Meio Ambiente: uma questão de cidadania
*Maria Alice Antonello Londero
Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria, RS
Prof. Holgonsi Soares - Orientador
* Este artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado "A participação do cidadão santamariense na tutela ao meio ambiente, como instrumento de participação local e construção da cidadania", elaborado pela autora em 1999, para o Curso de Especialização em Pensamento Político Brasileiro-Depto. de Sociologia e Política-UFSM, e orientado pelo Professor Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
A questão ambiental ocupa hoje um importante espaço político; juntamente com as questões de sexo e de raça, constitui-se como ponto crucial da Biopolítica. Tornou-se um movimento social que expressa as problemáticas relacionadas aos "riscos de grande conseqüência", e exige a participação de todos os indivíduos, pois o Direito ao Ambiente é um "Direito Humano Fundamental".
No contexto político contemporâneo, onde as coletividades difusas são os novos atores, os determinantes são a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a "qualidade de vida", a questão ambiental é um canal de abertura para a participação sociopolítica, que abre possibilidades de influência das classes e estratos diversos da sociedade, no processo de formação das decisões políticas.
O impacto dos danos ambientais nas gerações atuais, e seus reflexos para as futuras, fez com que a questão ambiental atravessasse fronteiras, se tornasse globalizada. Em 1949 é realizada em Lake Sucess, nos EUA, a Conferência Científica da ONU sobre a Conservação e Utilização de Recursos (UNSCCUR). Destaca-se, ainda, a publicação do livro "Silent Spring" (Primavera Silenciosa), de Rachel Carson(1962), que relata os efeitos contrários da má utilização dos pesticidas e inseticidas químicos sintéticos. Neste período, os principais problemas ambientais são o crescimento populacional, o desenvolvimento industrial e a corrida armamentista (testes nucleares).
Para Héctor R.Leis, "o pós-guerra dos anos 50 e 60, momento do surgimento dos primeiros sinais de uma preocupação pelo meio ambiente global, foi também uma época de grandes otimismos políticos (vinculados a idéias liberais, socialistas, democráticas e revolucionárias), mas de escasso otimismo filosófico".
Na década de 60, a população dos países do Norte requer melhor "qualidade de vida", isto porque, as necessidades materiais básicas foram satisfeitas e estavam sendo cumpridas. Porém, lutam pela qualidade nas condições de trabalho. Nesta década inicia-se o interesse dos economistas pela questão ambiental, observando-se os efeitos do crescimento econômico sobre o meio ambiente. Mas a preocupação pública ganha forças, com a Revolução Ambientalista, desencadeada nos EUA, espalhando-se pelo Canadá, Europa Ocidental, Japão, Nova Zelândia e Austrália, e "o ambientalismo torna-se um grupo de interesse no sistema político".
Em setembro de 1968 foi realizada em Paris, a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera (Conferência da Biosfera), sob a coordenação da UNESCO, tendo por objetivos analisar o uso e a conservação da biosfera, o impacto humano sobre a mesma e a questão ambiental.
Segundo Paulo Freire Vieira, nos anos 70, solidifica-se a consciência planetária das ameaças da civilização industrial-tecnológica: desertificação, destruição da camada de ozônio, etc ... e que os recursos naturais são limitados. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (Suécia-1972), , teve por temática o desenvolvimento humano. Os países menos desenvolvidos posicionaram-se sobre a relação de controle de desenvolvimento "versus" controle de poluição, resultando na internacionalização da questão da proteção ao meio ambiente.
Neste sentido, cabe destacar o Princípio 21 da Declaração de Estocolmo que determina que " De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, de acordo com a sua política ambiental, e a responsabilidade de assegurar que as atividades levadas a efeito, dentro de sua jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora dos limites da jurisdição nacional". Entretanto, a preocupação ambiental para os países menos desenvolvidos estava relegada a segundo plano, porque os reais problemas de sua população estavam ligados ao seu subdesenvolvimento: fome, miséria, carência de escolas, moradias, saneamento básico, atraso tecnológico, etc...
