PÓS-MODERNIDADE E EXCLUSÃO*

HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA

* Publicado no Jornal "A Razão" em 30.05.2002

*Artigo escrito com base na entrevista ao Programa Modernidade - São Paulo - 02.02.2002. Entrevistador: Mário Cortella - Entrevistados: Holgonsi Siqueira, Octávio Ianni, Diana Domingues, Mirela (FAAP).

"Há a beleza. E há os humilhados" (Albert Camus)

Ao participar como um dos entrevistados do Programa Modernidade da STV-SP em Fevereiro deste ano, cujo tema era "Sociedade Pós-moderna" e "Arte no século XXI", o entrevistador, Prof. Dr. Mário Sérgio Cortella (PUC-SP), a partir da citação de Camus com a qual abri este artigo, colocou-me a questão da exclusão na Pós-modernidade. Para falar sobre isto usei a metáfora de Z.Bauman, "turistas e vagabundos".

Em suas obras sobre pós-modernidade, e sobre globalização, Bauman destaca esta metáfora para ilustrar quem são os heróis e as vítimas do capitalismo flexível, afirmando que "a oposição entre os turistas e os vagabundos é a maior, a principal divisão da sociedade pós-moderna", uma sociedade marcada por um tempoespaço flexível, em mutação constante, onde o que vale é a habilidade de se mover. Valem portanto os turistas, aqueles que recusam qualquer forma de fixação; movimentam-se porque assim o preferem; saem e chegam em qualquer tempo e a qualquer espaço para realizarem seus sonhos, suas fantasias, suas necessidades de consumo e seu estilo de vida. Já os vagabundos "são luas escuras que refletem o brilho de sóis brilhantes; são os restos do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas"(Bauman). Movimentam-se porque estão sendo empurrados pela necessidade de sobrevivência, e mesmo assim existem severas restrições nos tempoespaços em que eles perambulam. Seus sonhos e fantasias resumem-se a um emprego qualquer, geralmente tarefas consideradas humilhantes pelos turistas, mas que precisam ser feitas por alguém.

Tendo por base isto, afirmei naquele Programa (e reafirmo aqui) que a pós-modernidade é um contexto histórico no qual a exclusão a cada dia está aumentando mais. Colabora para isto as novas exigências/qualificações para o mundo do trabalho, e com as quais a estrutura educacional não está preparada para lidar, tornando-se então uma forte causa do desemprego. A exclusão total da condição de pós-modernidade está gerando o que W.Wilson chama de subclasse, e acontece quando os indivíduos não conseguem se vincular às estruturas de informação e comunicação, como produtores, consumidores, e nem como usuários.

Ao afirmar que a pós-modernidade também é exclusiva, saliento que não há nenhum absurdo em minha afirmação. E não há, porque nunca tomei a pós-modernidade no sentido proposto por A.Giddens, como um movimento para além da modernidade, ou seja, uma ordem pós-capitalista sem poder totalitário, sem guerras de grande escala, sem colapsos econômicos ou desastres ecológicos (embora concorde que esta deve ser nossa utopia), e sem subclasses; portanto o prefixo "pós" para mim não tem sentido de superação ou ruptura. Trabalho a pós-modernidade com base nas análises de F.Jameson, e portanto entendo-a como a terceira fase do capitalismo, apresentada no esquema de E.Mandel como capitalismo tardio. Não limita-se às áreas de literatura, arquitetura e artes plásticas, mas é "uma realidade genuinamente histórica (e sócioeconômica)"(Jameson).Desnecessário seria então dizer que a pós-modernidade é uma formação histórica capitalista, e como tal, numa visão crítica e dialética, é permeada de contradições produtivas e não-produtivas. Se existe algum absurdo ou contradição, estes fazem parte deste contexto histórico, que se nega a canalizar os avanços da tecnociência para diminuir a polarização da condição humana, e continua dando liberdades aos turistas, e aumentando as privações dos vagabundos.

Agora, absurdo seria se eu, concordando com novos conceitos como desterritorialização, pós-fordismo, acumulação flexível, e escrevendo sobre a incerteza como marca fundamental de nosso tempoespaço, sobre globalização e o enfraquecimento do Estado-Nação, viesse a afirmar que o capitalismo nunca foi tão organizado como hoje, pois estas são questões características da pós-modernidade, resultantes de uma configuração desorganizada (tardia, ou multinacional) do capital.

Saliento novamente que a expressão "turistas e vagabundos" é uma metáfora de Bauman para explicar as contradições da pós-modernidade, como tal nunca usei (e jamais usarei) a palavra vagabundos seguindo o entendimento de nosso Presidente-Sociólogo, ou então, daqueles que são turistas. Também não faço parte dos pessimistas, e acredito que esta mesma condição pós-moderna excludente pode possibilitar que a situação dos humilhados seja revertida, e a beleza seja algo mais comum e simples de ser vivida. O avanço das lutas e conquistas das micropolíticas provam que isto não é ingenuidade.

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