O CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: PARA UMA
RE-ELABORAÇÃO DA POLÍTICA*
Autora:
ROBERTA CANELLO*
Este texto faz parte da monografia de conclusão do curso de especialização em pensamentopolítico brasileiro, defendida na UFSM em 21.06.2005.
Orientador: Prof. Dr. Holgonsi Siqueira
No decorrer das últimas quatro ou cinco décadas o mundo vem passando por
significativas mudanças que transformaram o contexto social e político,
outrora tido como padrão. Dentre tais mudanças a globalização, no sentido
de transformação espaço - tempo[1], é por mim apresentada como um, senão o
principal fator que modifica referências antes classificadas como modelos.
A globalização fez surgir novos contextos e trouxe novos
significados a hábitos e atitudes da vida cotidiana. Na atualidade,
percebemos uma relação muito estreita entre o global e o local, pois
Segundo Giddens (In MILIBAND,1997,p.39) "nossas atividades cada vez mais
são influenciadas por eventos ocorrendo do outro lado do mundo; e
inversamente, hábitos locais de estilo de vida tornam-se globalmente
conseqüentes".
Os hábitos e procedimentos antes tidos como padrão sofreram
alterações com a globalização, uma vez que ela provoca modificações também
na vida cotidiana. Em uma sociedade globalizada a atitude ou o
comportamento de uma pessoa em sua própria casa pode ter reflexos do outro
lado do mundo. De uma maneira gradual, todas as esferas - coletiva,
individual, social e política - são afetadas pelas contradições da
globalização.
Os produtos que consumimos, nossas idéias e opiniões sobre
determinado assunto, nossa prática cotidiana não mais se resume ao nosso
próprio ambiente, mas sim ao ambiente compreendido como um todo, como um
só mundo, mas ao mesmo tempo repleto de diferenças.
A moda é ditada em Milão, Paris, Nova Iorque e é utilizada no
Brasil, na Argentina, na África, ou vice-versa. O produtor de alimentos é
regido pelas preferências dos consumidores não somente do local onde
produz, mas, na maioria das vezes, de outros lugares até mesmo longínquos.
A cura de uma doença descoberta em um continente certamente trará
benefício mundial. A música, o cinema, a cultura reproduz-se com uma
velocidade impressionante, invadindo nosso espaço e nos colocando em
contato com o todo.
O surgimento de uma nova sociedade global acarreta modificações na ordem
do capital, trabalho, tempo, espaço, ser, agir e sentir, assim como
transforma as relações entre Estados, já que assuntos sociais, econômicos,
culturais e políticos, antes tidos como de interesse nacional, passam a
fazer parte do mundo global, interferindo não somente onde ocorrem, mas em
diferentes partes do globo.
Mantendo suas diversidades e problemas internos, as sociedades estão
definitivamente articuladas em uma verdadeira nação global, que compreende
processos e relações dos mais variados tipos, mesmo que, várias vezes,
operem de modo desigual. Os indivíduos são objetos das transformações que
estão ocorrendo, quando seus reflexos acarretam mudanças em suas
profissões, seus espaços de lazer e dentro de sua própria casa.
Não podemos mais analisar as relações de trabalho, por exemplo, da mesma
forma que fazíamos anteriormente. Os modelos tradicionais de relação de
emprego estão desaparecendo; funções estão sendo remodeladas e
resignificadas diante das alterações introduzidas com a globalização;
percebemos inúmeras ocupações que surgem em decorrência do processo, como,
por exemplo, trabalhadores virtuais, que não se afastam de sua casa mas
que se encontram inseridos no mundo do trabalho, através da prestação de
serviços para empresas.
Espetáculos culturais rodam o mundo, filmes são assistidos pelas mais
variadas platéias, idéias são debatidas em videoconferência, com
participantes dos mais diversos países. Da mesma forma, as alterações
sofridas pela natureza, por exemplo, em um determinado local podem gerar
manifestações por pessoas do outro lado do planeta. Ainda, assuntos como
violência, meio ambiente, gênero, não mais são debatidos por certos grupos
e sim por uma quase totalidade, espalhada pelos quatro cantos. Não raro
observamos manifestações contra a violência, o porte de armas, a favor do
desarmamento ocorrendo em vários locais espalhados pelo mundo, ao mesmo
tempo, em um movimento sincronizado e coletivo.
