A RELAÇÃO ENTRE AS MICROPOLÍTICAS E A POLÍTICA TRADICIONAL*
Autora: ROBERTA CANELLO
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Este texto faz parte da monografia de conclusão do curso de especialização empensamento político brasileiro, defendida na UFSM em 21/06/2005
Orientador: Prof. Dr. Holgonsi Siqueira
As alterações produzidas com a globalização, o descrédito na política
tradicional e nos partidos políticos e o surgimento das micropolíticas
fazem com que a tarefa da diminuição ou término das diferenças sociais, a
inserção de novos participantes no cenário político e, até mesmo, o
surgimento de novas concepções políticas sejam depositadas nas
micropolíticas e em seus grupos constituintes.
Na atualidade, é possível afirmar que questões locais situam-se em um
espaço de atuação reduzido relativamente ao Estado, vez que esse direciona
suas atenções principais aos interesses macro econômicos e relações
internacionais. Entretanto, não é possível deixar de reconhecer a
existência de diversos assuntos ou áreas de interesse locais e regionais,
dentro do Estado, que afetam a vida dos cidadãos e que pelo Estado não são
atendidos.
A política tradicional do Estado-Nação orienta-se por regras relativas a
disputas entre os partidos sobre assuntos essenciais ao Estado, como
crescimento econômico, mudança de governos, empregos, entre outros. No
entanto, tenho que tais aspectos não podem ser tomados como ponto de
partida para a nova forma de se fazer política.
Filio-me a Giddens (2000, p.63) ao afirmar que "uma das principais funções
do governo é precisamente conciliar as reivindicações divergentes de
grupos de interesse especial" o que, ao meu ver, assegura a existência de
outros grupos políticos diversos dos tradicionais que possuem sua própria
forma de fazer política e interferem na política tradicional.
Percebo que os espaços públicos[1] estão sendo preenchidos por
micropolíticas, que através de suas ações coletivas, pautadas por
solidariedade, respeito às diferenças, autonomia dos indivíduos, trazem ao
espaço público o debate das mais diversas questões.
Através desse processo de preenchimento de espaços, as micropolíticas
passam a fazer parte do cenário político, seja pela busca de atendimento
para demandas da sociedade, seja pela construção de canais de ligação
entre a sociedade e o Estado pois ocupam um espaço de suma importância
dentro da sociedade civil, não podendo ser concebidas como fenômenos
isolados ou formas combativas ao Estado, mas sim vistas através de uma
relação estreita e significativa com o mesmo, já que o Estado possui um
campo de atuação privilegiado se comparado as micropolíticas, o passo em
que essas possuem a capacidade de organização e transformação da sociedade
civil de forma interna, ausente no Estado.
Caracterizadas por sua capacidade de auto organização, engajamento social
e participação comunitária, as micropolíticas suscitam a reformulação ou
redefinição nas áreas de responsabilidade governamental. Contudo, tal
processo não importa em um desaparecimento da política tradicional, ou uma
supremacia das micropolíticas sobre o Estado, mas sim um trabalho que deve
ser equilibrado, realizado em conjunto pelos vários segmentos
representantes tanto da política tradicional como das micropolíticas.
Conforme o que encontro em Warren (1996), afirmo que as micropolíticas
constituem fontes de pressão em especial no campo cultural e político. As
mesmas vislumbram alternativas para velhos e novos problemas, além de se
constituírem no espaço em que a sociedade civil elenca suas reivindicações
e pensa soluções. Como movimento, é inegável sua participação na
constituição de novos atores sociais e na redefinição dos espaços da
cidadania.
Os temas de responsabilidade, os locais de atuação, as
necessidades insatisfeitas surgem hoje nos grupos e movimentos
constituintes das micropolíticas que se localizam inseridos no interior
dos locais de vida dos indivíduos, na vida cotidiana, nos locais de
trabalho e compreendem os mais diversos formatos. Discussões e questões
como ecologia, raça, gênero, direitos sociais, educação, participação,
dentre outros milhares, que afetam a vida de todos nós, são debatidos
dentro dos grupos para somente após, tornarem-se visíveis no espaço
público dominado ou representado pela política tradicional.
A partir disso, afirmo que a reflexão sobre os problemas pode
se dar de forma micro, no interior dos grupos, mas está compreendida no
todo maior, ao qual não é possível negar a existência, o que significa
que, embora a princípio o problema possa ser local ele é, na verdade,
global, já que na atualidade não é possível desvincular o cotidiano da
globalização, pois para Teixeira (2001,p.197) "globalização exige cada vez
mais que as ações locais se articulem com ações globais" .
