O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO-NAÇÃO
NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA*
Autor: Jeferson Fagundes
Este texto faz parte da monografia
de conclusão do curso de especialização em pensamento político brasileiro,
defendida na UFSM em 30/06/2005
Orientador: Prof. Dr. Holgonsi Siqueira
A intervenção do Estado na
promoção do bem-estar econômico e social,
bem como sua soberania e todas as premissas, que durante longo
período da história foram inerentes à ação estatal, sofreram várias
mudanças e enfrentam, hoje, a mais drástica e intensa transformação
em seus paradigmas.
O Estado Nacional se estruturou inicialmente na Europa a partir do
final da Idade Média. Este Estado, em sua concepção, deriva-se da
revolução burguesa e surgiu em oposição à hierarquia feudal
existente com o objetivo de delimitar um território para a
acumulação do capital, gerando instituições e formas culturais
apropriadas, surgidas com o apoio popular.
Essa estrutura estava constituída para atender aos interesses dos
grupos sociais dominantes, com o estabelecimento da Nação, tendo o
seu território controlado pelo Estado. Com a representação desigual
dos interesses sociais, culturais e econômicos, as instituições
nacionais foram fragilizadas, originando as crises institucionais
que ocorriam quando as classes subjugadas se mobilizavam.
A delimitação territorial tem um “posto” de observação e um ângulo
de posicionamento muito especial: a Nação, afirma Weber[i] e, para
ele, o Estado Nacional não representa algo indefinido, mas a
organização mundana do poder nacional.
Com o passar dos anos, os fatores econômicos como a transformação da
sociedade agrária em industrial acabaram constituindo o Estado
assistencial ou o Estado do bem-estar, que era um sistema econômico
baseado na livre empresa, mas com significativa participação do
Estado na promoção de benefícios sociais.
Seu desenvolvimento foi considerado, por vários estudiosos, como uma
quebra da separação entre a sociedade (esfera privada ou mercado) e
o Estado (esfera pública ou política), num sistema bipolar de
alocação de recursos onde, além do mercado, também agia o Estado.
O Estado, através de seus instrumentos políticos, passa a
proporcionar os meios de acesso, trabalho, renda, expectativas - não
mais determinados pelo mercado - com o objetivo de proporcionar ao
conjunto de cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a produção
de bens e serviços sociais, controlar os ciclos econômicos e ajustar
a produção, dessa maneira, prevenindo conflitos, estabilizando o
sistema e legitimando o Estado.
Como ressalta Weber[ii], o Estado é tanto organizador como própria
organização de dominação, o espaço universal de interesses e
particularidades e seu mediador geral.
A ação estatal, resultante das pressões das classes populares ou
subalternas, e os conflitos no interior das classes dominantes e
entre as burguesias para repartir os espaços de dominação ou
imperiais impuseram limites temporários à dinâmica do capital, que
resultaram em direitos sociais e econômicos, na construção de um
patrimônio público e na ampliação da democracia.
Nesse espaço, principalmente desde o fim da Segunda Guerra Mundial,
iniciaram-se vários projetos nacionais de desenvolvimento econômico,
a maioria projetos de desenvolvimento capitalista, em que foram
contemplados os desenvolvimentos da industrialização, da
urbanização, a democratização do sistema de ensino, entre outras
reformas.
Com a economia estruturada sob a ação do poder público, muitos
avanços foram conquistados conforme salienta BOBBIO, N., MATTEUCCI,
N. & PASQUINO, G. (2002): o aumento da cota do produto nacional
bruto com a despesa pública, ampliaram-se as estruturas
administrativas voltadas para os serviços sociais e se tornaram mais
complexas, foram aperfeiçoadas as técnicas de descobertas e
avaliação das necessidades sociais entre outras.
Mas, como demonstrado em várias teses[iii], à medida que há
desenvolvimento econômico de uma nação, há também aumento na parcela
do produto nacional bruto usada para fins sociais.
Verificou-se, em vários países da Europa e nos Estados Unidos, no
final da década de 60, que as despesas governamentais aumentavam
mais rapidamente que as receitas, gerando a crise fiscal do Estado
e, à medida que o déficit público aumentava, trazia, por
conseqüência, a instabilidade econômica, social e política afetando
as possibilidades de atuação estatal.
Como salientam os escritos de BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. & PASQUINO,
G. (2002), não há mais equilíbrio na relação de bem-estar entre
Estado e sociedade, mas sim uma crise em que um dos pólos será
eliminado. A crise fiscal do Estado indica incompatibilidade entre
as duas funções do Estado assistencial que eram fortalecer o social
das organizações de massa e o apoio à acumulação capitalista com o
emprego anticonjuntural da despesa pública.
