Educação para uma Escola Cidadã

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

Professor Assistente do Depto. de Sociologia e Política - UFSM

Dra. Maria Arleth Pereira

Professora Titular - Programa de Pós-Graduação em Educação - UFSM

Este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de experiência do Projeto de Extensão "Programa de Aperfeiçoamento Pedagógico" desenvolvido por um grupo de professores universitários de Santa Maria-RS, de forma interdepartamental (professores de vários departamentos da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM) e interinstitucional (professores do departamento de Geografia das Faculdades Franciscanas-FAFRA), e que contou com o apoio da Secretaria de Educação do RS e da Assembléia Legislativa do Estado, a qual também financiou o mesmo. O projeto teve como ponto central a atualização dos professores, instrumentalizando-os para lidarem com os problemas emergentes da atual "revolução científico-tecnológica", seus reflexos no cotidiano escolar, e consequentemente uma possível mudança em suas práticas pedagógicas. O trabalho foi desenvolvido durante o ano de 1997 com os professores da rede estadual de ensino da cidade de São Sepé-RS, os quais estavam distribuídos em 07 escolas, sendo 57 professores do Currículo por Atividades e 117 do Currículo por Áreas (Português-23; Matemática-20; Ciências-15; História-17; Geografia-14; L.Inglesa-06; Ed.Artística-09). Nosso pressuposto principal foi que, o aprimoramento/atualização dos educadores é uma questão imprescindível no presente momento; a escola está sendo desafiada pela evolução da tecnologia, dos novos meios de comunicação e de decisões políticas não comprometidas com o caráter "verdadeiramente político" da educação. Somado a isto, as profundas modificações em todos os setores da vida humana, exigem dos professores uma visão de mundo atualizada, e uma nova postura frente aos problemas impostos pelo contexto em que inserem-se suas práticas pedagógicas.

A justificativa maior para realização deste projeto, encontra-se na Lei n.o 10.576 de 14 de Novembro de 1995/Gestão Democrática do Ensino Público, do Governo do RS. De acordo com o ítem I do Art.1.o, a autonomia pedagógica aparece na primeira linha de prioridades por considerar que a necessidade de "aperfeiçoamento em serviço" é um dos componentes mais importantes da qualidade de ensino. Ainda no que tange esta Lei, entendemos a "valorização dos profissionais da educação" que consta no ítem VI do Art. 1.o, como uma política que está diretamente relacionada à questão da "atualização". Portanto, as questões da autonomia pedagógica e da valorização docente, respaldam este projeto.

Assim, nosso trabalho partiu das necessidades detectadas no dia-a-dia dos educadores, levando-se em consideração as peculiaridades das áreas e dos contextos em que atuam, possibilitando-os a oportunidade de rever a sua formação naqueles aspectos essenciais que estão comprometendo seu desempenho pedagógico. Para isto os conceitos que nortearam a implantação e o desenvolvimento do Projeto foram: autonomia, qualidade e cidadania, os quais analisaremos adiante.

Outra questão de imprescindível destaque diz respeito à necessidade de uma maior integração entre a Universidade e as Escolas, concretizando a teórica relação "ensino-pesquisa-extensão". O conhecimento mais apurado dos problemas que envolvem os professores da rede estadual, deve-se constituir num elemento de grande importância na formação dos futuros educadores, tanto para o ensino como para a pesquisa.

Portanto, o caráter extensionista deste projeto, traz em seu bojo amplas possibilidades de trocas recíprocas entre os envolvidos (executores; clientela a quem se destina; instituições) , revestindo o mesmo de uma "ampla função social", e que sempre deve ser considerada, principalmente no que tange à área educacional.

Problemas do cotidiano escolar: a idéia do projeto

Inúmeros são os problemas que atingem a escola, e agravam-se com o atual estágio de mudanças em todas as esferas da sociedade contemporânea. Como salienta GADOTTI (1997:33), a crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo pluralismo político, pela emergência do poder local(...).