Da mesma forma que não desvinculamos o cotidiano da
globalização, não mais compreendemos a política tradicional desvinculada
da micropolítica. Entendo que ambas encontram-se em uma simbiose, onde a
política tradicional possui os instrumentos necessários para uma atuação
efetiva, ao passo que as micropolíticas detém a tarefa de trazer a tona as
questões que afetam os cidadãos.
O afastamento crescente entre sociedade e político, se por um lado
diferenciou as micropolíticas da política tradicional, por outro fez com
que as duas formas interagissem a fim de contemplar o novo discurso e as
mudanças surgidas com a globalização.
A fragmentação, a incerteza, a ausência de um centro
determinado decorrentes do processo de globalização alterou os padrões
políticos tradicionais e nos apresentaram o surgimento de novas
categorias, que, pelo fato de se originarem do centro das reivindicações
de determinados grupos sociais com a finalidade de inserir na política
tradicional os anseios dos cidadãos, detém o poder político. Entretanto,
não possuem o aparelhamento e a forma necessária para exercer o poder,
pois tais se encontram no Estado e nos partidos políticos.
Com isso, o poder de decisão, de exigibilidade de ações políticas, de
definição de prioridades não se encontra mais em mãos de políticos
tradicionais, mas sim junto aos grupos constituintes das micropolíticas e,
a partir disso, não é mais possível uma separação entre a política
tradicional e seus elementos representativos (partidos políticos,
direita/esquerda, parlamento) e as micropolíticas, pois as mudanças
políticas não mais permitem uma análise de atuação das formas supra
citadas em separado.
A interação entre as duas formas possibilita uma reformulação,
ou melhor, uma renovação de conceitos, atuação e formas de participação
dos indivíduos, inseridos na sociedade global pois as micropolíticas
oportunizam acessos aos indivíduos para que participem das discussões e
enfrentamento das questões e programas políticos. Uma vez que não
restringem sua atuação a espaços delimitados "transformam o próprio
significado do termo democracia" (Siqueira,2003,p.175), propiciando uma
ampla participação através de alternativas diversas das oferecidas pela
política tradicional.
Com o surgimento das micropolíticas temos uma nova esfera pública em
expansão, não-estatal, que se constitui pela sociedade civil, grupos,
ONGS, NMS, de caráter público e com objetivo de promoção e atendimento das
reivindicações. Diante de tal panorama é imprescindível que o Estado
obtenha parcerias com os organismos não estatais, oferecendo sua estrutura
para a obtenção dos resultados, pois as micropolíticas não possuem poder
de ação isolado, senão inserido no contexto do Estado, que, na presente
situação, deve ser compreendido, segundo Held (In MILIBAND,1997,p.68),
como "a base sobre a qual é possível salvaguardar reivindicação de
direitos e liberdades iguais".
Adotando significados introduzidos pelas novas formas como o pluralismo e
a autonomia, necessariamente a política tradicional volta-se para a
solução de novos conflitos e problemas apontados pela sociedade,
transformando-se em estruturas mais complexas e completas, representando,
nos ensinamentos de Siqueira (2003,p.171), "uma mistura de afirmações
bastante globais e de objetivos muito particulares" que representam uma
mudança no estilo de vida, no respeito aos direitos humanos, ofertando
novos significados a princípios universais.
Cabe até mesmo ao próprio Estado o incentivo e a participação de outros
atores na esfera pública, com o estímulo a cooperação e conexão entre os
mais diversos organismos a fim de possibilitar a real democratização dos
processos decisórios utilizando-se a participação de idéias coletivas e
individuais, pois suas decisões não mais se encontram isoladas e sim se
refletem na dinâmica global e afetam outros países.
Estamos hoje diante de uma renovação da política tradicional que torna
Valores históricos, alguns procedimentos e instrumentos tradicionais
compatíveis com as referências culturais, procedimentos e aspirações que
estão se tornando dominantes em nossas sociedades, como resultado tanto do
poder do discurso dominante emergente como dos grupos sociais dominantes
emergentes (ESCUDERO In MILIBAND, 1997,p.297)
Para tanto, faz-se necessário um fortalecimento das relações entre Estado
e sociedade civil organizada para que se possa ter um projeto concreto de
democratização global da sociedade, e tal fortalecimento não pode ser
concebido sem a participação de partidos políticos.