A modernidade via o tempo como algo dinâmico e o espaço como
fixo; entretanto, tal não é estático, já que a atividade humana
transforma-o. A globalização trouxe como uma de suas grandes inovações a
dinamização não somente do tempo, como também do espaço. O que ocorre é
que as estruturas globais fazem com que tudo se movimente em várias
direções, conhecidas ou desconhecidas. As ações políticas, econômicas,
sociais, culturais não mais podem ser localizadas em um ponto específico,
senão em diversos locais, porque a globalização desloca ou dissolve
fronteiras, centros decisórios e pontos de referência.
A economia hoje se organiza em centros de comando interligados, permitindo
a expansão e incorporação de novos mercados, derrubando barreiras e
transformando o espaço.
A política não mais pode ser considerada como local, pois decisões tomadas
de forma localizada podem acarretar efeitos mundiais. Nosso cotidiano não
é mais particular, já que nos encontramos interligados e conectados com o
mundo. Nada mais é exato, não vislumbramos início ou fim. Destaco aqui uma
das características da globalização, denominada desterritorialização.
A desterritorialização torna tudo e todos mundiais, sem referência fixa,
já que altera de forma contundente a questão do espaço, nos apresentando
um novo mundo. A globalização tende a desenraizar as coisas, as pessoas e
as idéias. Sem prejuízo de nossas origens, adquirimos algo de deslocado,
genérico, indiferente. Fronteiras naturais inexistem, bem como lugares
desconhecidos. Nós pertencemos ao mundo, e o mundo todo nos pertence.
Os centros decisórios mundiais, antes tidos como determinados, não mais
podem ser localizados. Eram pontos de referências, hoje se encontram
deslocados, dispersos. Dispersos também são os lugares, as empresas, os
conglomerados, os grupos grandes e pequenos. Tudo se torna global: dilemas
sociais, políticos, culturais e econômicos não mais pertencem a um só, mas
a todo o mundo.
A desterritorialização, por outro lado, pode implicar uma certa
subordinação de aspectos políticos aos movimentos do capital, da economia,
já que por várias vezes o Estado-Nação está operando mais como um
regulador da economia e articulador de capitais e limitando sua atuação a
pequenas interferências em demais problemas cotidianos no interior de seu
próprio país.
Não raro vislumbramos a formação de verdadeiras agências reguladoras, em
face da inexistência desse centro comum, que se torna necessário até mesmo
para possibilitar que os indivíduos não se sintam completamente
deslocados, sem identidade no cenário mundial.
Entretanto, a falta de um centro não pode ser considerado como fator para
diminuição nas ações dos indivíduos, já que possibilita movimentos de
caráter emancipador, diverso de práticas políticas tradicionais. A busca
por referências e por grupos de indivíduos com interesses em comum
transforma as atitudes cotidianas em verdadeiras atitudes de
micropolíticas, já que dispersada por vários grupos, sem um centro maior
ou uma instituição única, que determina as regras. Feher; Heller (2002,
p.57 ) diz que " o fato de as sociedades modernas ocidentais terem perdido
seus centros organizadores permite maiores possibilidades para um projeto
de democratização do que fora isso aconteceria".
Além da modificação do espaço, a globalização nos traz a
transformação do tempo, que é fragmentado e não pode mais ser mensurado
como na modernidade. O que ocorre é uma compressão tempo-espaço, que torna
menor o mundo, derrubando barreiras, desenvolvendo novas tecnologias,
abolindo distâncias. Segundo Siqueira (2001) "as qualidades objetivas do
tempo e do espaço são revolucionadas, e nossa representação do mundo é
alterada".
A globalização não pode ser concebida como um processo
natural, decorrente das transformações sociais. O desenvolvimento do
processo de globalização foi promovido por Estados, corporações
internacionais, e outros grupos, através do desenvolvimento de pesquisas
nas áreas de comunicação, políticas de liberalização e privatização, entre
outros.
O aprofundamento do processo de globalização, em especial em termos de
comunicação e tecnologia, produz uma verdadeira mudança nas formas de
produção, de consumo, de pensar e de se fazer política. Estamos diante de
uma nova era tecnológica, que surge em face das novas tecnologias de
informação, que estão determinando nossa capacidade de produção, nossas
atividades, nosso padrão de vida.
Novas tecnologias permitem que o capital seja transportado de um lado
para outro entre economias em curtíssimo prazo, de forma que o capital e,
portanto, poupança e investimentos estão interconectados em todo o mundo.
Não somente o capital está conectado mundialmente, mas todos nós, de uma
forma ou outra, nos encontramos ligados a diversos pontos ou lugares,
muitas vezes até mesmo desconhecidos. Cito como um dos exemplos das novas
tecnologias surgidas com a globalização a internet, essa grande rede que
nos conecta.