Aliado a esses, outros fatores contribuíram para a crise fiscal do
Estado e, por conseqüência, à Relação Estado x
Mercado, entre eles a
sonegação fiscal praticada pelo setor privado que se apropria
indevidamente de significativa parcela da receita da União; os
grandes lucros do sistema financeiro com a dívida pública que se
multiplica com as altas taxas de juros tornando o Estado cada vez
mais refém desse sistema; o superfaturamento das obras públicas, dos
serviços e dos bens fornecidos pelo governo, que, em alguns, casos
chegou a 100% e a famosa burocracia que, muitas vezes, emperra o
setor público em suas iniciativas.
Mas, o determinante da nova era global foi a crise da economia
capitalista e mais especificamente na sua economia mais poderosa, a
dos Estados Unidos, que rompeu unilateralmente, em 1971, os acordos
firmados de Bretton Woods[iv] em 1944 - que criou instrumentos de
regulação internacional com a Ordem Econômica Internacional do
pós-guerra – que hegemonizou os EUA com a criação do dólar como
dinheiro mundial, o que lhe conferiu o benefício da senhoriagem[v] e
havia dado um fôlego à economia capitalista.
A crise retornou de maneira violenta no início dos anos 70 e, como
salienta SOUZA, N.A. (1995), tinha, em sua raiz, a perda do papel de
vanguarda tecnológica da economia norte-americana, que sustentava a
força do dólar através de uma maior produtividade do trabalho[vi]
dos EUA, que se traduzia numa maior competitividade internacional de
suas mercadorias, gerando superávits em sua balança comercial,
captando, dessa maneira, recursos de outros países, os quais serviam
de lastro que sustentava a paridade e a livre conversibilidade do
dólar.
A partir da década de sessenta, os EUA passaram a perder em
produtividade do trabalho e em competitividade para o Japão e a
Alemanha devido ao esgotamento de suas tecnologias, pois os
monopólios não buscavam a conquista ou a manutenção de mercados
através de avanços tecnológicos e sim em práticas de dumping[vii],
utilização de fontes de matérias-primas baratas, redução de
salários, formação de mercados cativos, entre outras.
Os EUA quase sempre foram um dos países que mais investiram em
desenvolvimento de pesquisas tecnológicas, mas nem sempre as
aplicavam, pois era muito oneroso mudar toda uma estrutura produtiva
já instalada por outra, e esse alto custo levaria muitos anos para
ter um retorno de seu investimento, o que não compensaria em termos
da lucratividade. Já a Alemanha e o Japão tiveram suas Nações
arrasadas durante a Segunda Guerra Mundial, e a reconstrução desses
países se deu com estruturas produtivas mais avançadas
tecnologicamente que os EUA.
No período de 1960 a 1976 (segundo dados do Relatório sobre Economia
Mundial da ONU)[viii], a produtividade do trabalho nos EUA cresceu
apenas 57%, enquanto no Japão cresceu 289% e na então Alemanha
Federal cresceu 145%, o que resultou em perdas no comércio
internacional para os produtos mais baratos do Japão e da Alemanha,
desaparecendo os superávits comerciais necessários à captação de
recursos dos outros países, mantendo o persistente déficit no
balanço de pagamentos[ix] o que acarretou na perda de confiança da
moeda norte-americana e inviabilizou a manutenção da paridade do
dólar.
Em 15 de agosto de 1971, o presidente Nixon decretou o fim da
paridade e da conversibilidade do dólar, pois não havia como
sustentá-la sem reservas, as quais tinham sido transferidas para o
Japão e para a Alemanha através de seus superávits comercial. Com
isso, a participação dos EUA no total mundial das reservas
estrangeiras e de ouro que era 43% em 1953 passou para 8,3% em 1970.
Ao mesmo tempo, a Comunidade Econômica Européia liderada pela
Alemanha aumentou de 11,5% para 37%, e a do Japão aumentou de 1,5%
para 11,2%.[x]
Havia também uma insuficiência de demanda agregada[xi] interna nas
economias capitalistas desenvolvidas, onde o crescimento de seus
mercados domésticos era significativamente menor e a taxa média de
lucro nesses países teve uma queda dramática. Segundo dados do Banco
Mundial, [xii] a taxa média de lucro dos EUA baixou de 20%, em
1947-69, para 12,4%, em 1970-83.
Essas crises, desde então, vieram se propagando sem uma solução
exeqüível, sem uma política econômica de âmbito mundial para
superá-las e sem instrumentos globais de intervenção econômica e, em
1974/75, a crise atingiu as economias mais desenvolvidas. Os EUA
passaram a “enxugar” os capitais excedentes pelo mundo através de
juros altos, com títulos rentáveis da dívida do governo
norte-americano e com o aumento dos custos das dívidas externas dos
países em desenvolvimento, o que acarretou estagnação das economias
desses países na década de oitenta.