Afirmo isso porque os partidos políticos devem ser considerados como o
instrumento para participação política ou inserção de idéias e
reivindicações políticas dos microgrupos. O modelo tradicional de partido
político está em crise pois se mostra como estrutura hierárquica,
clientelista e que contempla poucos anseios. Segundo Escudero (In
MILIBAND, 1997, p.300) os "partidos políticos são a base da democracia e
das liberdades civis, e por isso tão necessários e presentes.
Faz-se necessário que os partidos políticos possibilitem às micropolíticas
a participação e oferecimento das idéias e discussões aos temas de
interesse da sociedade[2], pois as micropolíticas, isoladas, não possuem
a força necessária para a implementação de seus objetivos. Nesse ponto, os
partidos políticos assumem uma vital importância, não na sua forma
tradicional burocratizada e desacreditada, mas no desempenho de um novo
papel, relativo ao encaminhamento das problemáticas e soluções das
questões levantadas pelos movimentos característicos das micropolíticas.
Para isso se faz necessária a remodelação das formas institucionais dos
partidos, através de uma nova compreensão e interação com os grupos
micropolíticos, com uma verdadeira renovação dos partidos políticos e um
novo posicionamento político frente aos dilemas locais e globais.
Embora constate a participação das micropolíticas na esfera pública,
percebo que as instituições políticas ainda são fechadas à maioria da
sociedade. Com a renovação que aponto, os partidos políticos, em especial,
deverão se transformar em organizações abertas, transparentes e que
oportunizem um verdadeiro acesso aos cidadãos.
O que é necessário é que ocorra uma efetiva colaboração e interação com a
preservação das características de cada pólo, mas com respeito a
diversidade e somando as positividades de cada um, já que assim torna-se
possível atender tanto as demandas da política tradicional quanto das
micropolíticas, vez que não é mais possível conceber as duas formas
agindo isoladamente, senão em uma atuação em conjunto, onde, no somatório
das forças, veremos atendidos os anseios da população.
Trata-se de uma interação onde as micropolíticas, através de seus grupos
constituintes, apontam as áreas a serem contempladas, debatidas e supridas
e os partidos políticos, através de seus representantes, captam as
reivindicações, inserindo-as na agenda política, tudo isso sob a
fiscalização do cidadão, que é quem controla verdadeiramente o processo
político.
No entanto, o papel das micropolíticas em relação aos agentes
políticos tradicionais deve ser entendido como complementar ou
autolimitado (Teixeira, 2001), pois não é possível que substitua tais
estruturas, senão que influa nas decisões políticas produzindo uma
verdadeira renovação política. Afirmo isso porque as micropolíticas não
têm como objetivos a assunção de poderes típicos da política tradicional,
como eleições ou a lógica dos partidos políticos. Elas ocupam as lacunas
surgidas com as alterações da globalização para trazer a tona questões
esquecidas mas de suma importância para a sociedade e, com isso, fomentar
o debate e impulsionar novas reivindicações.
Percebo que, na maioria dos casos, as micropolíticas são constituídas por
grupos politicamente indefinidos, já que tem por objetivo precípuo ver
atendido seu interesse, sua luta. Isso significa que, embora alguns
ofereçam seu apoio a esquerda ou a direita, tal não pode ser considerado
como estável, cumprindo aos constituintes políticos tradicionais saber
interpretar o comportamento dos microgrupos, compatibilizando sua base
tradicional com as atenções que as micropolíticas demandam.
Partindo-se da afirmação que a individualização dos interesses políticos e
sociais traduz a nova forma de participação com a transferência de certas
responsabilidades para as micropolíticas, o fato das mesmas se
constituírem em grupos politicamente indefinidos pode tanto favorecer sua
atuação, quanto possibilitar a cooptação dos grupos pelos partidos
políticos tradicionais, desvirtuando a razão de ser das micropolíticas.
O pluralismo das micropolíticas amplia a descentralização política, quando
demonstra diferenças entre a política tradicional e as novas formas
surgidas com a globalização. Ao mesmo tempo que torna os atores políticos
dispersos, dispersas também são as lutas e alianças políticas, o que pode,
de certo modo, enfraquecer a credibilidade dos movimentos. Afirmo isso
porque, no momento em que as micropolíticas possibilitam uma participação
diversificada, atuando em várias questões ao mesmo tempo, correm um grande
risco de se tornarem uma prática política fragmentada, descontínua.
Da mesma forma, as próprias características inerentes as micropolíticas,
como o pluralismo, a autonomia, a ausência de um centro organizacional
podem, se não utilizadas corretamente, acarretar uma posição contraditória
dentro dos próprios grupos.