Inseridos neste contexto, os professores são desafiados constantemente pelo desconhecido, e a renovação de suas práticas educacionais torna-se uma questão de sobrevivência da escola. Porém esta renovação é complexa, primeiro porque perspassa todos os aspectos da prática pedagógica; segundo, porque exige abertura dos envolvidos no processo somada a vontade política de mudar e terceiro, porque os meios para concretizar as aspirações devem estar em consonância com o contexto histórico concreto.

Os professores da rede estadual de ensino da cidade de São Sepé-RS, expressaram a vontade de uma mudança efetiva. No lugar da reclamação vazia, preferiram buscar alternativas concretas, para os problemas em que estão envolvidos, e que com certeza fazem parte de toda a estrutura educacional na atualidade.

Durante o ano de 1996, participamos de vários encontros em escolas da rede pública estadual e municipal, ministrando palestras sobre diversas questões relacionadas à àrea educacional, dentro do "projeto de atualização" proposto pelo Estado.

Em um destes encontros, realizados em São Sepé no dia 16.10.96, na Escola Estadual de 1.o/2.o gr. Tiarajú, desenvolvemos um trabalho sobre as "Transformações atuais e seus impactos na educação". Estavam reunidos todos os professores de 1.o/2.o gr. das escolas estaduais daquela localidade (237 professores), e as questões levantadas tiveram excelente repercussão entre o grupo.

Durante aquele dia, Diretores e Professores, chegaram à conclusão da necessidade de um trabalho continuado sobre as questões teóricas propostas, com o objetivo de efetivarem a relação teoria-prática. Ao detectarmos as necessidades, as angústias, e sobretudo o "real interesse de mudança" por parte daqueles professores, aceitamos o desafio, e vimos também no mesmo a oportunidade de concretizar a "tão discursada" relação Universidade-Escolas.

Num primeiro momento (anterior à formalização do projeto) levantamos, através dos Diretores, os problemas gerais/mais urgentes de cada escola e de cada área, que foram expressos no seguinte: "como trabalhar coisas mais práticas" ; "uma maneira de ensinar que desperte o interesse"; "o trabalho de forma relacional"; "como administrar questões de relacionamento"; "problemáticas no desenvolvimento dos currículos por atividades e por áreas".

A partir disto, buscamos na UFSM e na FAFRA, professores que além da disposição para um projeto, estivessem atualizados, e em sintonia com a idéia de que hoje "precisamos aprender a aspirar à mudança (...),a se empenhar na renovação e a olhar sempre na direção de futuros desenvolvimentos (...)"(BERMAN, 1986:94). Formamos então um grupo de 16 professores(UFSM: PPGE - linha de pesquisa: "formação de professores"; Departamento de Sociologia e Política; Educação Física; Centro de Artes e Letras; Centro de Ciências Naturais e Exatas - FAFRA : Dept. de Geografia), e passamos à concepção de um projeto de integração entre o PPGE e as escolas estaduais. Sendo assim, e a partir das necessidades expostas pelos professores, traçamos nossa linha de ação com base numa problemática constituída de três eixos fundamentais: 1) fragmentação - uma grande falta de integração dos conteúdos, bem como das ações na escola; 2) o sentimento de que as aulas não estavam respondendo às expectativas dos alunos, os quais apresentavam profundo desinteresse; 3) desmotivação dos professores e dificuldades cada vez maiores no trabalho com os adolescentes.

Definimos então que, cada eixo deveria ser trabalhado levando-se em consideração os conceitos norteadores: autonomia, qualidade e cidadania (numa relação dialética entre os mesmos), ou seja, nosso objetivo maior foi o de desenvolver um projeto que colocasse em pauta a autonomia como requisito essencial na contemporaneidade; que somasse para o desenvolvimento de uma educação com qualidade formal e política e consequentemente instrumentalizasse os professores para a participação na vida da escola.