Com apenas um "click", um aperto em um botão, somos transportados sem sair
do lugar, até onde nossa curiosidade nos atrai ou permite. Da mesma forma,
as informações circulam em tempo real, em uma velocidade nunca antes
imaginada, pelos mais longínquos lugares. Não mais podemos alegar o
desconhecimento de um fato já que na atualidade os fatos são cada vez mais
de importância mundial, invadindo nosso espaço e nos colocando sempre no
centro dos acontecimentos.
As novas tecnologias oportunizadas com a globalização podem ser
encontradas também na ciência, que cada vez mais avança em direção ao que
antes poderia ser considerada até mesmo um sonho ou ilusão dos cientistas.
Processos científicos como clonagem, mapeamento genético, descoberta de
doenças, suas causas e combate somente são possíveis face a troca de
informação mundial, à queda de barreiras, enfim, às novas formas de
comunicação e término de preconceitos.
Vislumbro hoje "uma rede global de interação" [2], já que a característica
das novas tecnologias não é a centralidade mas sim a difusão de
informações e conhecimentos, em especial nas novas tecnologias de
comunicação onde não vislumbramos somente a possibilidade de se utilizar
da tecnologia como também aprimorá-la. Dessa forma, os sistemas de
comunicação, computadores, descobertas científicas podem ser considerados
como extensões da mente humana.
Concordo quando se afirma que
Todas as expressões culturais, da pior a melhor, da mais elitista a mais
popular, vêm juntas nesse universo digital que liga, e um supertexto
histórico gigantesco as manifestações passadas, presentes e futuras da
mente comunicativa. (CASTELLS, 1999,p.458)
Acrescento ainda, que as novas tecnologias, em especial as de comunicação
e informação, oportunizam um modo de difusão em grande escala de novas
idéias políticas e favorecem a organização/ação dos novos movimentos que
caracterizam as micropolíticas, no momento em que as informações se
encontram disponibilizadas à múltiplos usuários e permite a propagação de
idéias antes conhecidas por poucos.
Os novos movimentos se utilizam da rede de uma forma ativa na luta
antiglobalização por eles empreendida; os protestos de Seattle, Davos e
Praga demonstram a possibilidade de utilização das novas tecnologias para
convergir, em uma só direção, o sentimento dos excluídos frente ao mundo
globalizado e dominado pelos mercados. Ainda, a internet foi, sem dúvida,
o instrumento imprescindível para o movimento pela paz, ocorrido no ano de
2004, que mobilizou um número expressivo de pessoas, nos mais diversos e
longínquos lugares, em uma mesma direção e com um mesmo objetivo.
Entretanto, ao mesmo tempo que é um instrumento sem dúvida facilitador e
agregador, é também utilizado por grupos extremistas, racistas, que não
aceitam a diversidade, o pluralismo, o outro e se utilizam da tecnologia
para propagar suas idéias radicais e de pouca aceitação. Digo isso porque
basta "navegar" pela internet para descobrirmos informações das mais
variadas, desde como se proteger de ataque terrorista até como se tornar
um terrorista.
As novas tecnologias trouxeram uma verdadeira revolução da informação,
oportunizando estruturas que favorecem a participação política. Através da
ampliação das formas de comunicação há hoje a real possibilidade de todos
os indivíduos tomarem parte nas decisões, apontando reivindicações e
exigindo soluções. Da mesma forma, as novas estruturas fazem com que o
poder público esteja sempre exposto e sujeito a fiscalização dos seus
atos. A tecnologia permite abrir um caminho de articulação e intervenção
política, na medida que é possível ampliar o número de espaços e relações,
tanto quantitativa quanto qualitativamente.
Entretanto, encontramos ainda segmentos populacionais ou áreas
territoriais que se encontram excluídas destas novas tecnologias. Ao mesmo
tempo que tornam o capital global, as novas tecnologias podem empobrecer
aqueles que não dispõe de recursos para utilizá-las. Refiro-me novamente a
internet. Embora milhares de pessoas se utilizem da rede, outras milhares
sequer tem acesso a um computador, muito menos à rede. Tal desigualdade
pode ser considerada como o traço mais marcante no desenvolvimento das
novas tecnologias, embora seu alto grau de difusão mundial. O que ocorre é
uma verdadeira segmentação de usuários, onde encontramos as mais variadas
formas de expressão sobre os mais diversos temas, transformando sem dúvida
nossa realidade em virtualidade.