Com o dilema da necessidade de um instrumento de regulação econômica
de âmbito mundial – gerado pela crescente integração econômica em
escala global – mas impossibilitado dentro do sistema capitalista
pela ação dos monopólios que sobrevivem controlando mercados
cativos, a saída estava em o mercado desempenhar a função da
regulação internacional.
Para GONÇALVES, R. (1999), a globalização
foi uma estratégia de
reação à insuficiência de demanda agregada nos países capitalistas
maduros, e essa insuficiência se constitui no mais importante
determinante desse processo naquele final de século.
Essa nova era mundial foi estrategicamente planejada como uma saída
à economia capitalista que, desde os anos 70, vinha amargurando
baixas taxas de crescimento econômico e havia também uma forte
estagnação dos monopólios dos países centrais que passaram a
necessitar de novos mercados e da internacionalização da produção.
Nessa busca por novos horizontes econômicos, fazia-se necessário
diminuir as fronteiras de Estados Nacionais, flexibilizando-os,
tornando-os, muitas vezes, principalmente os países menos
desenvolvidos, meros consumidores de produtos industriais e em
fontes de matéria-prima e mão-de-obra barata.
Tal estratégia foi facilitada a partir da queda do muro de Berlim,
em 1989, que não oferecia mais o perigo da Guerra Fria, e essa
desintegração do Estado socialista foi um componente político
decisivo que acabou unificando o mercado mundial num patamar
superior ao existente antes da primeira grande guerra, com os
governos agindo sob forte influência de organismos internacionais
como FMI, Banco Mundial - BIRD e Organização Mundial do Comércio -
OMC.
O Estado socialista começou a transformar sua estrutura e mudar os
rumos que o conduziriam ao comunismo, após a morte de Joseph Stalin
e do enorme esforço para reconstruir a União das Repúblicas
Socialistas Soviética – URSS, depois da Segunda Guerra Mundial, que
destruiu metade de sua economia e matou mais de 20 milhões de
soviéticos.
Sob a liderança de Nikita Kruschev, no final dos anos 50 e início
dos anos 60, iniciou-se a inserção de mecanismos de mercado e, por
conseqüência, a redução da planificação ou da ação consciente do
homem sobre as forças econômicas. Essa mudança estrutural era
expressa por medidas como:
Aumento da autonomia das cooperativas, através da desarticulação das
Estações, Máquinas e Tratores e conseqüente venda dos equipamentos
para as cooperativas; aumento da autonomia de gestão de cada
empresa; intensificação dos incentivos individuais em detrimento aos
incentivos coletivos; fortalecimento da autonomia dos dirigentes das
empresas em detrimento do papel dos coletivos de trabalhadores, ou
seja, substituição da gestão coletiva pela gestão individual; maior
poder de decisão para cada empresa em detrimento dos organismos
centrais de planejamento; intensificação das relações comerciais e
financeiras com o mundo capitalista. (SOUZA, N. A. 1995, p. 32).
O resultado dessas medidas foi o afastamento dos trabalhadores do
processo de elaboração do plano, além de diminuir o papel deste. Com
isso, reduziu-se a ação consciente da coletividade fundada nas
decisões das bases e cresceu o papel do mercado e dos burocratas na
regulação econômica. Também resultou que, ao intensificar as
relações com o mercado mundial capitalista, as economias socialistas
acabaram se subordinando a lógica deste que, por sinal, é dominado
pelos trustes e cartéis sujeitos a crises cíclicas ou mais
duradouras, como as estruturais.
O resultado foi imediato. Logo após a implantação dessas medidas, o
ritmo de expansão da produção total, que em 1960 cresceu 7%, em 1963
caiu para 3%. A produção agrícola que crescera 7% ao ano no
qüinqüênio 1954/59, cresceu apenas 1,5% no qüinqüênio seguinte. O
produto per capita que aumentara 33% no qüinqüênio 1966/70, foi
decrescendo e no qüinqüênio 1981/85 cresceu apenas 11%.[xiii]
Destaco que, com a revitalização da ação do mercado na regulação
interna, ocorrido através da integração das economias soviéticas no
mercado capitalista mundial, ampliaram-se as exportações dos países
socialistas, o que fez com que estes fossem dependentes dessas
exportações, ficando vulneráveis a choques externos.