Destacamos a autonomia, por ser um reconhecido valor hoje que se constitui numa categoria central da essência da vida humana, e como tal, confere o poder de determinar os processos e as estratégias de ação, escolher caminhos e alternativas, bem como objetivar desejos e ideais no sentido de efetivar a ação crítica nas mais diversas situações que a vida nos impõe. (SOARES & PEREIRA, 1997:04)

No mundo globalizado em que vivemos, a autonomia tornou-se uma necessidade material, sócio-cultural, psicológica e política, e portanto é impossível não ser trabalhada pela educação formal.

Seguindo a linha de CASTORIADIS (1992) para pensar este conceito, temos em mente que todo projeto que ambiciona uma maior politização na educação jamais dispensa a autonomia como um objetivo por excelência, pois é ela que possibilitará ao homem "instituir", "criar suas próprias leis", deixando de viver sempre sob os desígnios de um "instituído" que lhe é estranho.

Conforme já afirmamos em um trabalho anterior (SOARES & PEREIRA, 1997:13), a escola que têm como princípio norteador a autonomia,"(...)permite que os poderes humanos de organização e reorganização criativa da experiência, sejam operativos no contexto educacional(...)"(DOLL,1977:117).Esse sistema aberto permite que professores, alunos, coordenadores e diretores estabeleçam uma comunicação dialógica, propícia à criação de estruturas metodológicas mais flexíveis para reinventar sempre que for preciso. A confirmação desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as relações pedagógicas são humanizadas. Portanto, "pode-se dizer que a autonomia faz parte da própria natureza da educação (...)"(GADOTTI, 1997: 44).

Por outro lado, de nada adianta uma Lei de Gestão Democrática do Ensino Público que "concede autonomia" pedagógica, administrativa e financeira às escolas, se os professores não sabem o significado político da autonomia, a qual não é dádiva, mas sim uma construção contínua, individual e coletiva.

No que tange à qualidade, entendemos a mesma no sentido colocado por DEMO (1994:35), como "(...)elaboração histórica, o que se cria, em contraposição às circunstâncias dadas (...).É diminuir as formas dadas de determinação externa, é conquistar o espaço de autodeterminação". Este não é um entendimento ingênuo (como se apresenta hoje a qualidade chamada "total"), mas crítico e que exige, além da capacitação de cunho mais técnico, a capacitação política para atingí-la.

Elegemos este conceito, porque acreditamos que um verdadeiro processo educativo só é possível se feito com qualidade; ao mesmo tempo sabemos da complexidade desta questão quando estamos tratando de um contexto "material e politicamente pobre" como o da escola, mas que por isto mesmo precisamos colocá-la a fim de sanar lacunas que impedem a educação de ser um canal para a cidadania.

Também não podíamos desprezar este conceito, devido o cunho de atualização explícito neste trabalho; ao concordarmos que a atualização constante é um dos horizontes do saber estratégico (aquele capaz de construir um projeto de desenvolvimento ao mesmo tempo moderno e próprio - segundo DEMO, 1993:84-5), afirmamos a intrínsica relação - atualização/qualidade.

Já com relação à cidadania destacamos sua "concepção plena" analisada por GADOTTI (1997:38-9), e que consiste na mobilização da sociedade para a conquista dos direitos civis, sociais e políticos. "Pode-se dizer que cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia (...)"( pg.38).

Portanto uma educação para a cidadania, deve ser conscientizadora desses direitos, bem como da importância da participação da sociedade na reinvindicação dos mesmos.

Logo "educar para a cidadania" deve ser o objetivo político de cada área de ensino, fazendo da cidadania uma questão interdisciplinar por excelência. Este é um caminho que leva à construção do que se chama hoje "escola cidadã", e cujos eixos norteadores são:

(...) a integração entre educação e cultura, escola e comunidade (...), a democratização das relações de poder dentro da escola, o enfrentamento da questão da repetência e da avaliação, a visão interdisciplinar e transdiciplinar e a formação permanente dos educadores(...)(GADOTTI, 1997:40).

