O Papel do Estado na Globalização*

JEFERSON MANDRACIO FAGUNDES

* Artigo elaborado como requisito para avaliação final da disciplina "Globalização e Política", ministrada pelo Prof. Holgonsi Siqueira, no curso de Especialização em Pensamento Político Brasileiro - UFSM - Junho de 2003

INTRODUÇÃO

Cada vez mais, tem ocupado o centro dos debates mais polêmicos a respeito da globalização, a questão da diminuição ou enfraquecimento do papel do Estado-nação.

Neste contexto predominado pela ideologia neoliberal, há uma mudança de paradigmas e toda uma nova conceituação a respeito das questões sociais, cidadania, soberania, hegemonia, autonomia entre tantas outras que passam por alterações frente ao novo Estado-nação, Estado fraco ou mínimo, como preferem alguns autores.

As relações econômicas são reguladas pelo mercado num mundo sem fronteiras, de reestruturação tecnológicas, que afeta tanto as formas de produção, organização e gestão empresarial quanto à própria natureza do Estado e a sua função enquanto instituição reguladora e promotora do bem estar social e econômico.

Após alguns anos da implantação desta nova ordem global de liberação econômica, privatizações e revoluções tecnológicas, podemos verificar que houve muitos avanços como na área da tecnologia, nos meios de comunicação e informação entre outros, mas por outro lado, trouxe muitos prejuízos, nas áreas sociais, econômicas, trabalhistas e humanas para muitas pessoas que não são atingidas pelos impactos tecnológicos e que em grande parte não tem meios alternativos para a situação em que se encontram.

Daí toda a discussão a respeito da intervenção do Estado na promoção do interesse público, nas suas mais diversas áreas e nos vários níveis de intensidade, conciliando a responsabilidade ou dever de conduzir uma economia de mercado estabilizada perante o sistema financeiro internacional, com os problemas sociais urgentes de uma sociedade necessitada, que ainda precisam ser resolvidos, principalmente nos países periféricos.

Portanto, faz-se necessário promover várias formas de debates, discussões, pesquisas que encaminhem soluções práticas e executáveis para esse problema.

Este trabalho é apenas uma pesquisa bibliográfica que pretende pontuar alguns aspectos referentes à questão, contribuindo para elucidar algumas visões a respeito do tema.

DESENVOLVIMENTO

Esta nova era mundial, foi estrategicamente planejada como uma saída à economia capitalista que desde os anos 70 vinha amargurando baixas taxas de crescimento econômico e havia uma forte estagnação dos monopólios dos países centrais que passaram a necessitar de novos mercados e da internacionalização da produção.

Nessa busca por novos mercados e pela internacionalização da produção, fazia-se necessário diminuir as fronteiras de Estados nacionais, flexibilizando-os, tornando-os muitas vezes, principalmente os países menos desenvolvidos, em meros consumidores de produtos industriais e em fontes de matéria prima e mão de obra barata.

Tal estratégia foi facilitada a partir da queda do muro de Berlim em 1988 que não oferecia mais o perigo da guerra fria e com os governos agindo sob forte influencia de organismos internacionais como FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio.

O "Consenso de Washington", que é o sustentáculo do processo de globalização, foi elaborado em meados da década de oitenta pelos Estados hegemônicos do sistema mundial e abrangia desde o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do Estado na economia.

SANTOS, B. S. (2002) destaca os principais traços desta nova economia mundial que são: economia dominada pelo sistema financeiro e pelo investimento à escala global, processos de produção flexíveis e multilocais, revolução nas tecnologias de informação e comunicação, desregulação das economias nacionais, preeminências das agências financeiras multilaterais. Ele também resume as implicações destas transformações para as políticas econômicas nacionais que são traduzidas pelas as seguintes exigências: as economias nacionais devem abrir-se ao mercado mundial e os preços domésticos devem adequar-se aos preços internacionais; deve ser dada prioridade à economia de exportação; as políticas monetárias e fiscais devem ser orientadas para a redução de inflação e da dívida pública; o setor empresarial do Estado deve ser privatizado; a tomada de decisão privada, apoiada por preços estáveis, deve ditar os padrões nacionais de especialização; a mobilidade de recursos, de investimentos e dos lucros; a regulação estatal deve ser mínima; deve reduzir-se o peso das políticas sociais no orçamento do Estado, reduzindo o montante das transferências sociais, eliminando sua universalidade.