Em alguns casos, como na Polônia, as exportações chegaram a 40%[xiv]
de seu produto nacional e sua dívida externa era maior do mundo, na
década de oitenta, em termos relativos[xv]. Na URSS, o comércio
exterior multiplicou-se por cinco, e em 1986 suas exportações
representavam 12% de sua produção nacional – índice alto para uma
economia socialista se comparados ao Brasil, EUA e Japão que era em
torno de 8%. [xvi]
O agravamento da crise da economia capitalista, nos anos setenta,
acabou atingindo, também, os países socialistas que tinham se
integrado ao mercado, e tinham, portanto, amadurecido as bases
internas para tais crises, através do livre desenvolvimento das
forças produtivas rumo ao consumismo, diminuindo consideravelmente o
ritmo do crescimento econômico.
Por fim, na segunda metade da década de oitenta, a URSS entrou em
crise e Mikhail Gorbatchev implementou uma série de medidas que
ampliou o espaço interno para a ação do mercado e tirou o caráter
diretivo dos organismos superiores de planejamento. Destacam-se
entre essas, medidas como: plena independência dos dirigentes das
empresas para disporem dos rendimentos destas; regulação da
atividade empresarial pelo comportamento do lucro e não por metas
globais e sociais de produção; autonomia contábil das empresas;
autonomia das empresas para escolher seus fornecedores;
reestruturação do sistema de crédito, levando os bancos a operarem
de acordo com a lucratividade das aplicações financeiras e não mais
conforme as necessidades gerais do desenvolvimento; o
estabelecimento do trabalho privado, ressurgindo novos capitalistas.
Estas medidas resultaram na desintegração do Estado socialista,
eliminando a ameaça da Guerra Fria, unificando o mercado mundial e
dando espaço ao avanço capitalista impulsionado pela modernização e
pela revolução
da tecnologia e da informação, hegemonizado pela
ideologia neoliberal.
O “Consenso de Washington”, [xvii] que é o sustentáculo do processo
de globalização, foi um conjunto de propostas elaborado em meados da
década de oitenta pelos Estados hegemônicos do sistema mundial que
abrangia desde o futuro da economia mundial às políticas de
desenvolvimento e especificamente o papel do Estado na economia.
Destaco que esse consenso buscava uma ideologia positiva,
legitimando o sistema e que também justificasse a nova ação dos
monopólios pelo planeta, atendendo às necessidades do capitalismo
moderno.
SANTOS, B. S. (2002), destaca os principais traços dessa nova
economia mundial que são: economia dominada pelo sistema financeiro
e pelo investimento à escala global, processos de produção flexíveis
e multilocais, revolução nas tecnologias de informação e
comunicação, desregulamentação das economias nacionais,
preeminências das agências financeiras multilaterais. Ele também
resume as implicações dessas transformações para as políticas
econômicas nacionais que são traduzidas pelas seguintes exigências:
as economias nacionais devem abrir-se ao mercado mundial, e os
preços domésticos devem adequar-se aos preços internacionais; deve
ser dada prioridade à economia de exportação; as políticas
monetárias e fiscais devem ser orientadas para a redução de inflação
e da dívida pública; o setor empresarial do Estado deve ser
privatizado; a tomada de decisão privada, apoiada por preços
estáveis, deve ditar os padrões nacionais de especialização; deve se
garantir a mobilidade de recursos, de investimentos e dos lucros; a
regulação estatal deve ser mínima; deve reduzir-se o peso das
políticas sociais no orçamento do Estado, reduzindo o montante das
transferências sociais, eliminando sua universalidade.
A todas essas exigências, esses ajustes estruturais, principalmente
os países periféricos tiveram que se submeter como condição para
renegociarem suas dívidas externas com as agências financeiras
multilaterais, pois, só depois que as economias fossem
liberalizadas, o capital global entraria nesses países, e estes, não
por acaso, estavam com as suas economias deterioradas após a
primeira etapa de globalização financeira na década de
oitenta[xviii].
GONÇALVES, R. (1999), ressalta que a liberdade de escolha, diante de
opções políticas e ideológicas mais liberalizantes parece ter
desempenhado um papel coadjuvante no processo de liberalização,
tendo em vista a força avassaladora e a gravidade da realidade
econômica, bem como a própria incapacidade das elites nacionais de
definirem projetos alternativos de ajuste e de desenvolvimento.
As agências multilaterais coordenaram o processo, FMI e Banco
Mundial impuseram as regras determinando as políticas econômicas e
os gastos públicos com o objetivo de disciplinar os governos de
vários países, especialmente dos países periféricos dentro da
economia capitalista, principalmente após a década de 80, contando
com governantes representando interesses internacionais.
Essa pressão política teve, na gestão de Clinton, o maior empenho,
pressionando diretamente os governos do mundo inteiro e instruindo o
FMI para implantar essa estratégia de maneira mais rígida possível
e, segundo CASTELLS,
M. (1999), a meta era a unificação de todas as
economias ao redor de um conjunto de regras homogêneas do jogo, para
que o capital, os bens e os serviços pudessem fluir para dentro e
para fora, conforme os critérios de mercado.
