"PÓS-MODERNIDADE- sobre a "antropolítica""*

HOLGONSI SOARES

Prof. Ass. Depto de Sociologia e Política-UFSM

*Publicado no jornal "A Razão" (1998)

"dos políticos? hoje em dia não esperamos nada deles,nem de seus partidos, exceto a manutenção do status quo"(Aronowitz).

Um dos aspectos marcantes da globalização, tem sido o seu poder de provocar deslocamentos, ou seja, a "desterritorialização". Nada mais está no lugar; não em um lugar fixo. A seta do tempo passa rompendo com as certezas, os dogmas, as determinações, gerando o que Prigogine chama de "momento de bifurcação". Estamos em um destes momentos (sociedade global); as tradições estão sendo retiradas de seus contextos habituais, e re-colocadas em um tempo-espaço marcado pela incerteza, pela flexibilidade e por imensas possibilidades de se criar algo novo.

Esta "seta" atingiu o domínio da política. Ao gerar um tempo-espaço flexível, desburocratizado e plural, por um lado, ela evidenciou a "exaustão do modelo tradicional de partido político" (Miliband), os quais continuam com os velhos problemas de oligarquia e hierarquia organizacional, favorecendo a servidão clientelista ao invés de promoverem a efetiva participação política e o controle pelos cidadãos. Com isto o sistema de poder político complementa/fortifica a "neutonomia" (possibilidade de participação limitada a poucas pessoas, conforme Held), desenvolvida pelos sistemas de poder econômico e social, sendo que, contrariamente, a "seta do tempo" está passando com exigências relacionadas a "autonomia" global do cidadão.

Assim a política formal não responde as novas exigências, nem aos novos problemas postos pelo processo de globalização. Isto causa desilusão, apatia, sensação de fim da política, e o aumento da "massa muda" de que fala Baudrillard. Mas concordando com Aronowitz, a decepção com os políticos, seus partidos e suas práticas esclerosadas, "não consolida a idéia do fim da política, pois o campo de ação agora é a vida cotidiana".

Portanto, por outro lado, este "momento de bifurcação" está oferecendo uma oportunidade de reinvenção da política quando, no tempo-espaço pós-moderno ele faz a política invadir e irromper além das responsabilidades e hierarquias formais. Sobre isto Morin é claro quando afirma que "a política penetrou todos os poros da sociedade, ao mesmo tempo que se deixava penetrar por todos os problemas da sociedade", e isto impele os indivíduos a entrarem na competência da política. "O viver, o nascer e o morrer, estão doravante no campo da política", complementa Morin. Ao politizarem-se as esferas individuais, familiares e filosófica (a questão do "sentido da vida"), temos o caráter antropológico da política, ou seja, a "antropolítica"("política do homem no mundo"-Morin), que exige o desenvolvimento da consciência política em todas as coisas humanas, e que os problemas do homem sejam tratados não de forma isolada, mas considerando-se as interações entre os mesmos, bem como a relação local-global-local.

Estas questões antropológicas fundamentais, são contempladas pela "política gerativa", proposta por Giddens, que "busca permitir aos indivíduos e grupos fazerem as coisas acontecerem, e não esperarem que as coisas lhes aconteçam". Nesse sentido temos hoje os movimentos sociais, "grupos de auto-ajuda"(Giddens), associações. São as micropolíticas, que expressam e contribuem com os anseios da vida local e global neste final de século. Constituem-se como antropolíticas porque: trabalham nas arenas da vida pessoal, abrindo espaço para o diálogo público; não são dirigidas por regras, ao contrário, alteram as regras do jogo; são descentralizadoras do poder político; são geradoras de novos conteúdos, formas e práticas não alienantes; (por tudo isso) promovem a autonomia do homem.

Se desejamos romper com a reprodução da vida econômica, política e social instituídas, e com os arranjos existentes, não podemos nos contentar com um voto de aprovação ou reprovação de tempo em tempo; precisamos lutar em/por micro-espaços de discussão, e transformá-los em espaços públicos de questionamento da lei. "Nossas leis são boas?Justas?Que lei devemos fazer?"(Castoriadis). Somente assim as próximas gerações poderão ser testemunhas de partidos políticos que trabalham na dimensão da antropolítica, portanto sabedores de que o homem possui várias esferas de poder inter-relacionadas, e por isso seus direitos e obrigações não se reduzem apenas ao econômico. Isto corresponderia a uma verdadeira criação da política.

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