios(minorias). Portanto, os programas sociais não são universais em termos de qualidade;

* o que é proposto como defesa do bem-comum, não passa se mascarar privilégios de alguns, da própria iniciativa privada, que é livre;

* os três poderes preocupam-se mais com a sua autonomia do que com o compromisso que eles têm com a população;

* os grandes monopólios existentes são um entrave para o desenvolvimento do país.

Então, o que temos é déficit educacional, fome, analfabetismo e violência em grande escala. Vive-se num mar de imensa miséria, onde grande parcela da população está a mercê de uma casta imensamente privilegiada.

Temos cerca de 32 milhões de miseráveis, pelo menos 100 mil crianças e adolescentes na rua, metade da população depende do mercado informal, grandes disparidades regionais e uma das maiores concentração de renda do mundo.

É o que nos diz Da Matta apud SPINK(1995):

O Brasil tende a nos confundir ou a nos perturbar porque nele existe uma sociedae que surge como antiga e moderna, simultaneamente. Temos uma sociedade industrializada(...) convivendo com pobreza e miséria(...) continuamos a manter um sub-emprego galopante, legitimado por um sistema legal que contempla muito mais o capital do que o trabalho... (p.106)

Desta forma, pode-se dizer que não houve uma universalização das leis e que a cidadania não resulta, segundo Bendix apud FERREIRA(1993), da consciência daqueles que contribuem para a riqueza e bem-estar do país e que têm o direito de serem ouvidos, merecendo "status" de respeito.

Assim, o estado de direito é uma realidade para poucos. A própria palavra parece adquirir uma falsa conotação, quando é condicional e com validade só na teoria.

Para permitir o avanço da revolução industrial o capitalismo limita as possibilidades históricas dos seus grupos antagônicos, isto é, reprimir limita a própria cidadania, pois, para aumentar a sua capacidade de produção tem que negar este direito às classes subalternas. Estas possuem dificuldade de elaborar a sua própria identidade, pois, o seu saber/pensamento é construído de forma fragmentária e subordinada à estrutura social. Portanto, os saberes e as práticas dominantes ditam as formas do saber constituído. A existência das classes subalternas, reduz-se a reprodução, a fragmentação e a cotidianeidade.

Pode-se dizer, então, que a racionalidade capitalista se contrapõe aos valores coletivos de um projeto de sociedade.

O grande desafio da cidadania, hoje, é manter a tensão permanente entre a individualidade e a universalidade do homem.. E desta forma, considerar que os movimentos sociais são alternativas que vêm ocorrendo no Brasil e que:

... valorizam os laços interpessoais, a solidariedade, a ajuda mútua, a paticipação entre ‘iguais’, as decisões tomadas coletivamente etc. Características que se comtrapõem a valores fundamentais do capitalismo(competitividade, individualismo, atomização da existência etc) e a tradição política brasileira (centralização de poder, populismo, paternalismo etc)...(Doimo apud WARREN,1996,p.55-56)

Há um crescente processo de individualização alienada conduzida por uma sociedade atomizada, segregada e que obstrui a construção de novas identidade sociais a partir da relação face a face com o outro, através da interação com o coletivo. Segundo Chauí apud WARREN(1996) a servidão voluntária é cotidianamente alimentada pelos meios de comunicação de massa que produzem nos cidadãos o desejo da relação sem mediações institucionais, onde tudo são sentimentos, emoções, gostos, preferências e aversões pessoais.

Sabemos que a formação da cidadania é um processo lento e profundo, que leva gerações, pois, é outra dimensão aquela comprometida em construir "gente", para além de trabalhadores, treinados, pessoas bem comportadas e seres informados.

O capitalismo contemporâneo relega à situação de exclusão, a grande massa da população, negando-lhes o direito à vida, a liberdade e a posse de bens materiais, reduzindo-os à submissão, miséria e doença.

Estes excluídos vão criando formas próprias de sobrevivência, muitas vezes, no mercado informal de trabalho e até mesmo, junto ao crime organizado, fora do sistema legal.