Entendo que as metas fiscais impostas pelo FMI tornam quase
insignificativa a ação estatal no combate às desigualdades sociais,
pois um aumento dos investimentos nas áreas sociais que venham
comprometer os superávits exigidos, ou descumprir os acordos
firmados, resultará na fuga de capitais e diminuirá a credibilidade
dos “investidores globais”.
Por esse aspecto, concordo com SANTOS, B. S. (2002), quando diz que
o Estado-Nação parece ter perdido a sua centralidade tradicional
como unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e
política, e também com CASTELLS, M. (1999), ao afirmar que o
controle do Estado sobre o tempo e o espaço vem sendo sobrepujado
pelos fluxos globais
de capital, produtos, serviços, tecnologia,
comunicação e informação.
Assim sendo, os estados acionais, que, por quase todo o século
passado, tinham como um dos seus principais objetivos a promoção do
bem-estar social e econômico da nação e eram um instrumento de
defesa desta, foram se enfraquecendo à medida que avançava o
processo de globalização ou de transnacionalização, reduzindo a
proteção externa de suas economias, adaptando-as com as economias
mundiais e diminuindo a sua capacidade de controlar os fluxos de
pessoas, bens e capital.
Na visão de BAUMAN, Z. (1999), os pés do “tripé da
soberania”, como
ele chama, foram quebrados sem esperança de conserto. A
auto-suficiência militar, econômica e cultural do Estado deixou de
ser uma perspectiva viável. E isso, segundo esse autor, para
preservar sua capacidade de policiar a lei e a ordem, os Estados
buscaram alianças e entregaram voluntariamente pedaços cada vez
maiores da sua soberania.
Saliento que os mercados financeiros desempenharam papel importante
nesse processo, estimulado pelos desenvolvimentos tecnológicos[xix]
e pela desregulamentação do sistema bancário pelos países centrais,
principalmente pelos EUA no governo Reagan, que tentava, dessa
maneira, atrair capitais para estancar o processo de desvalorização
do dólar e amenizar a difícil situação de permanentes déficits na
balança de pagamento dos EUA.
O capital necessitava expandir além dos limites dos mercados de
capitais dos países desenvolvidos e fugir das regulamentações
nacionais do mercado financeiro, para com isso se proteger da
instabilidade monetária e cambial resultante das crises e do fim da
paridade do dólar em relação ao ouro em 1971. A estratégia era
diversificar seus recursos, dispersando-os geograficamente.
Os grupos transnacionais, através de suas próprias instituições
financeiras, passaram a atuar diretamente no sistema financeiro
internacional e, com o desenvolvimento do mercado de euromoedas nos
anos 60 e 70, começou se configurar o atual sistema financeiro
internacional.
Por outro lado, o crescimento dos fluxos de capital de origem
criminosa[xx] também foi um fator relevante e desestabilizante, pois
esses fluxos necessitam ser processados com maior mobilidade e
flexibilidade que qualquer outro, para com isso impedir o
rastreamento de seu giro constante pelas autoridades competentes.
Outro fator importante é que, na tentativa de retomada do
crescimento econômico através do aumento dos gastos públicos em
armamento pelo governo Reagan e aumento do crédito, houve um
crescente endividamento público e privado que resultou na emissão de
títulos – particularmente os públicos – para financiar essas
dívidas, e esses títulos são a base do mercado financeiro global.
Também tiveram significativa “contribuição” os empréstimos
contraídos pelos governos que superam, muitas vezes, as reservas
monetárias dos bancos centrais, colocando vários países em condições
de extrema dependência externa.
Com isso, o controle estatal, através de políticas monetárias,
políticas de crédito e fluxos financeiros, passou a ser
enfraquecido, pois com as economias nacionais inter-relacionadas,
créditos sem critérios, aumento da concorrência desenfreada no
sistema econômico mundial, e, dado ao grande volume de capital
envolvido, os movimentos especulativos e o potencial destrutivo do
capital têm conseguido condicionar até as políticas econômicas dos
países ricos.
Com o avanço da globalização econômica, as estabilidades cambiais e
monetárias são essenciais para garantir o volume de investimentos e
o livre fluxo de capitais (de curto prazo) e mercadorias, além da
arbitragem internacional das taxas de juros das quais o capital
financeiro internacional se beneficia ganhando com as diferentes
alíquotas.
Mas a globalização do mercado financeiro trouxe ao sistema grande
grau de instabilidade e alguns setores capitalistas que clamam por
uma nova regulamentação, pois a especulação desenfreada em escala
mundial, da qual participam bancos, empresas, fundos de pensão,
investidores individuais e a capacidade de instantâneas
transferências de recursos de uma praça financeira a outra tornam a
crise uma possibilidade permanente.