Concluímos então que, "escola cidadã é escola autônoma, e portanto escola de qualidade política". Somente assim a escola conseguirá atender as necessidades típicas do tempo-espaço atual, definido pela velocidade das mudanças globais.

Salientamos porém que a separação entre os conceitos é apenas para fins de entendimento do projeto, pois trabalhamos com a categoria da "relacionalidade", e como tal defendemos a idéia que autonomia, qualidade e cidadania são conceitos inter-relacionados, não existindo um sem o outro. Exemplificando: a qualidade, sob seu aspecto político, é fundamentação da cidadania, pois capacita o professor para "elaborar projeto pedagógico próprio"(DEMO), o que por sua vez só é possível num contexto permeado pela autonomia.

Ainda sob esta idéia vale ressaltar GADOTTI (1997:46) quando diz que a idéia de autonomia é intrínseca à idéia de democracia e cidadania. Cidadão é aquele que participa(...); e só pode participar (...) da tomada de decisões quem tiver poder e tiver liberdade e autonomia para exercê-lo.

Isto faz da cidadania e da autonomia "(...) duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das quais há freqüentemente consenso(...)(pg.39).

Traçamos então nosso projeto tendo por princípio que os problemas levantados pelos professores são obstáculos reais ao processo de construção da "consciência crítica"(no sentido de Paulo Freire, consciência não-dogmática, desmitificadora, desalienadora ..., efetivamente política), e sem ela as mudanças acontecem apenas num processo "de cima para baixo", anulando-se a essência da cidadania.

Destacamos então a profunda relação que existe entre os problemas apontados e os conceitos de autonomia, qualidade e cidadania, e os professores passaram a planejar seu trabalho tendo por base essa relação e com a idéia de que esses conceitos devem ser a base de construção do projeto político-pedagógico de cada escola, e ao mesmo tempo, expressão desse.

Com essas questões teóricas fazendo parte de um objetivo comum do grupo, orientamos os três eixos de nossa problemática (destacados acima) para serem trabalhados a partir dos seguintes tópicos: metodologia do ensino, interdisciplinaridade e relações sociais e humanas, tratando-se os mesmos tanto sob "viés formal" quanto o "político".

2 Trajetória da prática do projeto

O processo de desenvolvimento da prática do projeto, oportunizou aos professores situações com as quais as escolas ainda não sabiam lidar. Inicialmente, foi realizado através de discussões e debates, uma reflexão com cada grupo de professores oganizados por área de conhecimento e por currículo por atividades, para detectar as dificuldades mais acentuadas que afetam o desempenho geral dos professores.

Nessa oportunidade, foi constatado a situação de conteúdos desarticulados, incompletos, desestruturados e incompatíveis com a disciplina ministrada. Dentro desse quadro de precariedade, foi organizado uma série de atividades articuladas com as áreas de conhecimento que compõem o currículo escolar, as quais resultaram na realização de modificações e tomadas de decisões quanto aos procedimentos metodológicos. Com debates, palestras e reflexão conjunta, tanto os professores organizados por currículo por atividades como os professores da 5.a a 8.a série, puderam rever suas práticas metodológicas em sala de aula, incluindo também, possibilidades de utilização de atividades motivadoras de aprendizagem.

Cabe mencionar ainda, que durante o período de desenvolvimento do projeto, os professores também puderam rever suas práticas pelo constante esforço demonstrado em articular os procedimentos da metodologia com o universo mais amplo da aprendizagem. Isso foi possível graças à compreensão de todos em incluir na sua vida profissional a concepção crítico-reflexiva como pressuposto que atribui à formação do educador, a qualidade de auxiliar a sua autonomia na dinâmica de formação "auto- participada". Nesse contexto, os professores reviram a sua prática, articulando os procedimentos da metodologia com o universo mais amplo das escolas.

Ressaltamos que o desenvolvimento da compreensão dos mesmos sobre o seu trabalho pedagógico, a partir da visão interdisciplinar do conhecimento, se processou de forma bastante tímida. Os professores reconhecem a importância de romper com as posições pedagógicas cartesianas para fazerem dialeticamente a relação necessária entre as disciplinas que compõem o currículo escolar e a realidade concreta da vivência do aluno, porém compreendem que precisam caminhar ainda muito nessa direção.