A modernidade apregoou a liberdade, a igualdade e a fraternidade, porém, a sociedade aumentou o controle e a vigilância sobre os indivíduos, sujeitando-os a uma rotina de produção e consumo, desagregando e atomizando-o, destruindo valores como a solidariedade e as redes de entreajuda e interconhecimento. Enfim, levou o homem a um processo de individuação ou de subjetividades serializadas, onde o tempo é um fator inimigo à congruência de relações pessoais mais estreitas, convertendo o homem em um objeto de si próprio, subordinado as exigências de uma razão tecnológica.

A felicidade é um valor conquistado a partir do consumo compulsivo, sendo incapaz de satisfazer as necessidades psicológicas, emocionais e sociais do indivíduo-cidadão. Para DEMO(1994) "cidadania, uma falta, não de quantidade, mas de qualidade...O problema não está simplesmente em ter, mas em ser coibido de ter e de ser"( p.146)

Há de se concordar com FOUCAULT(1975), quando ele coloca que o excesso de controle social produzido pelo poder disciplinar e pela normalização técnico-científica com que a modernidade domestica os corpos e regula as populações, de modo a maximizar a sua utilidade social, reduz, a mais baixo custo o seu potencial político, então, a cidadania torna-se um processo de mera perpetuação de "micro-poderes" que são inerentes às práticas sociais.

Coloca-nos FERREIRA(1993) que ao indivíduo é permitido poder:

...votar e ser votado, fazer-se representar e até atuar na instância governamental. Deve pagar impostos, respeitar as leis, acatar as autoridades, zelar pelo patrimônio público e estar sempre pronto para defender o país. Em troca o Estado lhe dá garantias constitucionais: ele não pode ser preso sem segurança ou flagrante delito, sua casa não pode ser violada, ele não pode ser segregado por causa de sexo, cor, idéias,...(p.169-70)

Pode-se dizer que esta é uma forma de coersão simbólica do Estado permitindo-lhe o controle de toda a vida da população, a qual resulta de uma rede de dominação, que mascara a domesticação do indivíduo. A arrogância e o abuso do Estado tornam as classes populares tímidas e inseguras, tornando-as impotentes para expressar e desenvolver a sua capacidade de resolver problemas e a sua autonomia, não rompendo com os valores instituídos.

Este é o maior desafio deste final de século, isto é, eliminar a "pobreza política", o indivíduo fazer-se sujeito competente, não admitindo tutela, e dispensando, quando necessário, a assistência. O direito de "emancipação" deve ser o ideal da sociedade democrática, "tutela nunca, assistência quando necessária, emancipação sempre, competência em vez de dependência"(DEMO,1995).

O indivíduo precisa desenvolver uma competência política, capaz de fazê-lo histórico e de pensar e conduzir o seu próprio destino, constituindo o seu processo emancipatório, fazendo-se sujeito, negando-se a aceitar-se como objeto.

A ignorância escraviza o homem, pois, impede-o de ver-se como escravo, capaz de reagir contra a hegemonia do poder. A falta de condições materiais, a pobreza obriga-o a dependência para sobreviver. Por isso, não é suficiente ao indivíduo ter consciência crítica para fazer-se histórico e competente.

A cidadania deve ser exercida a cada dia, no cotidiano de cada indivíduo de forma ética, sendo essencial para a democratização da sociedade.

Desta forma, entende-se a cidadania brasileira, como uma questão de identidade social construída às avessas, pois, o atrelamento da população a um sistema de benefícios estatais, afirma cada vez mais o"não-cidadão", marginalizado, sendo instrumento de manutenção dos projetos políticos e econômicos da classe hegemônica.

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CONCLUSÃO

A análise desta temática proporcionou-me evidenciar questões presentes nas relações sociais, as quais são abordadas muitas vezes, sem um aprofundamento necessário capaz de apontar pistas para uma referência mais coerente.

Após todas as análises apresentadas, concluí que as contradições presentes no processo de cidadania, no que tange as relações entre Estado e Sociedade estão implícitas nas políticas sociais que, se por um lado, visam resolver os problemas sociais, como a fome, o analfabetismo e a miséria, por outro, são assistencialistas, incluem a tutela, mascarando as discriminações, e não atingindo o cerne do problema. Concretizam-se, portanto, como desmobilizadoras e controladoras, o que tolhe a verdadeira participação, o desenvolvimento da autonomia e emancipação dos indivíduos.