Essas tensões e vulnerabilidades externas[xxi] impõem às nações uma
trajetória de instabilidade e crise e enfraquecem as estruturas
econômicas a ponto de um país que desfruta de uma relativa
estabilidade do sistema econômico internacional se vê refém das
expectativas desfavoráveis quanto à manutenção de sua trajetória a
longo prazo.
A vulnerabilidade externa será maior quanto menor for o poder de
defesa de um país contra esses ataques, ou seja, quanto menores
forem as alternativas de políticas de ajustes e quanto maior for o
custo do processo de ajuste. Desse modo, são sempre mais vulneráveis
aqueles países subdesenvolvidos, e a volatilidade dos fluxos
econômicos internacionais se reflete nas economias nacionais, em
mudanças drásticas, na quantidade e no preço do capital externo e
das mercadorias.
Esse custo negativo da resistência à vulnerabilidade externa se
traduz em políticas de estabilização macroeconômica contracionistas,
reorientando e reduzindo o nível dos gastos, através dos mecanismos
tradicionais das políticas monetárias, fiscais e cambiais que afetam
os volumes de produção, da renda, dos gastos e preços relativos.
Através da política monetária, os bancos centrais modernos tentam
controlar (vendendo e comprando títulos da dívida pública no mercado
aberto) a oferta e demanda de moeda e, por conseguinte, a taxa de
juros.
Por esse instrumento, aumenta-se a taxa de juros básica, para
reduzir os preços dos títulos e remunerar alto as taxas de retorno
nesses investimentos, fazendo com que o governo venda esses títulos
retirando moeda da economia para reduzir a inflação, o que acarreta
em estagnação da economia, gerando desemprego.
Através de uma política fiscal contracionista, o governo aumenta os
impostos, diminuindo a renda disponível das pessoas, reduzindo o
consumo, as vendas, o nível de produção e os novos investimentos no
curto prazo.
Também poderão ser adotadas medidas como a centralização do câmbio,
que são medidas de controle direto sobre as contas externas em
situações extremas, quando as nações são levadas, muitas vezes, à
moratória da dívida externa.
Mas o movimento dos fluxos financeiros internacionais cria uma
instabilidade nos sistemas monetários nacionais, afetando a oferta
de moeda, o nível de preços e as taxas de juros internas, pois é
através delas que os governos conseguem uma margem de arbitragem,
estabilizando os fluxos. Com o aumento das taxas de juros internas,
ocorrem crescentes déficits nas contas públicas, e o endividamento
interno torna-se quase incontrolável.
Outra característica é que há, nesse contexto, uma predominância do
capital financeiro sobre o capital produtivo e um crescimento cada
vez maior do mercado financeiro com relação ao crescimento do
comércio global, onde as grandes corporações planejam suas
produções, seus investimos, o rumo de suas empresas, conforme o
impacto que isso irá causar no mercado de ações.
Os fluxos de capitais aumentaram drasticamente em relação às taxas
de exportação. As transações financeiras intercambiais puramente
especulativas alcançam um volume diário que ultrapassa os US$ 1,3
bilhões, superando em cinqüenta vezes os volumes de trocas
comerciais e diariamente se equivalem à soma das reservas dos
“bancos centrais” do mundo, segundo BAUMAN, Z. (1999), e, no ano,
superam em mais de dez vezes o valor do PIB global, afirma
(CASTELLS, M. 1999). Isso tudo facilitado com a integração dos
circuitos financeiros em âmbito internacional, sob o comando do
capital financeiro dos países centrais e com a contribuição dos
governos locais que emitem títulos públicos a uma taxa de juros
atrativa ao capital externo, especulativo e de curto prazo, pois,
desse modo, financiam suas contas.
BAUMAN, Z. (1999), afirma que vivemos num mundo em que o capital não
tem domicílio fixo, e os fluxos financeiros estão bem além do
controle dos governos nacionais e que muitas das alavancas da
política econômica não mais funcionam.
Outra característica desse processo é que com a diminuição do poder
de ação estatal no mundo globalizado aumentou drasticamente a
diferença entre os países pobres e ricos e também entre os pobres e
os ricos de cada país. Alguns autores afirmam que não há
globalização efetivamente, pois, à medida que se abrem as fronteiras
econômicas pelo mundo, se reforçam as fronteiras econômicas dos
países hegemônicos ou centrais, e o comércio internacional ocorre em
situações desiguais, entre países com condições sócio-econômicas e
culturais diferentes.