Não obstante a existência de tal desigualdade, não é possível negar a
grande importância da revolução da informação para a difusão e
conhecimento de novas práticas políticas, já que
(...)vivenciamos o
mundo-como-um-todo porque as novas tecnologias de comunicação e informação
trazem-no para dentro de nossas casas e simultaneamente nos levam para
fora, colocando-nos em contato com outros costumes, outras maneiras de ver
o mundo, de viver a riqueza e sentir a pobreza (SIQUEIRA, 2001).
A globalização se trata de um processo que pode ser caracterizado por
profundas transformações e reformulações nos campos da economia,
tecnologia, na vida política e cotidiana. A partir desta nova realidade, é
preciso a análise e a compreensão de novos conceitos e categorias surgidos
com ela, em especial nas atuais configurações da política, e nas tomadas
de decisões, e que destaco aqui àquelas relacionadas à esfera política.
Geralmente, entende-se que a globalização é somente econômica, vez que uma
das mudanças mais significativas se deu na ampliação dos mercados
financeiros, que atuam em tempo cada vez mais real. Entretanto, a idéia de
globalização não pode ser aplicada somente às relações econômicas.
Assim,
A globalização, não diz respeito em absoluto apenas, ou mesmo basicamente,
à interdependência econômica, mas à transformação do tempo e espaço em
nossas vidas. Eventos distantes, quer econômicos ou não, afetam-nos mais
direta e imediatamente que jamais antes. Inversamente, decisões que
tomamos como indivíduos são com freqüência globais em suas implicações
(GIDDENS, 2000, p.41).
Estamos diante de um novo tempo, uma nova era, com diversas
características, repleta de positividades e negatividades. Aponto como uma
das principais características desse novo século a valorização do
intangível, do conhecimento e dos serviços agregados aos produtos.
Em um mundo transformado pelo consumismo, observamos que o que é
valorizado não é somente o produto, as coisas, os materiais e sim o
serviço e o conhecimento agregado ao produto. O conhecimento, o saber, é,
a cada dia que passa, mais valorizado e de grande importância, já que
somos movidos pela busca de satisfação de nossas necessidades, que podem
ser traduzidas por desejos que devem ser saciados, e que movimentam e
transformam o mundo. Muitas das necessidades permitem transformações na
área do saber, do econômico e do político, já que trazem exigências que
hoje não são mais satisfeitas nos padrões tradicionais.
Vemos hoje a transformação de uma sociedade de produção para uma sociedade
de consumo, traduzida pela busca desenfreada da satisfação das nossas
necessidades, muitas vezes encontradas não no mercado através de objetos,
mas sim de sensações.
Nosso cotidiano é marcado pela velocidade das mudanças, pela diversidade,
pelo obsoletismo das idéias, conceitos, formas. A atualidade impõe-nos uma
permanente revolução, trazendo ao cenário uma ampla diversidade cultural,
científica e tecnológica. Sem dúvidas a globalização nos transmite um
significado de indeterminação, ausência de um centro determinado, que,
como já analisado, não impede ações e práticas políticas desenvolvidas
pelos indivíduos, que transformam tal ausência em incentivo para
reinventar e redescobrir novos significados.
Percebo, no entanto, que a globalização também é problemática e
contraditória. Ao mesmo tempo em que derruba fronteiras, possibilita
progresso social e econômico, permite o maior acesso a informação e à
tecnologia, gera o aumento da desigualdade social, a destruição ambiental,
a alienação e o isolamento do indivíduo.
Embora fronteiras geográficas estejam quase que imperceptíveis, as
distâncias entre camadas sociais têm um significativo aumento. A
globalização propicia um aumento na estratificação social, separando a
elite cosmopolita de um restante da população que não se encontra
integrada no processo. A esse respeito Baumann (1999,p.84) afirma que
"ajudam os habitantes locais a permanecerem locais ao mesmo tempo que
permitem aos globais viajar com a consciência limpa".
Ao mesmo tempo que possibilita a queda de barreiras geográficas,
territoriais, culturais, oportunizando a expansão dos limites, a
mobilidade e a criatividade, confina certos indivíduos em seu lugar
originário, já que se encontram excluídos do processo e não dispõe dos
meios necessários para a remoção das barreiras.
É possível perceber até mesmo um certo isolamento entre camadas
populacionais, desagregando ao invés de agregar, aumentando as diferenças
e as desigualdades, quando poderia favorecer a eliminação das diferenças.
