MUNDO DO TRABALHO – questões gerais *
Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
* Entrevista concedida por mim à jornalista Denise Aparecida
Lopes em Março/2007 para a matéria
intitulada “Mudanças no Mundo do Trabalho” publicada na Revista Filosofia, Ciência & Vida (Editora
Escala) – Nº 09 – pg 51- 59 –
Março-2007
Denise - Com as mudanças nas relações de trabalho
no último século, a tendência é desaparecer o salário, a jornada e a
separação entre planejamento e execução. Assim, podemos
afirmar que a sociedade do emprego foi substituída pela sociedade do
trabalho?
Holgonsi -
Esta substituição é um processo, e como tal, está em andamento. Não é um
processo simples, nem tampouco isento de conflitos sociais como querem alguns.
Então eu não afirmaria que “foi substituída”, mas sim que algumas mudanças da
chamada “acumulação flexível” estão se fazendo sentir com intensidades bastante
diferenciadas de acordo com o contexto, e em alguns casos podem até ser
predominantes. Assim, mesmo em época de globalizações, penso que na análise
deste processo precisamos levar em consideração o país/região e o tipo de
setor. Também não podemos esquecer aqui o contraponto referente a diminuição
geral do tempo de serviço.
Defendo a mesma idéia do contexto, no que tange à questão da separação
entre planejamento e execução do trabalho. Observo com certo cuidado o discurso
do “desaparecimento” desta separação. Mesmo tratando-se de processos de
trabalho em estruturas de informação e
comunicação, nas várias dimensões destas estruturas, a separação continua. O diferente agora é que, com as exigências
de cooperação e trabalho em equipe, existe uma interação constante e fluxos de
informações entre todos os trabalhadores e etapas, o que não existia no velho
taylorismo.
Denise - À luz da filosofia como podemos
compreender as transformações ocorridas na natureza do trabalho?
Holgonsi -
Entendo as mudanças na natureza do trabalho como conseqüência
das novas formas organizacionais que resultaram da nova etapa do capitalismo.
Esta etapa configurou o que se chama de fase “multinacional” ou “tardia” do
capitalismo (ou ainda “capitalismo globalizado”), e gerou profundas
transformações, não só no mundo do trabalho, mas em todo o sistema social do
final do século XX. Portanto relaciono aqui a esfera do trabalho com novos
desenvolvimentos nas esferas socioculturais, políticas e na tecnociência.
Em relação ao trabalho, destaco que um entendimento efetivamente crítico
das mudanças nesta esfera passa pelo “questionamento filosófico” da flexibilização e suas problemáticas
sociopolíticas. Porém este
questionamento precisa ser tecido a
partir de uma perspectiva
interdisciplinar envolvendo a filosofia, a antropologia, a sociologia, a
história, e a ciência política.
Denise - O que
se espera dos profissionais para esse novo modelo de trabalho?
Holgonsi - As exigências são muitas. As novas
práticas gerenciais e empregatícias pedem novos saberes e novas competências que são
consideradas e definidas tendo-se por base as relações existentes entre
sistemas de formação profissional, sistemas de relações industriais e formas de
organização do trabalho existente em cada País. Resumidamente destaco a
cobrança do desenvolvimento de competências intelectuais, de gestão,
comunicativas, sociais e comportamentais.
Entendo que não se pode negar as relações entre estas novas
exigências e o desemprego. Se de um
lado começamos a ter, em minoria, os vencedores do toyotismo (aqueles que vão
se inserindo no novo paradigma do trabalho, pois desenvolvem aquelas competências),
de outro lado temos os perdedores, os quais, não conseguindo responder às
exigências cada vez maiores de qualificações, vão numericamente aumentando a
cada dia que passa, constituindo o que William Wilson chamou de “subclasse”, com problemáticas sociais bastante
conhecidas entre nós.
Denise - O que
há de positivo nestas novas possibilidades de trabalho?
Holgonsi - Não
compactuo com aqueles que fecham o discurso nas negatividades. Porém uma
leitura das positividades é bastante complexa (por vários motivos que o espaço
aqui não me permite), e exige no mínimo, repetindo, a consideração do setor.
Por exemplo, em estruturas de informação e comunicação é inegável a melhoria em
processos de trabalho que envolvem criação, análise e tomadas de decisão.
Estou querendo dizer, neste caso, que as
tarefas rotineiras e repetitivas da linha de montagem taylorista podem ser
programadas e executadas pelas máquinas, e não mais pelo “gorila domesticado”
como brutalmente Taylor queria que fosse o trabalhador fordista. As condições
naquelas estruturas propiciam aos trabalhadores uma alta reflexividade, e isto
contribui para a construção da autonomia. Resumindo, o novo paradigma do
trabalho permite um avanço qualitativo em relação à lógica taylor-fordista.
Porém é necessário frisar que um número
muito reduzido faz parte desta mudança qualitativa. A flexibilização do mercado
de trabalho, sem correspondência com a capacidade de absorção de trabalhadores,
é a grande contradição negativa do sistema atual, e com certeza fala mais alto. A exclusão do mundo do trabalho
transforma-se em exclusão da cidadania, e isto deveria
acentuar o debate sobre o Estado e as políticas públicas em geral, o modelo dos
atuais sistemas educativos e outras agências formadoras, sempre tendo em mente
aquela idéia do velho Gramsci, que a formação do homem deve ser uma formação
integral.
leia
a matéria completa escrita por Denise Lopes sobre as “Mudanças no mundo do trabalho”