Tentamos passar para os professores a importância do ato reflexivo no dinamismo da prática pedagógica através da reflexão conjunta durante toda a realização do trabalho em oposição à racionalidade técnica. A proposta de trabalho conjunto dos professores e o desenvolvimento das atividades planejadas de forma integradas , foram situações concretas com as quais os professores aprenderam a lidar, para aos poucos, consolidarem o hábito de trabalhar de forma mais orgânica. A compreensão da necessidade de romper com as tendências fragmentadas e desarticuladas do modo de conceber o processo de conhecimento ficou evidenciada, uma vez que os professores conseguiram, mesmo com limitações, reelaborar os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas.

Segundo NÓVOA (1992) "a racionalidade técnica do trabalho dos professores como mero aplicadores de valores, normas, diretrizes e decisões político-curriculares, aponta para a importância da reflexão sobre a ação". Foi por esse viés que tentamos trabalhar a "reflexão-ação", como processo para chegar à visão interdisciplinar do trabalho pedagógico. Essa compreensão crítica colabora para a superação da desarticulação do conhecimento, que vem colocando o ensino como processo reprodutor de um saber parcelado que muito tem refletido nas relações de trabalho e na predominância da desvinculação do conhecimento do projeto global da educação e da sociedade.

O trabalho compartilhado entre os grupos homogêneos e/ou heterogêneos em torno das áreas do conhecimento predominou ao longo da realização da experiência. Portanto, a tentativa de buscar um saber mais relacional numa atitude crítica, e "diminuir a compartimentalização de disciplinas autônomas" (FAZENDA,1992:45), foi válida para os professores das escolas como experiência inicial.

Inter-relacionar conteúdos de matemática, português, história, geografia, etc, em torno de uma temática central, foi a atividade mais importante desenvolvida para a realização da integração de conhecimentos, dando-se um caráter "interdisciplinar" ao fazer pedagógico daqueles professores, tanto a nível de planejamento como a nível de sala de aula e processo de avaliação. Consideramos que ser "crítico-reflexivo" no processo pedagógico significa trabalhar os conteúdos das várias disciplinas de forma mais indagadora e não linear.

Assim, utilizando-se da colaboração de vários autores sobre a questão da interdisciplinaridade, pode-se fornecer aos professores os meios que facilitam as dinâmicas de formação "auto-participada". Dentro dessa perspectiva impõe-se como condição indispensável a conquista da "autonomia".

Quanto ao tópico referente as "relações sociais e humanas", o mesmo foi desenvolvido de duas formas. Primeiro, através de palestras (uma no início, na metade e no final do projeto) englobando todos os professores. Nestas palestras foram analisados os aspectos básicos, tais como: a situação das relações sociais e humanas na "sociedade tecnológica"; os conceitos de "relacionamento inteligente" e "autoridade negociada" sob a ótica de Anthony Giddens; a comunicação cognitiva e emocional.

Consideramos estes aspectos essenciais porque os mesmos estão relacionados com o "princípio de autonomia", ou seja, as relações entre as pessoas hoje são moldadas tanto pela autonomia psicológica como também pela material, e constituem um dos domínios da chamada "democracia dialógica" (segundo GIDDENS, 1996: 134-138).

Sobre a outra forma, foram abertos espaços para debates nas áreas específicas, principalmente sobre a situação concreta em sala de aula da autoridade negociada e questões da comunicação. Nestes espaços, mais do que sanarem as dúvidas, os professores tiveram a oportunidade de questionar e revisar suas atitudes em termos de relacionamento com os alunos.

No final dos encontros inúmeros professores afirmaram terem começado o desenvolvimento de novas relações humanas não só com seus alunos, mas também com os colegas. Reconheceram a importância do diálogo na construção de um ambiente democrático, e passaram a deixar de lado o autoritarismo em favor da "autoridade negociada" com seus alunos, através da qual o professor torna-se "um líder de dentro, não um ditador (por mais benevolente que seja) de fora" (DOLL Jr., 1997: 184).

