"Estruturas de Informação e Comunicação"
*Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
*Publicado no Jornal "A Razão" em 28.11.2002
"Quem e o que está conectado e desconectado ao longo do tempo constitui característica fundamental de nossas sociedades" (Manuel Castells).
Esta citação de M. Castells chama-nos a atenção para a importância central no mundo pós-moderno das estruturas de informação e comunicação (EIC), as quais não dizem respeito apenas a uma transformação de cunho tecnológico, mas sim a uma mutação do capitalismo a partir dos anos 70. As EIC estão na base da reestruturação do que hoje conhecemos como capitalismo pós-fordista, conectam o mundo, e dão forma ao que Castells chama de "sociedade em rede". Por elas passam os fluxos de imagens, sons, de riqueza e de poder; são elas também que dinamizam os fluxos de informação e conhecimento, o que leva muitos teóricos a defenderem que as mesmas provocam a emergência de um novo modelo de sociedade, a Sociedade da Informação.
Na verdade com a predominância das EIC, temos que concordar com Castells, que mais do que ser crucial na sociedade pós-moderna (e sempre foi em todas as épocas, só que em intensidade diferente), a "geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder", o que significa então que, ao invés de uma Sociedade da Informação, as EIC geraram uma "Sociedade Informacional", na qual a informação é o produto do processo produtivo.
Estas estruturas expressam as tendências do processo de globalização (ex. a reconfiguração do tempoespaço), e ao mesmo tempo constituem-se como instrumentos expansivos destas tendências. Através de uma das mais importantes EIC hoje, a Internet, vivemos a experiência ímpar de um ciberespaçotempo, que nos coloca novas maneiras de fazer, de ser e viver no mundo pós-moderno. Por isso é comum se dizer que o entrelaçamento articulado de redes globais e locais de EIC, está provocando uma revolução em todas as esferas da atividade humana.
Mas é também devido a este entrelaçamento que G. Delleuze diz que estamos numa "sociedade de controle" no lugar da sociedade disciplinar de Foucault. Em um mundo globalizado, a vulnerabilidade destas estruturas transforma-as num desafio global, gerando novas inseguranças nas relações dos indivíduos no ciberespaçotempo, e em termos de Estados, novos riscos estratégicos.
Numa perspectiva de contradição produtiva escassamente analisada, as EIC abrem possibilidades de autonomia para os indivíduos em relação aos seus ambientes naturais, sociais e psíquicos, tornando-os menos propensos aos controles tradicionais e cada vez mais aptos para o enfrentamento das conseqüências distópicas da pós-modernidade. Sob o aspecto político também é importante salientar que o encadeamento em rede dos novos movimentos sociais só está sendo possível devido às EIC.
No que tange aos aspectos econômicos, de um lado, EIC integradas, seguras e eficazes, são hoje a base para a performance da empresa pós-moderna, garantido-lhe produtividade, lucratividade e uma boa indicação de competitividade; de outro lado, materializam (como no aspecto político) a chamada "rede global de interação" entre os agentes econômicos, configurando-se assim a globalização sob seu aspecto econômico.
É neste contexto que a mão-de-obra deve adquirir competências substanciais de processamento de informação e, por isso, deve ter alto nível de instrução. A exigência em torno de competências está fazendo com que o processo de produção, que no fordismo estava calcado num processo de trabalho material, ceda lugar a um "processo de projeto" (S.Lash) de conhecimento intensivo, e neste processo estão envolvidas reflexividade, auto-reflexividade, autonomia e inovação, ou seja, as EIC exigem um trabalhador capaz de programar e decidir seqüências inteiras de trabalho.
No conjunto destas questões, torna-se impossível deixar de chamar atenção para a importância de um processo educacional renovado que efetivamente esteja preocupado e voltado para a formação de indivíduos competentes, técnica, social e politicamente, o que possibilitará o exercício da nova cidadania por um número cada vez maior de pessoas. Do contrário continuaremos formando info-excluídos, que, desconectados das EIC, estarão constituindo "batalhões inteiros de "perdedores da reflexividade""(S.Lash). Isto quer dizer que, na pós-modernidade as oportunidades de vida dependem do acesso e do lugar que os indivíduos ocupam no "modo de informação", ao contrário da modernidade fordista em que as oportunidades estavam relacionadas ao lugar no "modo de produção".
A condição de pós-modernidade acentua as possibilidades do processo de reflexividade dos indivíduos, e isto os torna produtores de informação em potencial. Sendo assim o processo de democracia passa por uma maior participação dos indivíduos nestas estruturas, pois somente desta maneira poderão exercer e desenvolver continuamente sua capacidade reflexiva. Porém uma participação positiva nas EIC significa participar ativamente, isto é, não apenas como consumidor de alguns fluxos que por elas circulam (principalmente os de informação e conhecimento), mas também como produtor destes fluxos.
A situação de conectado ou desconectado das EIC não se aplica apenas aos indivíduos mas também às regiões, como no caso da maior parte da África, cujas EIC são fraquíssimas ou até mesmo inexistentes, o que empurra-as em escala crescente para a exclusão social, colocando-lhes em off, ou, numa expressão bastante ilustrativa de Castells, "desligadas do mundo", e totalmente ignoradas pelos fluxos globais.
Portanto num plano mais abrangente, precisamos de políticas concretas de integração social voltadas para os excluídos do mundo informacional, superando-se as posições rançosas situadas em tendências marcadas pela tecnofobia, que na realidade expressam uma consciência ingênua das transformações contemporâneas, quando não uma falsa crítica forçada por motivo político-ideológico.
É fundamental lembrar que "a ação deliberada do homem pode efetivamente mudar as regras da estrutura social, inclusive as que levam à exclusão social"(M. Castells). Incluir os excluídos digitais, ligar os indivíduos e as regiões que hoje estão desligados do mundo, significa estabelecer uma conexão com as possibilidades de se reduzir as atuais condições de exclusão social, e também imprimir um caráter mais positivo nas relações globais.