O Estado propõe ao indivíduo uma situação de direito, que ele próprio não consegue incorporar e absorver. A racionalidade dominante, nesta relação, gerada por uma forma de poder, estabelece a desigualdade entre indivíduos e Estado.

Assim, a cidadania vem sendo construída a partir de movimentos sociais, desvinculados do Estado. Estes estão colocando em questionamento as concepções de cidadania, apregoado através das décadas, onde igualdade, liberdade e fraternidade deveriam ser princípios básicos. O que estes movimentos sociais querem é um outro tipo de liberdade, que não seja condicionada a valores dominantes; um outro tipo de igualdade, a de oportunidades de condições e, uma fraternidade honesta e não mascarada.

Concluo então, que os movimentos originados no cotidiano do indivíduo, numa ordem micro-estrutural, ao revelarem sua singularidade e a partir de "protestos do inconsciente"*, percebem que a verdadeira cidadania é aquela construída coletivamente, não pela justaposição de "subjetividades individuais"*, mas de um movimento coletivo ou de "revoluções moleculares"*.Os homens envolvem-se em ações e vão instituindo outras ações e criando movimentos de protestos. Afirmo que as contradições aqui se expressam na falta de consideração do Estado para com estes movimentos, anulando na maioria das vezes os espaços de sobrevivência e a possibilidade de autocriação social.

Também, através das relações que mantém com a sociedade, o Estado, contribui para a alienação do cotidiano. Os indivíduos ficam tão imersos nas atividades das suas rotinas, que não percebem as estratégias da dominação gigantesca do Estado, o qual cria alternativas em nome do bem-estar de todos, atingindo a poucos privilegiados.

Desta forma, no Brasil, a contradição entre a cidadania proposta pelo Estado, a cidadania que é real e a que vem se efetivando a partir de novos movimentos sociais cotidianos é muito crescente. Pois, se temos um Estado que visa o mercado, a competição e um cidadão-consumidor, temos, também, uma sociedade civil que não consegue competir, nem consumir, e por outro lado, um pequeno grupo desta sociedade, lutando para ter acesso aos bens de consumo, através da mobilização organizada e do direito à cidadania efetiva.

A sociedade civil precisa organizar-se, ter qualidade política, ser competente para fazer o Estado funcionar e cumprir seu papel, pois, ele precisa ser de qualidade.

A conquista de uma cidadania efetiva e organizada depende dos indivíduos, em suas ações cotidianas. Pois, a liberdade não é uma dádiva é uma conquista. Cotidianamente não basta a cidadania ser um estado de espírito ou uma declaração de intenções.

Ser livre é compartilhar com os outros a chance de viver a própria história, recusar a inércia. A convivência social se desenvolve contando com determinantes econômicos, políticos, históricos e culturais, pois, conviver demanda reciprocidade, solidariedade, respeito ao próximo e generosidade.

Em nosso país há os que são mais cidadãos, os que são menos cidadãos e os que nem mesmo ainda são. Pois o cidadão deve ser multidimensional, onde cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido para a vida, de uma nova sensibilidade.

As contradições fazem do país um contexto de desigualdade e subdesenvolvimento que explicitam-se nas mais diversas problemáticas conjunturais.

A organização da sociedade civil se dá a partir da capacidade histórica de modificar conscientemente suas formas políticas. Ou seja, resolver o problema : a quem o Estado serve e quem o controla?

A ruptura para a construção de uma cidadania efetiva precisa ser feita para além da ordem da opinião, significa pôr em questionamento os valores que sustentam a ordem social. Um regime que se diz democrático e exclui das conquistas sociais um contingente enorme de pessoas, estabelece favores para impedir o direito e exige de seus cidadãos obediência irrestrita às leis, não é verdadeiro, deve ser questionado. Parafraseio FERREIRA(1993), quando diz que a vontade concreta de um grupo que rompe com o instituído, instituindo-se, se materializa a partir da mesma concepção de mundo, de um ethos comum, vivido e assimilado de forma que se transforma em paixão.