A alienação e o isolamento se mostram hoje como grandes desafios a serem
superados.Vislumbro o término do contato pessoal e da troca de
experiências de vida, substituídos por conversas virtuais e comunidades
virtuais. Entendo a intolerância em relação ao diferente, ao indivíduo
estranho ao grupo, ao invés de reconhecê-lo como portador de uma história
de vida, direitos, desejos.
Ao mesmo tempo em que nos vemos diante de um mundo sem fronteiras, criamos
nossas barreiras pessoais e as transformamos em intransponíveis. O mundo
é, ao mesmo tempo, um complexo de realidades, uma verdadeira
heterogeneidade de formas, indivíduos, ao passo que cada vez mais nos
vemos preocupados com nossa própria existência, segurança e felicidade,
esquecendo dos demais.
Associamos hoje a desigualdade com a violência real, que faz com que
sistemas de segurança sejam aperfeiçoados, carros sejam blindados, casas
cercadas. Anteriormente nos preocupávamos com o futuro da humanidade;
hoje, somente com o nosso próprio futuro.O coletivo está se tornando
individual, fazendo com que os espaços públicos se tornem cada vez mais
raros e restritos.
Assim,
Para alguns a 'globalização'é o que devemos fazer se quisermos ser
felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém,
'globalização' é o destino irremediável do mundo, um processo que nos
afeta a todos na mesma medida e na mesma maneira. Estamos todos sendo
globalizados - e isso significa basicamente o mesmo para todos (BAUMANN,
1999,p.7)
A partir dessa análise, e como foco principal de meu trabalho, destaco que
com o processo de globalização começam a surgir também novos espaços para
a participação política e social, o que significa que as relações entre
sociedade e Estado começam a sofrer modificações.
Não podemos compreender a globalização somente no aspecto macro,
transnacional ou supra-estatal. Devemos observar suas conseqüências em
âmbito regional, local, avaliando-se de que forma e em que medida suas
características afetam a estrutura político-partidária da sociedade, já
que a mesma traz crescentes desafios quando modifica referências
tradicionais, em especial algumas categorias do pensamento político como
sociedade civil, Estado, partidos políticos e movimentos sociais.
Quando pensamos no aspecto político, percebemos que as transformações
proporcionadas pela globalização acarretam mudanças significativas nesse
setor. Vivemos hoje em um mundo sem fronteiras, em que o Estado- Nação
está se tornando uma ficção, os políticos vem perdendo seu poder efetivo e
novas formas de se fazer política assumem seus lugares.
Saliento que a política "tradicional" encontra-se em uma crise de grandes
proporções que, de certa forma, interfere na estrutura política do Estado,
já que este, através de seus agentes políticos, passou a direcionar sua
atenção para aspectos econômicos e de mercado, deixando muitas vezes
desatendidas questões importantes para outros setores sociais.
Na verdade segundo Giddens (2000, p.52), "a globalização, juntamente com o
comunismo, alterou os perfis da esquerda e direita". Tal alteração de
perfis anteriormente definidos e conhecidos da população, aliados com o
direcionamento das atenções do Estado para setores considerados
supra-nacionais levou a uma descrença generalizada nas instituições
tradicionais.
Tais instituições, na atualidade, parecem não mais comportar e enquadrar
questões importantes, como, por exemplo, gênero ou políticas ambientais,
quando as mesmas trazem uma nova orientação as prioridades políticas e
colocam no cenário político concepções políticas diversas das
tradicionais.
Na modernidade, a política foi caracterizada pela dicotomia
esquerda-direita, onde os partidos políticos e o parlamento eram
classificados como agentes políticos, reduzindo a atuação de classes e
principalmente dos cidadãos. A política pragmática tinha por objetivos
exclusivos obter o poder e nele permanecer. Entretanto, não podemos mais
conceber que esta seja a finalidade única e a válvula motora dos atos
políticos.
Com a emergência da globalização, as práticas políticas
tradicionais perdem seu espaço, em face das transformações advindas desse
processo. Não é mais possível a resolução dos problemas através da
"política tradicional", fugindo-se assim da tradição esquerda-direita. É
necessário um maior engajamento e participação da opinião pública e dos
indivíduos hoje globalizados, o que acarreta uma maior participação dos
indivíduos na esfera pública.
Hoje nos deparamos com exigências e mudanças no nosso cotidiano que exigem
opiniões e atitudes dos representantes das classes políticas tradicionais,
onde seus atos afetarão não somente o executor, mas todos os membros da
instituição, grupo, país.