É a globalização da pobreza, afirma SANTOS B. S. (2002), e ela
também resulta do desemprego, da destruição das economias de
subsistência e da minimização dos custos salariais à escala mundial.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[xxii] e
dados do Banco Mundial, a maior parte dos países em desenvolvimento
apresenta taxas de desemprego e subemprego elevadas que podem chegar
até 35% da força de trabalho, ou seja, 1 bilhão de desempregados e
75% da humanidade vivendo abaixo da linha da pobreza, isto é, com
uma renda inferior a US$ 370,00 por ano ou menos de US$ 2,00 por
dia.
Em 1960, os 20% mais ricos da população mundial tinham sua renda
maior em 30 vezes aos 20% mais pobres. Já em 1990, a proporção
atingiu 60 para 1 e, em 1997, alcançou a distância de 74 para 1.
Esse fato evidencia a necessidade de se beneficiar dos avanços
conseguidos com a globalização e repensar o Estado-Nação para
encontrar a solução para o problema da pobreza mundial.
Em decorrência disso, houve nos últimos anos, um aumento em escala
mundial da violência, dos crimes, degradação da qualidade de vida do
trabalhador, pobreza e aumento das favelas, áreas irregulares sendo
ocupadas, depredação do meio ambiente, etc.
Na medida em que o Estado Nacional já não é mais o único
sustentáculo dos sistemas econômicos, este se encontra com um
elevado grau de exposição e vulnerabilidade, submetido a tensões de
diferentes lógicas de funcionamento que movem os mercados globais.
Outro fato é que o contexto internacional exerce uma forte
influência no campo da regulação jurídica da economia, no sentido da
uniformização e da normalização. Concordo com SANTOS, B. S. (2002),
quando salienta que a criação de requisitos normativos e
institucionais para as operações de desenvolvimento do modelo
neoliberal envolve, por isso, uma destruição institucional e
normativa de tal modo massiva que afeta, muito para além, o papel do
Estado na economia, a legitimidade global do Estado para organizar a
sociedade.
Com a transnacionalização da regulação estatal na economia e suas
várias políticas, como a de estabilização macroeconômica e de ajuste
estrutural, exigiram-se mudanças legais e institucionais em grande
porte, pois elas surgiram após um longo período de intervenção
estatal na economia e no campo social, por isso essa diminuição do
Estado é obtida através da forte intervenção estatal.
Como escreve SANTOS, B. S. (2002), desregular implica uma intensa
ação regulatória do Estado para pôr fim à regulação estatal
anterior.
Destaco que, mesmo restando pouca margem de ação ao encolhido
Estado-nação, após toda essa etapa de desregulamentação da economia,
privatização de empresas rentáveis e estratégicas ao desenvolvimento
social e econômico, é preciso pensar em alternativas para o Estado,
ou, como afirma GIDDENS,
A. (2000) é preciso reafirmar e reinventar
o governo diante do mercado.
Apesar de toda essa conjuntura delicada e quase inflexível,
após passar por várias mudanças políticas, econômicas, culturais,
entre outras, faz-se necessário pensar alternativas que possibilitem
a reversão no papel do Estado para além de construir um orçamento
equilibrado, sem sofrer a punição dos mercados mundiais, que, em
fração de segundos, podem quebrar com pessoas, empresas e nações em
qualquer parte do mundo.
Entendo que o Estado deve buscar a possibilidade de regular o
mercado e neutralizar os efeitos desestabilizadores do ciclo
econômico, e essa busca do Estado do bem-estar não pode deixar de
ser um objetivo futuro, uma utopia a ser alcançada pelos
governantes.
É preciso adotar uma política fiscal progressiva que onere mais quem
mais dispõe ou concentra renda e riqueza, combatendo a sonegação
existente, de maneira que viabilize a execução de programas de
moradia, saúde, educação, previdência social e política de geração
de emprego e renda.
Nesse contexto, é imprescindível o fortalecimento dos blocos
periféricos para conseguir maior equidade ou se contrapor aos blocos
hegemônicos nessas esferas econômicas globais, procurando a
eficiência das administrações públicas, desburocratizando-as e
aumentando os mecanismos de transparência destas e os mecanismos de
controle popular.
Acredito que também pode ser providente, principalmente aos países
periféricos, criar vantagens comparativas[xxiii] especiais como
alternativa e compensando o atraso na industrialização desses
países, gerando poupança interna, combatendo o endividamento.
É preciso se desvencilhar das armadilhas da ortodoxia do mercado
financeiro internacional – que, para manter a especulação financeira
em escala mundial, destrói com a economia de vários países - e do
conservadorismo político e reestruturar, revitalizar a soberania
nacional, redimensionando a globalização com novos limites em função
do interesse social.
Toda modernização, toda transformação do mundo econômico não tem
somente o seu lado ruim ou bom, mas cabe aos governantes avaliar
pragmaticamente, do ponto de vista do bem-estar econômico e social,
e buscar o que lhe é mais vantajoso.