Concluíram também, sobre a necessidade de se trabalhar constantemente essas questões, bem como do papel das mesmas no ambiente escolar num momento em que os aspectos sociais e emocionais estão em evidência, devido a um contexto cuja marca é a racionalidade técnica e consequentemente predominam a efemeridade das interações, o estranhamento polido, a desatenção com o outro e o "olhar de ódio" (conforme salienta GIDDENS, 1991: 83-86).

3 Considerações Finais

O trabalho com esses problemas possibilitou, aos professores das Escolas Estaduais de São Sepé, considerável nível de melhoramento da sua própria prática pedagógica. Por um lado, pode-se, após exaustivo trabalho, observar uma ampliação do universo cultural dos professores , o que entendemos que foi altamente valorizado pelos participantes. Por outro lado, a experiência de formação continuada nessas escolas contemplou tanto as questões amplas da educação quanto as referentes à sala de aula, favorecendo assim, a troca de experiência entre os grupos de professores das escolas e os grupos de professores da Universidade, executores do projeto.

O trabalho envolveu o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM de diversas formas: assessoramento, coordenação, orientação e acompanhamento. A participação de vários professores dos cursos de Licenciatura, através das sub-áreas de conhecimento garantiram a implementação do projeto junto aos professores que atuam de 5.a a 8.a série. Ressaltamos também, o intensivo envolvimento dos diretores, supervisores e orientadores pedagógicos das escolas envolvidas que estiveram assiduamente presentes em todas as oficinas, oportunizando situações facilitadoras de apoio ao projeto

Com as perspectivas teórico-metodológicas claras, os encontros focalizaram a articulação entre a teoria e a prática , a partir da reflexão sobre o trabalho pedagógico dos professores, e a avaliação dos resultados apontou um redirecionamento do processo de formação continuada dos mesmos, modificando estratégias e abordagens metodológicas.

É necessário ressaltar , que esse projeto possibilitou ricas situações de troca de experiências, e as metodologias utilizadas para os trabalhos em grupos permitiram vivenciar situações pedagógicas e proceder a reflexão sobre as concepções sóciopolíticas e culturais da comunidade escolar , incluindo também a família das crianças, o que significou momento fundamental para adequar a formação pedagógica dos professores às características locais. Para o Pós-Graduação em Educação a experiência foi fundamental no sentido de aproveitar as situações vivenciadas para contextualizá-las na redefinição da Linha de Pesquisa denominada "Formação de Professores".

Concluindo, é possível afirmar que apesar de nos depararmos com dificuldades que consideramos comuns em iniciativas dessa natureza, de maneira geral ficou, para a comunidade escolar, a iniciativa de tornar a escola um espaço de formação, não apenas para os alunos, mas também para os professores. Para o PPGE/UFSM ficou o enriquecimento da experiência vivenciada, e valiosos subsídios para o redirecionamento das suas linhas de pesquisas. Para o poder público, no contexto educacional, fica o apelo de fortalecer o apoio a programas de educação continuada, o que implica em posições políticas que apostem nos professores como autores na melhoria da qualidade do ensino básico.

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Referências Bibliográficas

BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto III - o mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

____. Pobreza Política. São Paulo: Autores Associados, 1994.

DOLL Jr., William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

FAZENDA, Ivani. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro- efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1992.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

GADOTTI, Moacir e ROMÃO, José (org.) Autonomia da escola: princípios e propostas. São Paulo: Cortez, 1997.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

____. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: UNESP, 1996.

NÓVOA, Antônio (org.) Formação de professores e profissão docente. IN:Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote: Instituto de Inovação Educacional, 1992.

SOARES, Holgonsi & M. Arleth Pereira. O sentido da autonomia no processo de globalização. Santa Maria: UFSM-mimeo., 1997.

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