Os atores políticos na atualidade não são mais aqueles que eram
encontrados nas esferas tradicionais do poder. As mudanças advindas com a
globalização, a reformulação de conceitos faz com que a afirmativa de
Giddens (2000) "a política mudou de lugar" se torne cada vez mais
verdadeira.
Na verdade, o que ocorre é que as idéias, as necessidades, as discussões
surgem fora do círculo tradicional, mas por ele são absorvidos. A política
surgida com a globalização tem como uma de suas característica a ênfase
nos movimentos sociais, culturais e políticos. O enfraquecimento e até
mesmo o desaparecimento das classes organizadas e das estruturas
tradicionais da política, aliados a conforme Feher; Heller (2002,p.19)
"ascendência do caráter funcionalista da sociedade" , trouxeram uma
reorganização e modernização dos aspectos tradicionais.
A globalização trouxe como uma de suas conseqüências um certo desencontro
entre o que deseja a sociedade civil, no que se refere a aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais e a adoção de medidas pelo Estado que,
cada vez mais, encontra-se movido por forças externas e transnacionais.
Em uma concepção política tradicional o Estado-nação era compreendido como
o centro da política, onde as decisões eram tomadas e abrangiam todos os
elementos constituintes do Estado. A produção da política encontrava-se
restrita a um só organismo, de onde emanavam todas as decisões. Com a
globalização, o Estado-nação tem sua autonomia reduzida e o seu poder
central está dividido entre vários outros organismos.
O direcionamento das atenções do Estado para questões macro, voltadas de
certa forma para a política externa e econômica faz com que as orientações
das forças predominantes na sociedade civil, em termos de povo, setores
sociais subalternos ou a maior parte das classes assalariadas não
encontrem condições políticas de realização. Tal situação vem constituir
uma verdadeira fonte de pressão para que essas categorias se organizem e
lutem por seu espaço dentro da nova concepção política que surge na
atualidade. Assim, para que possam reivindicar seu lugar, seus direitos e
sua posição é necessário que os mesmos se organizem, o que já vem
ocorrendo.
Na modernidade percebe-se como pressuposto para a ação política a
utilização de conceitos como esquerda/direita, público/privado.
Entretanto, a globalização traz a superação das oposições tradicionais da
modernidade em face da mudança no cenário político e histórico. Na
modernidade, contávamos conforme Siqueira (2003,p.165) "com uma totalidade
estável, a idéia de ordem perfeita de progresso inevitável da história e o
predomínio da noção de coletividade ".
As inúmeras mudanças advindas do processo de globalização, e as quais me
referi anteriormente de forma geral, refletem em nossas ações cotidianas.
Passamos de um mundo caracterizado pela totalidade para uma real
fragmentação, onde encontramos uma verdadeira multiplicidade de agentes,
de pequenos grupos, derrubando o conceito de massas ou classes
representadas[3]. A certeza da modernidade transformou-se em incerteza e o
coletivo nos é apresentado como sujeito principal, em contraposição a
centralidade dos indivíduos modernos.
A política moderna pode ser caracterizada, ainda, pelos conflitos entre as
organizações de classe e o Estado, onde se desconsideravam questões
específicas e localizadas relativas a pequenos grupos e a indivíduos.
Com a globalização nós temos uma inversão da "luta", onde os interesses
dos indivíduos se sobrepõe aos da classe, e os assuntos surgidos nas vias
não institucionalizadas (novos movimentos, ONGS), ocupam o centro do
espaço político.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a globalização faz surgir novas formas
políticas, oportunizando vez e voz aos que antes não figuravam no espaço
político mundial, é por eles criticada e contestada. Vários são os
movimentos que se voltam contra a globalização, acusando-a de todas as
mazelas sociais, econômicas e políticas existentes na atualidade.
Tal aspecto, embora importante, não pode ser considerado característica da
nova política, pois a política surgida com a globalização volta-se às
necessidades básicas dos indivíduos, porque, na atualidade, concebemos a
política de uma forma restrita, onde as decisões políticas, cada vez mais,
direcionam-se a pequenos grupos ou a certos segmentos, e não somente ao
coletivo.
Com a desvalorização da política e o esvaziamento aparente de poder do
governo em Giddens (2000) vislumbramos o cenário propício ao surgimento de
formas substitutivas da política tradicional. Tais traduzem-se pelo
surgimento de novos movimentos sociais, organizações não governamentais,
comunitárias, também reconhecidas como micropolíticas.