A todas estas exigências, estes ajustes estruturais, principalmente os países periféricos tiveram que se submeter como condição para renegociarem suas dívidas externas com as agencias financeiras multilaterais, pois só depois que as economias fossem liberalizadas o capital global entraria nesses países, e estes não por acaso, estavam com as suas economias deterioradas após a primeira etapa de globalização financeira na década de oitenta.

Essa pressão política teve na gestão de Clinton o maior empenho, pressionando diretamente sobre os governos do mundo inteiro e instruindo o FMI para implantar essa estratégia de maneira mais rígida possível e segundo CASTELLS, M. (1999), a meta era a unificação de todas as economias ao redor de um conjunto de regras homogêneas do jogo, para que o capital, os bens e os serviços pudessem fluir para dentro e para fora, conforme os critérios de mercado.

Para SANTOS, B. S. (2002), o Estado-nação parece ter perdido a sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e política.

Os Estados nacionais, que por quase todo o século passado tinham como um dos seus principais objetivos a promoção do bem estar social e econômico da nação e era um instrumento de defesa desta, foi se enfraquecendo a medida que avançava o processo de globalização ou de transnacionalização, reduzindo a proteção externa de suas economias, adaptando-as com as economias mundiais e diminuindo a sua capacidade de controlar os fluxos de pessoas, bens e capital.

Na visão de BAUMAN, Z. (1999), os três pés do "tripé da soberania" , como ele chama, foram quebrados sem esperança de conserto. A auto-suficiência militar, econômica e cultural do Estado, deixou de ser uma perspectiva viável. E isto, segundo este autor, para preservar sua capacidade de policiar a lei e a ordem, os Estados buscaram alianças e entregaram voluntariamente pedaços cada vez maiores da sua soberania.

Para GIDDENS (2000), os nacionalismos locais são fragmentados e os movimentos de globalização de três vias está afetando a posição e o poder de Estados pelo mundo todo.

Essa lógica foi massificamente propagandeada pela mídia e como justificativa argumentavam que o Estado era ineficiente ou estava falido desprovido de recursos para cumprir com suas antigas obrigações e, portanto, a saída era a quebra dos monopólios públicos do petróleo, da energia elétrica e do subsolo, ou seja, as privatizações.

SOUZA, N.A. (1995), afirma que não existe excesso de Estado na economia, mas sim excesso de interesses privados dentro do Estado, deformando com suas finalidades de acordo com os interesses privados.

Com a nova economia global, o Estado (principalmente dos países periféricos) viu-se desmantelado seu patrimônio através das privatizações, inclusive naqueles setores estratégicos ao desenvolvimento econômico de cada país como os bancos, setor de energia elétrica e setor das comunicações (que para muitos o seu monopólio é considerado imprescindível para a segurança nacional). Suas reservas cambiais evaporaram na tentativa de manter a estabilidade da moeda, o parque industrial doméstico sofreu grande choque com a abertura da economia, e para manter os títulos públicos atrativos ao capital externo especulativo, os juros fixaram-se a altas taxas fazendo com que o desemprego atingissem patamares insuportáveis.

Outra característica desse processo é que com a globalização, aumentou drasticamente a diferença entre os paises pobres e ricos e também entre os pobres e os ricos de cada país. Alguns autores afirmam que não há globalização efetivamente, pois à medida que se abrem as fronteiras econômicas pelo mundo, se reforça as fronteias econômicas dos países hegemônicos ou centrais e o comércio internacional ocorre em situações desiguais, entre países com condições sócio-econômicas e culturais diferentes.

É a globalização da pobreza, afirma SANTOS B. S. (2002), e ela também resulta do desemprego, da destruição das economias de subsistência e da minimização dos custos salariais à escala mundial.

Na medida em que os Estados nacionais já não são mais o único sustentáculo dos sistemas econômicos, estes se encontram com um elevado grau de exposição e vulnerabilidade, submetidos a tensões de diferentes lógicas de funcionamento que movem os mercados globais.

Os fluxos de capitais aumentaram drasticamente em relação às taxas de exportação. As movimentações financeiras diárias se equivalem a soma das reservas dos "bancos centrais" do mundo segundo BAUMAN, Z. (1999), e no ano, superam em mais de dez vezes o valor do PIB global (CASTELLS, M. 1999).