A Conferência de Estocolmo teve como resultado, a criação do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. Para Antônio Augusto Cançado Trindade, "a proteção ao meio ambiente teve reconhecimento desde 1972, pela Declaração de Estocolmo, como um direito fundamental dos indivíduos, a existência de um meio-ambiente sadio e equilibrado sendo a condição necessária à efetividade de numerosos direitos da pessoa humana para as gerações presentes assim como para as gerações futuras".
A década de 80 é marcada pela mundialização do movimento ambientalista e dos partidos verdes. Destaca-se, também, nesta década, a ocorrência de vários desastres ecológicos (Chernobyl, 1986; Bhopal, Índia, em 1984) e da intensificação da poluição (emissão de diácido de carbono das indústrias e dos automóveis; emissão de diácido de enxofre (SO2); chuva ácida; efeito estufa (CFCs).
Em junho de 1992, o Brasil (Rio de Janeiro) é sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD-92) e teve como objetivo o exame de estratégias de desenvolvimento. Ressalta-se, o Princípio 1 que estabelece que "os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente".
Destaca-se o Princípio da Participação (Princípio 10), que salienta a participação de todos os cidadãos interessados na questão ambiental, sublinhando o papel fundamental da mulher (Princípio 20), dos jovens (Princípio 21), das comunidades indígenas e outras comunidades locais (Princípio 22). Leila da Costa Ferreira salienta que os resultados da Conferência Rio-92 "ressaltaram a fragilidade de uma cidadania e de uma sociedade civil que está entendendo a duras penas as contradições existentes entre o oficial e o "oficialesco". Entre cidadanias conquistadas e direitos outorgados".
Entendendo-se a cidadania como "o estabelecimento de um laço político entre o indíviduo e a organização do poder" , podemos dizer que no Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu abertura de canais para participação efetiva na vida social, através do cidadão ou da coletividade. Édis Milaré observa que "reforçaram-se os canais de diálogo ante a convicção de que os cidadãos, com amplos conhecimentos de sua realidade e com acesso à informação, teêm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte ativa nas decisões que lhe interessam diretamente". Vale lembrar que, "o princípio democrático é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração de políticas públicas".
Quanto a matéria ambiental, aquela Constituição abriu espaços à participação/atuação da população na preservação e na defesa ambiental, impondo a coletividade o dever de defender o meio ambiente (artigo 225, "caput", CF/88) e colocando como direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros, a proteção ambiental determinada no artigo 5º, inciso LXXIII, CF/88 (Ação Popular). Estabeleceu que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, assegurando a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo à presente e às futuras gerações e ampliou as ações judiciais na tutela ambiental.
É direito da comunidade participar na formulação e execução das políticas ambientais, que deve ser discutida com as populações atingidas; também, a atuação nos processos de criação do Direito Ambiental; e, ainda, a participação popular na proteção do meio ambiente por intermédio do Poder Judiciário.
Necessário se faz destacar os principais instrumentos constitucionais, que estão a disposição do cidadão e da coletividade brasileira na tutela do meio ambiente:
Em sede infraconstitucional salienta-se a participação da população interessada na Audiência Pública do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, conforme estabelece o artigo 225, inciso IV, da CF/88 e a Resolução CONAMA nº 9, de 3 de dezembro de 1987, bem como, a atuação de membros da comunidade em Conselhos ou Órgãos de defesa do meio ambiente.
Para Márcia W. B. dos Santos "a CF/88 abriu uma alternativa para a participação do povo, qual seja, o disposto no n. XI, do art. 29, onde se vê permitida a iniciativa popular em projetos de lei de interesse específico do Município, através de manifestação de, no mínimo, 5% do eleitorado. Não resta dúvida, de que, é um avanço constitucional no exercício da cidadania". A participação do cidadão na defesa do meio ambiente é fundamental, porque a qualidade do meio ambiente reflete na qualidade de vida da população.
