"POLÍTICA PÓS-MODERNA: uma análise das positividades"
*Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
*Artigo Publicado no Jornal "A Razão" em 31.08.2000
"muitos esperam encontrar a política nas arenas a ela designadas, e executada pelos agentes devidamente autorizados: parlamento, partidos políticos, sindicatos... Se os relógios da política param aqui, o político como um todo parou de funcionar" (Ulrich Beck).
O conceito de política, no contexto da modernidade, foi marcado pela dicotomia esquerda-direita, e significava ação das metanarrativas (ideologias totalizadoras). Estas, estabeleciam amplos e distantes objetivos relacionados com a revolução burguesa, ou com a socialista, cada uma, a sua maneira, defendia o progressivismo, que afirmava a possibilidade de se mudar tudo para melhor. Foi neste contexto que o parlamento, os partidos políticos e os sindicatos, eram a expressão dos verdadeiros agentes da política; a atuação era reduzida à classe ou a outros determinismos fixos, e o Estado, uma mera agência de classe.
Este tipo de política, estava de acordo com um tempoespaço simples e tradicional, no qual a natureza ou a tradição ditavam as ordens e as metas, e uma superestrutura corporativista e político-partidária forjava as opções políticas, nas quais os cidadãos eram tratados como súditos.
Porém a emergência da condição pós-moderna mais do que acentuar os problemas desse contexto, colocou novos e complexos problemas, os quais são a expressão de um tempoespaço destradicionalizado e de crescente "reflexividade social", que obriga os indivíduos a um engajamento mais amplo com o mundo, e a tomar o destino em suas próprias mãos. Os problemas da pós-modernidade, são ricos, variados, heterogêneos; dizem respeito às condições de vida dos indivíduos; fogem da dicotomia esquerda-direita e de suas ortodoxias, e não podem ser resolvidos através de "políticas redentoras" (Heller). No lugar destas políticas, e da subordinação das vozes às mesmas, vem à tona o poder da opinião pública, "muito mais próxima, por sua própria flexibilidade e fragilidade, das demandas sociais, do que as grandes máquinas políticas seguras de si mesmas e do seu direito histórico de representar as "massas""(Touraine).
Este entendimento e valorização da política na pós-modernidade enquanto participação coletiva na esfera pública, com a defesa da legitimidade e autenticidade das vozes que por longo tempo foram caladas sob os macrodiscursos, é expressão do movimento de desconstrução da razão iluminista; desacredita as burocracias especializadas e seus representantes políticos, colocando em xeque as categorias do pensamento político clássico, principalmente o partido (que não aborda os novos campos de ação), e desideologiza o comportamento político.
A política pós-moderna, efetivada nas ações da "política de vida" (Giddens), da "subpolítica" (Beck), da "antropolítica" (Morin), ou das "micropolíticas" (Guattari), reconhece a pluralidade constitutiva dos sujeitos sociais e políticos, favorecendo o surgimento de novos atores, os quais lutam pela cidadania de forma fluída e dinâmica, possibilitados pelos grupos e novos movimentos com uma estrutura decisória descentralizada. Por isso, tornou-se condição sine qua non para práticas democráticas, firmando assim seu caráter inovador e radical.
Ao contrário do que os políticos tradicionais pensam, hoje todos estão, de alguma maneira, positivamente (des)organizados, e desta posição resultam as questões sobre como viver, ou como diriam os existencialistas, sobre "como-estar-no-mundo" das incertezas globais, e dos "riscos de grande conseqüência"(Giddens). Concordando com Beck, as inovações e decisões sobre o futuro não se originam na classe política, mas sim nos grupos e movimentos da política pós-moderna, e na melhor das hipóteses, mais tarde os partidos apropriam-se e legislam sobre as mesmas.
Por isso as forças e instituições políticas tradicionais estão cada vez mais em declínio; por não atenderem as atuais demandas sociais, conseguiram fazer o político parar de funcionar. Mas os relógios da política não param aqui; estão em outras mãos, trabalhando nas políticas de vida, das necessidades básicas, do cotidiano, e chamando atenção dos políticos para o "princípio político da igualdade: em toda a tua ação política, consideres que todos os homens e todas as mulheres são capazes de tomar decisões políticas" (A.Heller).