Isso tudo facilitado com a integração dos circuitos financeiros em âmbito internacional, sob o comando do capital financeiro dos países centrais e com a contribuição dos governos locais que emitem títulos públicos a uma taxa de juros atrativa ao capital externo, especulativo e de curto prazo, pois desse modo, financiam suas contas.

BAUMAN, Z. (1999), afirma que vivemos num mundo em que o capital não tem domicílio fixo e os fluxos financeiros estão bem alem do controle dos governos nacionais, e que muitas das alavancas da política econômica não mais funcionam.

Outro fato é que o contexto internacional exerce uma forte influência no campo da regulação jurídica da economia, no sentido da uniformização e da normalização. Como salienta SANTOS, B. S. (2002), que a criação de requisitos normativos e institucionais para as operações de desenvolvimento do modelo neoliberal envolve, por isso, uma destruição institucional e normativa de tal modo massiva que afeta, muito para além o papel do Estado na economia, a legitimidade global do Estado para organizar a sociedade.

Com a transnacionalização da regulação estatal na economia e suas várias políticas, como a de estabilização macroeconômica e de ajuste estrutural, exigiu-se mudanças legais e institucionais em grande porte, pois elas surgiram após um longo período de intervenção estatal na economia e no campo social, por isso essa diminuição do Estado é obtida através da forte intervenção estatal.

Como escreve SANTOS, B. S. (2002), desregular implica numa intensa ação regulatória do Estado para por fim a regulação estatal anterior.

Mesmo restando pouca margem de ação ao encolhido Estado-nação, após toda esta etapa de desregulamentação da economia, privatização de empresas rentáveis e estratégicas ao desenvolvimento social e econômico, é preciso pensar em alternativas para o Estado, ou como afirma GIDDENS, A. (2000) é preciso reafirmar e reinventar o governo diante do mercado.

Há inúmeras demandas de políticas sociais, inclusão de milhões de pessoas à assistência a saúde, a educação, criação de novos empregos e recuperação nos níveis salariais, que não podem ficar a mercê da vontade do mercado.

Existem várias hipóteses formuladas para a questão, mas sem dúvida qualquer que seja a saída, ela perpassa pelo reaquecimento das economias nacionais, formando poupança interna para os países que tem como credores, os grandes bancos internacionais, não necessitando recorrer ao FMI ou aos capitais especulativos de curto prazo para financiar suas contas, conseguindo com isso mais liberdade na construção de um projeto de nação e mais autonomia em sua ação política, inclusive para renegociar suas dívidas externas, que é a causa inicial de inúmeros de seus problemas.

CONCLUSÃO

Diante de todo esse cenário, após passar por várias mudanças políticas, econômicas, culturais , entre outras, se faz necessário pensar alternativas que possibilitem alguma reversão no papel do Estado para além de construir um orçamento equilibrado, sem sofrer a punição dos mercados mundiais, que em fração de segundos podem quebrar com pessoas, empresas e nações em qualquer parte do mundo.

Neste contexto é imprescindível o fortalecimento dos blocos periféricos para conseguir maior equidade ou se contrapor aos blocos hegemônicos nestas esferas econômicas globais. Procurando a eficiência das administrações públicas, desburocratizando-as e aumentando os mecanismos de transparência destas e os mecanismos de controle popular.

Há muitas defesas à constituição de partidos mundiais mais democráticos, que defenda a racionalidade coletiva e construa uma liberdade mais igual para todos.

Enfim, é preciso aproveitar o progresso tecnológico assim como todas as transformações positivas da globalização, conciliando com a margem de decisão que ainda dispõe o Estado para reverter, onde ainda possa ser possível, o papel do Estado-nação, proporcionando uma sociedade mais livre, mais estável e mais cidadã.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. RJ: Zahar. 1999.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. Vol.1. SP: Paz e Terra. 1999.

GIDDENS, A. A terceira via. RJ: Record, 2000.

LLORENS, F. A. Desenvolvimento econômico local: caminhos e desafios para a construção de uma nova agenda política, Rio de Janeiro: BNDES, 2001.

SANTOS, B. S. (org.) A globalização e as ciências sociais. 2. ed. SP: Cortes, 2002.

SOUZA, N. A. O Colapso do neoliberalismo, São Paulo: Global, 1995.

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