Segundo Édis Milaré, os instrumentos legais de garantia, para as hipóteses de ameaças de lesão ao meio ambiente, impõem, "a abertura de espaços e canais aos grupos sociais intermediários (associações civis de defesa ao meio ambiente, de moradores de bairro, sindicato, etc.), para que possam, em constante mobilização, permitir a adequação necessária da ação dos detentores do poder às exigências populares".
Concluindo, deve-se dizer que o tema ambiental é um dos mais importantes na última década do século XX, revelando os impactos negativos provocados no ambiente natural pelo crescimento sem limites que impôs forte domínio sobre a natureza além de suas necessidades. Este crescimento se mostrou ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto, e o esgotamento deste modelo é o que caracteriza a sociedade global do final deste século.
Portanto, destaca-se a necessidade da participação da comunidade e do Poder Público como agentes construtores de um meio ambiente equilibrado, objetivando a melhoria da "qualidade de vida" da população e da preservação do meio ambiente. A participação é um processo de conquista, construída constantemente através da abertura de espaços, pois não existe participação suficiente e acabada
A atuação/exigência do cidadão é instrumento eficaz de consolidação da democracia participativa, não só individual, como também coletiva, através de várias formas de organização. A participação é parte que integra o exercício democrático e alicerce da cidadania; e, a continuidade da democracia numa sociedade pluralista depende de uma participação popular que busque solidificar/intensificar/atualizar as conquistas em todos os campos, neste caso, as relacionadas com os problemas das incertezas globais referentes à questão do meio ambiente.
Notas
LEIS, Héctor R.. "Ambientalismo: Um Projeto Realista - Utópico para a Política Mundial". In: Meio Ambiente,Desenvolvimento e Cidadania: desafio para as Ciências Sociais. VIOLA, E. J.; LEIS, H.R.; SCHERER-WARREN, I.; GUIVANT, J.S.; VIEIRA, P. F.; KRISCHKE, P. J.. São Paulo: Cortez; Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1995, p. 17.
2
VIOLA, E. J.. "O movimento ambientalista no Brasil (1971-1981): da denúncia e conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável". In: Ecologia, Ciência e Política. Miriam Goldenberg Organizadora. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 50.3
Salienta-se que a UNEP pode ser chamada também de PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).4
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Paralelo dos Sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 20.5
FERREIRA, Leila da Costa. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 25.6 MIAILLE, Michel. "Representação, cidadania e exclusão social". In: América Latina: Cidadania, Desenvolvimento e Estado. Organizadora Deisy de Freitas Lima Ventura. Porto Alegre: Livraria do Advogtado, 1996, p. 155.
7
MILARÉ, Édis. "A participação comunitária na tutela do ambiente". In: Revista Forense, vol. 317. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992, p. 83.8
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 23.9
Entende-se por meio ambiente "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". (Lei nº 6.938, de 31/08/1981, artigo 3º, inciso I).10
Neste sentido ler: MILARÉ, Édis. "A participação comunitária na tutela do ambiente". In: Revista Forense, vol. 317. Rio de Janeiro: Forense, 1992, pp. 79-87; MILARÉ, Édis. "Legislação Ambiental e Participação Comunitária". In; Revista dos Tribunais, Vol. 651. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro 1990, pp. 22-34; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. A Participação Popular na Proteção do Meio Ambiente, texto de exposição levada a efeito na mesa redonda "A legislação sobre meio ambiente e suas tendências", promovida pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil, em São Paulo, a 4 de dezembro de 1989.11
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data". São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 151-152.12
Ver LONDERO, Maria Alice Antonello. O Estudo de Impacto Ambiental no Direito Brasileiro e Argentino. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria, RS, 1999.13 SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos. "Meio Ambiente na Atualidade e o Exercício da Cidadania". In: Revista dos Tribunais, vol. 690. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, abril 1993, p. 285.
14
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