"UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL?"*
HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
*Escrito em Fevereiro de 2005 - Publicado no Jornal "A Razão" em 01.06.2005 -"Globalização e Mudança"
Penso que já se foi o tempo em que um grande número de pessoas repetiam, de forma robotizada, o slogan: "precisamos mudar tudo isto que está aí". Sempre considerei este slogan vazio, demagógico e ingênuo. A ordem/desordem mundial globalizada (que provocou - e está a provocar - mudanças em tudo), é fundamentalmente diferente do sistema bipolar que prevalecia no mundo, e, as mudanças globais que se processaram nas estruturas econômicas, políticas, sociais, culturais e na vida cotidiana, tornaram bastante complexas as soluções para os problemas mundiais de segurança militar, segurança econômica e segurança ambiental. Aliás, entendo que qualquer tipo de segurança, certeza ou verdade formular no contexto presente, tem a duração de um sonho.
Mesmo assim, acredito que "um outro mundo é possível", mas não de forma ilusória, ou seja, não que "esta globalização" vai ser substituída por "uma outra", paradisíaca. Jamais dei crédito à metanarrativas (que em sua grande maioria se autolegitimam pela tradição e pela autoridade), e compactuo com a idéia de K.Kumar segundo a qual se nunca houve "mudança do sistema", as "mudanças dentro do sistema" não podem ser consideradas banais, e se continuarem, em algum ponto, até poderão provocar a mudança do sistema.
Este pensamento valida a importância da ação dos inúmeros microgrupos na condição pós-moderna, contrapondo as críticas daqueles que acusam esta nova forma de política, de ser inoperante e efêmera. Na verdade as mudanças "dentro do sistema" estão intimamente relacionadas hoje com novas necessidades, novas formas de conflitos e novos interesses políticos dos indivíduos pós-modernos.
Portanto ao afirmar que acredito na possibilidade de um outro mundo, estou querendo dizer que acredito que muitos dos problemas que persistem no atual processo de globalização (e os novos problemas que surgiram com ele), podem ser solucionados. Porém, para que estas soluções efetivamente se processem, penso que alguns pontos não podem ser ignorados.
Primeiro, os governantes e a sociedade civil organizada precisam ter em mente que qualquer ação deve levar em conta a complexidade do contexto atual, e portanto ações simplificadas/fragmentadas e ingênuas, não provocarão mudanças substanciais "no" sistema. Segundo, que o entendimento, e principalmente a resolução das problemáticas do contemporâneo, não se faz com experiências, valores e conceitos ultrapassados, desconectados da realidade histórica e ignorando/negando o ritmo das mudanças em curso no "mundo-como-um-todo". Terceiro, cada vez mais os indivíduos estão exercendo sua autonomia, e portanto qualquer grupo, partido, ou os chamados "intelectuais" que queiram decidir por eles/nós, serão rechaçados. A tese da "massa muda" de J.Baudrillard, e a da onipotência das estruturas professada por muitos, cada vez mais perdem sustentação. Por fim, e no meu entendimento o principal, a questão do multiculturalismo, que deveria ser tomada como uma ponte no debate sobre as relações entre as formas específicas que cada país tenta resolver suas problemáticas e os valores comuns que permeiam o mundo globalizado.
Se lutar por outro mundo significa combater a continuidade da exclusão, da marginalização política e da desigualdade social; se significa preocupação com o meio ambiente, com os direitos humanos e com a paz, eu afirmo que o êxito destas questões depende de um significado maior, o respeito pelo Outro com sua gama de diferenças (alterando positivamente a nossa relação com ele), e consequentemente a consideração da nova cidadania que emerge de inúmeros grupos organizados de maneira verdadeiramente democrática. "Um outro mundo é possível", desde que sua construção passe pelo respeito e pelo diálogo democrático com todos aqueles que compõem o que abstratamente chamamos de humanidade.