Cidadania não é uma questão de persuasão ou opção puramente racional entre virtude e pecado. Ela é vivida como necessidade do eu, como desejo. Mesmo quando agimos em nome do bem comum, a atividade implica em motivação individual: ninguém é movido por interesses universais e abstratos e não se pode pedir ao homem que abandone a esfera pessoal de busca da felicidade, mas deve impedir que esta busca cerceie a dos outros.*¹º

Com base nisto, proponho um trabalho voltado para a formação político-emancipatório do indivíduo, pois, é da possibilidade de se criar alternativas que depende a qualidade da cidadania e do Estado. Uma das maneiras de materializar-se este trabalho é tornar a questão da "cidadania contraditória" um tema de reflexão permanente em todas as esferas, ou seja, nas associações, sindicatos, seminários, família,e principalmente, na educação formal. No que tange a educação formal através de uma revisão dos objetivos educacionais e dos currículos de 1º, 2º e 3º graus, especificamente aqui, aos cursos ligados às Ciências Sociais e Políticas, onde os mesmos no lugar das "teorias metafísicas"*¹¹ se voltassem para a relação destas com a "realidade histórico-concreta"*¹² em que o indivíduo contemporâneo está inserido. Sob este aspecto, a pesquisa teria lugar privilegiado, à qual alimentaria a teoria como elemento concreto e vice-versa. Assim teríamos uma verdadeira educação sócio-política, que efetivamente estaria sendo transformadora. Neste movimento dialético, ao serem desvendadas as contradições do contexto, a cidadania começaria a ser construída solidamente.

Acredito ser este um caminho para se modificar as concepções de cidadania e trabalhar evidenciando as suas contradições. As transformações vão ocorrendo a partir do acesso à informação e ao saber, papel fundamental das agências formadoras, que privilegiam estas áreas do conhecimento. Assim, é preciso considerar os seguintes aspectos para se ter um projeto de cidadania: a formação, a participação, a autopromoção do indivíduo, o indivíduo como sujeito social, a noção dos direitos e deveres, de democracia, de liberdade, igualdade e fraternidade, o acesso à informação e ao saber.

Finalizando, concluo que o entendimento das contradições implícitas na arena política e social, é condição básica para compreender a cidadania como um processo histórico e social, onde o homem tem condições de tornar-se sujeito histórico, consciente e organizado, com capacidade de conceber e efetivar um projeto individual e coletivo para a sociedade.

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APRESENTAÇÃO EM EVENTOS

EVENTO: "I CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO I CONED"

LOCAL: Belo Horizonte - MG

DATA: 31/07 a 03/08/96 - UFMG

TÍTULO DO TRABALHO: "As Contradições da Cidadania na Sociedade Brasileira e suas Relações com a Educação"

EVENTO: III JORNADA INTEGRADA DE PESQUISA, EXTENSÃO E ENSINO"

LOCAL: Santa Maria -RS - UFSM

DATA: 08 e 09/10/96

TÍTULO DO TRABALHO: "O Estado Brasileiro, as Políticas Sociais e a Cidadania"

EVENTO: PEDAGOGIA 97 "ENCONTRO PELA UNIDADE DOS EDUCADORES"

LOCAL: Havana - CUBA

DATA: 03 - 07/02/97

TÍTULO DO TRABALHO: "Cidadania e Educação: Contradições na Sociedade Brasileira"

EVENTO: "II CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO II CONED"

LOCAL: Belo Horizonte - MG

DATA: 06-09/11/97 - UFMG

TÍTULO DO TRABALHO: "Estado, Políticas Educacionais e Cidadania"

EVENTO: "IX ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO/ENDIPE"

LOCAL: Águas de Lindóia/SP

DATA: 04-08/05/98

TÍTULO DO TRABALHO: "’Práticas Educacionais Contemporâneas e Cidadania: limites e possibilidades"

JORNAL "A RAZÃO" – 13/02/98 – "Reflexões sobre Cidadania I"

JORNAL "A RAZÃO" – 20/02/98 – "Reflexões sobre Cidadania II"

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