A IDEOLOGIA DO PRODUTIVISMO
*Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
* Publicado no Jornal "A Razão" em 16.12.2004
Um aspecto negativo bastante forte da
sociedade-cultura pós-moderna, tem sido a predominância do produtivismo. Com seus significantes desconexos, com sua estetização de toda a realidade, com sua efemeridade (em todos os sentidos), enfim, com o seu esquema reinante da simulação, nossa sociedade-cultura expressa aquilo que A.Giddens chama de "orientação produtivista para o mundo", segundo a qual, os mecanismos de desenvolvimento econômico substituem o crescimento individual e uma vida em harmonia com os outros. A lógica do produtivismo orienta a vida de um grupo de indivíduos (os "consumidores adequados"), enquanto um outro grupo (os "consumidores falhos") fica à deriva econômica, política, social e psicológica, lutando pela sobrevivência.Para responder às necessidades de consumo, o sistema produtivista não se importa com o
meio-ambiente, causando a decadência ecológica para atender ao crescimento cada vez maior do consumo de bens e serviços, o que, na verdade, retrata uma postura compulsiva do homem pós-moderno. Relacionando com a problemática ambiental, associo a ideologia do produtivismo ao individualismo e à insatisfação constante, bem como à negação dos princípios de igualdade, de solidariedade, de liberdade e de cidadania ativa, o que só faz reproduzir e reforçar as negatividades do capitalismo tardio.Faz parte do processo capitalista, constantemente procurar por novos métodos para aumento do produtivismo. Na fase atual foi marcante a defesa da qualidade total, do uso das
novas tecnologias e da alocação do conhecimento na produção. Destaco aqui a formação dos chamados "conselhos de produtividade", responsáveis pela afirmação do produtivismo no centro das mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, da produção e do consumo.No produtivismo o que domina é a mercantilização do mundo/da vida (ou seja, tudo é reduzido às leis do mercado), desprezando-se todo e qualquer outro valor que não esteja associado ao lucro. Sob esta ótica, a educação tem como objetivo, apenas, a melhora da
performance no mercado de trabalho. Entendo que o resultado perverso do produtivismo na educação (ensino, pesquisa e extensão), além do privilégio da quantidade com a negação da qualidade, é a continuidade de uma formação fragmentada dos indivíduos. Pode-se adquirir competências técnicas, mas reduzidas capacidades sociais, políticas e humanas, afinal, para o produtivismo, o que conta é a operacionalidade, o valor de uso.Por isso concordo com os cientistas críticos que colocam como um fator de crise das ciências humanas a questão da pesquisa encomendada, e cujo objetivo é justificar o instituído, jamais questioná-lo. Dependentes de recursos e buscando aumentar a performance no ramo da pesquisa e da extensão, manipulam projetos e resultados conscientes de que sua autonomia é uma farsa.
Neste contexto, seria necessário uma revisão urgente dos modos/estilos de vida da sociedade-cultura pós-moderna, substituindo-se o produtivismo como orientador da vida, pela produtividade, na qual, segundo A.Giddens, os indicadores sociais prevaleceriam aos indicadores econômicos, haveria a recuperação de uma série de preocupações éticas que foram deixadas de lado pela atual orientação (do sistema produtivista), seguido de uma oposição à compulsividade e a dependência do trabalho e associando-se intimamente produtividade com
autonomia; em um sistema de "produtividade aperfeiçoada" a qualidade de vida torna-se uma questão central. Com relação ao trabalho, há necessidade de questionamentos como: "emprego sob que condições? E que relação o trabalho deveria ter com outros valores da vida?" (Giddens).Por isso o saber-ser numa sociedade-cultura em que o estilo de vida exige uma redefinição, passa pela satisfação das necessidades sob a ótica da produtividade, e não do produtivismo, e dessa maneira a prática do consumismo, como uma obsessão não crítica de consumo, é substituída por uma "prática do movimento do consumidor"(L.Sklair). Sendo essa uma prática que procura saber como os bens de consumo são produzidos, por quem e para quê. Concordo com L.Sklair quando ele diz que esta versão do consumismo (como movimento do consumidor) "pode levar a uma crítica radical do consumo".
Mas, o desenvolvimento de novos valores de vida só será possível "quando o etos do produtivismo começar a ser amplamente questionado" (Giddens): no trabalho, em nossas relações com o consumo e em nossas relações com o outro, na estrutura educacional, etc. Este questionamento torna-se urgente na
Universidade, no momento em que ela começa a ser entendida como uma empresa privada.