"GLOBALIZAÇÃO E DEMOCRACIA DIALÓGICA"

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

Publicado no Jornal "A Razão" em 27.09.2001

"Onde a conversa deixa de existir, a violência tende a se iniciar" (A.Giddens).

A sociedade pós-moderna é, por excelência, a sociedade globalizada, e nesta, o que chamamos de cultura global caracteriza-se pela diversidade, e não pela uniformidade como muitos afirmam. Nesta sociedade, o pluralismo cultural não se restringe mais a centros específicos, os quais, devido ao isolamento geográfico permitiam que os conflitos resultantes do choque e da hostilidade ao Outro, fossem resolvidos pelo enraizamento da tradição. Formavam-se espaços harmônicos, sempre idênticos a si mesmos, pois não entravam estranhos (ou então esta entrada era muito dificultada, e o Outro era visto sempre como suspeito); os relacionamentos e os compromissos eram estabelecidos face a face, e o fluxo de pessoas bastante limitado.

Num tempoespaço comprimido pelos novos meios de transportes e das novas tecnologias de informação e comunicação, intensificaram-se os fluxos de informação e de pessoas (agora ameaçado), colocando todos em contato com todos, e principalmente com diferentes maneiras de viver, pensar e sentir a vida. Por isto na globalização, o pluralismo cultural é recolocado sob a forma de redes (assim como o terrorismo), e cada espaço transforma-se numa rede de relações sociais altamente complexa, num entrelaçar cada vez mais intenso de diferentes culturas. No mundo-como-um-todo as "culturas ao invés de ficarem facilmente isoladas umas das outras como peças de um mosaico com a orla compacta, tende a sobrepor-se e a misturar-se" (U.Hannerz). Com isto, os choques de valores, opiniões, perspectivas e pautas de ação dos indivíduos ou de uma coletividade, só podem ser resolvidos através do diálogo ou da força.

Se queremos a solução de um conflito pelo diálogo, não podemos mais hostilizar o "estranho"; não podemos tratar o Outro como passivo, como mero receptor de nossas mensagens; o fluxo da comunicação agora é de mão dupla, e possuir virtude comunicativa significa saber ouvir paciente e atenciosamente as diferentes idéias, e/ou as idéias do diferente, e principalmente, respeitá-las; e isto é a "democracia dialógica", na qual "as relações são ordenadas por meio do diálogo, e não do poder arraigado" (Giddens). Na democracia dialógica não só o Outro tem a obrigação de responder, mas a interrogação é recíproca. Portanto não estou salientando um processo de comunicação consensual, que traz em si a exclusão do desacordo, pois como diz Z.Bauman, "é no cemitério do consenso universal que a responsabilidade, a liberdade e o indivíduo exalam seu último suspiro".

Exigir o consenso, significa não deixar o Outro falar, ou não respeitar sua fala; significa resolver os conflitos pela força, fechando o espaço para o diferente e afirmando a minha verdade para todos. Neste caso o limite com o fundamentalismo é tênue, bastando apenas fechar o espaço para o novo, e que a verdade imposta seja tradicional; porém como quem exige o consenso acabando com a conversa onde a mesma deveria iniciar, geralmente assim o faz porque não quer ou não tem justificativa para as suas idéias, sendo esta uma atitude da tradição, eu diria que este limite não existe mais nas condições de pós-modernidade.

Portanto o resultado de um processo de escolha ou negação da democracia dialógica, pode gerar espaços discursivos ou fundamentalismos, respectivamente. Se efetivamente queremos dar uma melhor direção para o processo de globalização, precisamos ouvir a todos, precisamos deixar que todos nos interroguem e responder para todos, inclusive para o fundamentalista, pois do contrário tornamo-nos semelhante a ele. Esta é a oportunidade emancipadora pós-moderna de que fala Z.Bauman, ou seja, "a oportunidade de depor as armas, suspender as escaramuças de fronteira empreendidas para manter o estranho afastado, desmontar o minimuro de Berlim erigido diariamente e destinado a manter distância".

Sendo a sociedade globalizada um espaço que coloca em contato todos os tipos de diferença, ela amplia as possibilidades de embate entre espaços dialógicos e fundamentalismos. A opção pela democracia dialógica representa um potencial para o relacionamento pacífico; já a opção pelo fundamentalismo está associada à violência. Se vislumbramos um mundo sem guerra, a opção pelo diálogo é o início do caminho que poderá tornar real esta utopia.

Tudo isto se aplica tanto para as relações pessoais como para a vida cotidiana, ou (e principalmente neste momento) para a ordem global maior.

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