NOTAS
[i] DREIFUSS, R. A. Política, poder, estado e força: uma leitura
de
Weber, Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 68.
[ii] Ibid., p. 90.
[iii] Teses como, por exemplo, a de Wilensky (1975) e antes dele
Aaron e Cutright. (BOBBIO, N; MATTEUCCI, N; PASQUINO, G. Dicionário
de Política. Brasília: Ed. UNB, São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2002, p. 418).
[iv] O sistema Bretton Woods exigiu o estabelecimento do Fundo
Monetário Internacional (FMI) com os objetivos de zelar para que as
nações seguissem um conjunto estipulado de regras de conduta no
comércio e finanças internacionais e prover facilidades de
empréstimos a nações que se encontrassem temporariamente em
dificuldades com relação à balança de pagamentos.
[v] Em termos históricos a senhoriagem consistia no conjunto de
obrigações e deveres que o vassalo medieval devia a seu suserano ou
senhor.
Com relação à emissão de moeda, a senhoriagem é a receita obtida por
aqueles que tem o poder de emitir, decorrente da diferença entre o
valor de face da moeda e o seu custo de produção, que inclui o valor
do metal correspondente (ouro, prata, bronze, etc.) e o trabalho de
cunhagem propriamente dito.
[vi] A produtividade do trabalho é a relação ou o quociente da
produção pelo tempo do trabalho em que foi obtida.
[vii] O dumping que significa a venda de produtos a preços mais
baixos que os custos, com a finalidade de eliminar concorrentes e
conquistar fatias maiores de mercado, no mercado externo era
facilitado com subsídios governamentais para incremento nas
exportações.
[viii] SOUZA, N. A. O Colapso do neoliberalismo, São Paulo: Global,
1995, p. 39.
[ix] O déficit da balança de pagamentos dos EUA era também
resultante do aumento de investimento externo direto, fase de
expansão das empresas transnacionais, o que aumentavam os gastos
externos da nação norte-americana.
[x] SOUZA, N. A. O Colapso do neoliberalismo, São Paulo: Global,
1995, p. 40.
[xi] A demanda agregada corresponde à quantidade de bens ou serviços
que a totalidade dos consumidores deseja e está disposta a adquirir
em determinado período de tempo por determinado preço.
[xii] SOUZA, N. A. O Colapso do neoliberalismo, São Paulo: Global,
1995.
[xiii] Ibid., p. 33.
[xiv] Ibid., p. 34.
[xv] Em termos relativos, significa dizer, que a dívida externa
polonesa, era a maior do mundo se comparada ao seu produto nacional.
[xvi] SOUZA, N. A. O Colapso do neoliberalismo, São Paulo: Global,
1995, p. 34.
[xvii] Esse nome se deu por ser um consenso hegemônico realizado em
Washington, que prescreveu e conferiu à globalização as suas
características dominantes e as legitimou como as únicas possíveis e
adequadas dentro de uma gama de interesses conflitantes entre grupos
sociais, Estados e interesses hegemônicos por um lado, e grupos
sociais, Estados e interesses subalternos por outro. (SANTOS, B. S.
(Org.) A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortes,
2002, p. 27).
[xviii] Nesta etapa aumentaram os empréstimos a países com suas
economias em crise; aumentaram-se os fluxos financeiros sem
controle; e aumentaram a crise das dívidas que estrangulavam as
economias nacionais.
[xix] O desenvolvimento tecnológico associado à revolução da
informática e das telecomunicações reduziu drasticamente os custos
operacionais e os custos de transação em escala global, tornando as
operações financeiras mais baratas, pois se reduziram os custos de
coleta de informações e de monitoramento dos mercados de capitais.
[xx] Através da lavagem de dinheiro, o capital oriundo do crime esta
diretamente conectada aos mercados globais e segundo a Conferência
da ONU sobre Economia do Crime em escala global (1994), o total de
recursos provenientes de fontes ilegais e lavados no sistema
financeiro global gira em torno de US$ 750 bilhões.
[xxi] As vulnerabilidades externas significam a pouca capacidade de
resistência a pressões, a fatores desestabilizadores e choques
externos.
[xxii] Disponível em <http://www.ilo.org/>
[xxiii] Em 1817, David Ricardo publicou: Princípios de Economia
Política e Tributação. Essa uma das mais sólidas leis da economia
que é a Lei das Vantagens Comparativas. Essas vantagens são criadas
quando uma nação se especializa em produzir e exportar as commoditys
que na qual a sua desvantagem absoluta seja menor com relação a
outras nações e importar as commoditys que a sua desvantagem
absoluta seja maior. RICARDO, D. Princípios de Economia Política e
Tributação, São Paulo: Nova Cultural, 1996. [Os Economistas].