FLEXIBILIDADE PÓS-MODERNA*
HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
*Publicado no Jornal "A Razão" em 25.11.2004
A
condição pós-moderna, na qual estamos vivendo, tem entre seus principais traços, a questão da flexibilidade. Esta questão começou a ser tratada a partir das análises sobre a chamada "acumulação flexível" com suas transformações no mundo do trabalho e da produção, as quais se intensificaram a partir dos anos 70. Na década de 90, a flexibilidade passou a ser associada ao amadurecimento da revolução das tecnologias de informação ou, mais especificamente, ao que M.Castells chama de "novo paradigma informacional".Se o fordismo foi bem representado pela rigidez no
processo de trabalho (marcando desde a concepção de um produto, a sua produção, o seu consumo e as relações de trabalho), a acumulação flexível (como o nome já caracteriza) rompeu com esta rigidez, instaurando no trabalho, na produção e no consumo, a flexibilidade. A partir do que chamou de "diferentes trajetórias organizacionais", M. Castells salienta o princípio da flexibilidade na análise das várias tendências organizacionais que evoluíram do processo de reestruturação capitalista e transição industrial.O problema é que a flexibilidade passou a ser vista exclusivamente como flexibilização dos contratos de trabalho (trabalho em tempo parcial, empregados casuais e os aumentos do trabalho temporário e de subcontratação) e logo, associada ao aumento do desemprego, à falta de concessão dos direitos sociais trabalhistas, aos baixos níveis salariais, à insegurança no trabalho e ao enfraquecimento do poder de luta dos trabalhadores. A flexibilidade também não foi/é bem vista em sua aplicação no novo sistema financeiro global, pois graças a ela o incessante fluxo de capitais entra e sai, a qualquer momento, de qualquer Estado, gerando crises sem precedentes. Em outras palavras, a flexibilidade na circulação global de capitais evidencia a nova organização do capitalismo através da dispersão, da
mobilidade geográfica e das respostas cambiantes, possibilitadas pela inovação tecnológica.Porém, olhar a flexibilidade apenas sob o ângulo da economia e das contradições não-produtivas, tem-se como resultado um entendimento parcial e superficial da mesma. A flexibilidade deve ser considerada em suas múltiplas dimensões, as quais englobam não somente negatividades, mas também positividades que de várias maneiras se tornaram indispensáveis para o homem pós-moderno.
Sob esta ótica, coloco a flexibilidade como uma competência de primeira importância (e a qual se associa a
autonomia, a participação e a democracia dialógica), relacionada ao domínio de conhecimentos profissionais diversos (as novas competências superam a estreiteza das habilidades manuais exigidas pelo fordismo, e isto também por permitirem sua aplicação não apenas no mundo do trabalho mas em inúmeras outras situações e problemas), e aos demais contextos: político, sociocultural, familiar, educacional, etc., sendo central também na formação da prática da reflexividade.Ao trabalhar com a questão das competências e dos saberes, P. Lévy afirma que "tudo repousa na flexibilidade e vitalidade de nossas redes de produção, comércio e troca de saberes", justificando-se a importância de os indivíduos constituirem-se em sujeitos cognitivos e com grande capacidade de imaginação e flexibilidade nas suas relações com o saber. Creio ser interessante destacar que a flexibilidade tornou-se condição sine qua nom para a efetivação de uma prática
interdisciplinar, e justifico isto considerando a necessidade das inter-relações entre as fronteiras (sejam elas disciplinares ou de outras naturezas), da busca da parceria e da abertura para o diálogo democrático.Em um tempoespaço com predomínio de
novas tecnologias de informação e comunicação, a flexibilidade é a base do novo sistema conceitual que traz conceitos como multilinearidade, rede, links, desordem, interatividade, etc., os quais colocam em xeque um conjunto de coisas, fatos, imagens e visões da modernidade fordista, que se tornaram quase sagrados devido à estabilidade que mantiveram por um longo período em que a autoridade era indiscutível e foram negadores da autonomia, da participação e da democracia dialógica.Portanto, não tenho medo em afirmar que a flexibilidade também é um princípio educativo para "fazer-ser-viver" em condições de pós-modernidade, pois ao não se resumir como uma negatividade na economia ela torna-se fundamental na
sociedade-cultura pós-moderna. Como diz M.Castells: "a flexibilidade é uma questão que pode estar associada tanto a forças repressivas como a forças libertadoras".