Reconhecidamente promotores da autonomia, os movimentos sociais podem
vê-la abalada ou até mesmo perdida em razão do atrelamento dos partidos
políticos às suas idéias, pois constituindo-se os partidos políticos, na
atualidade, em instituições desacreditadas, tal situação faz com que se
lancem em uma busca por apoios e ligações que sejam importantes e
suficientes para determinar sua permanência no poder. Assim, utilizando-se
da fragmentação dos novos movimentos, buscam seu apoio dentro dos grupos
constituintes das micropolíticas.
A necessidade de ver restaurada a credibilidade e a "retomada" do poder
político, bem como a busca pela centralização e o controle exercido pelos
partidos relativamente aos movimentos oportunizam aqueles um atrelamento e
usurpação das questões e bandeiras levantadas pelas micropolíticas que, a
partir disso, correm o sério e verdadeiro risco de ter suas propostas
identificadas com ideologia partidária ou com outros elementos
identificadores da política tradicional, como o autoritarismo, por
exemplo.
Sem possuir relações hierárquicas e com sua organização informal, as
micropolíticas podem ser desvirtuadas se cooptadas pelos partidos
políticos, tornando-se limitadas e sem possibilidade de expansão,
diminuindo consideravelmente o âmbito de atuação e reduzindo, por
conseqüência, sua autonomia.
Afirmo isso pois é justamente a desvinculação dos padrões políticos
tradicionais que caracteriza as micropolíticas e faz com que tenham apoio
popular, com a conseqüente participação efetiva da sociedade civil em seus
grupos constituintes. Se os partidos políticos, ao invés de firmar
parcerias para o trabalho em conjunto com as micropolíticas buscarem
somente usufruir da fragilidade de alguns movimentos, bem como não
discernindo as micropolíticas o papel que cumpre aos partidos políticos de
levar as questões surgidas na sociedade civil até a esfera tradicional do
Poder, a articulação entre as micropolíticas e os partidos políticos não
será bem compreendida, afetando, sem dúvidas, a autoconstituição e
autonomia dos grupos sociais.
Concordo com a afirmação
O liame que se estabelece entre partidos e determinados movimentos sociais
pode comprometer a integração na forma de redes de movimentos, visto que a
tendência ideológica e partidária dos movimentos sobrepõe-se às questões
de defesa da cidadania e à necessidade de estabelecer uma relação
horizontalizada entre atores sociais, pressuposto fundamental para a
construção de uma sociedade democrática.(CHRISTO, 1998)
No entanto, não podemos desconsiderar a importância da articulação entre
as micropolíticas e os partidos políticos, tendo em vista que as
micropolíticas não tendem nem intencionam sobrepor-se aos mesmos, senão a
atuar em conjunto, utilizando-se da estrutura já existente dos partidos
políticos para por em prática as questões e idéias levantadas ou
originadas nos grupos.
Considero que tendo os partidos políticos tradicionais uma forma de fazer
política inversa a forma proposta pelas micropolíticas, se faz necessária
a atuação em conjunto, a fim de não prejudicar a autonomia das
micropolíticas e proporcionar a renovação da política tradicional.
O que percebo é que se as micropolíticas não absorvem questões globais e
lutam somente por seus objetivos específicos, é possível e provável que
ocorra uma política fragmentada, voltada apenas para a satisfação de um
pequeno grupo, o que favorece a cooptação de seus participantes pela
política tradicional sendo que daí os novos movimentos sociais irão
formular sua orientação ideológica passando a autuar como coadjuvantes no
processo político, ao invés da proposta primordial das micropolíticas.
Considero que, se o respeito, a diversidade e a autonomia são
características das micropolíticas, as mesmas devem encontrar o centro
comum para o fortalecimento. Da mesma forma, o pluralismo deve ser
entendido como a forma de contemplar vários e diversos indivíduos e não se
tornar particularismos, assim como a autonomia deve ser pautada pela
identidade do grupo e dos que a compõe, a fim de transpor barreiras que o
limitam a reivindicações imediatas e se prevenir contra a provável
cooptação.
Entretanto, conforme Teixeira (2001, p.195), "o risco da burocratização,
da cooptação de atores sociais ou de alguma forma é contornado por outras
formas de ação coletiva, que vão dos protestos de rua à desobediência
civil".
Além destes, entendo que o fato de os movimentos sociais não visarem
apenas ações periódicas, como as eleições, ou não possuírem uma atuação
embasada na lógica dos partidos afastam, de certa forma, a cooptação, pois
as micropolíticas fiscalizam as ações e responsabilidades dos partidos
políticos acima de tudo, não somente através de alianças, mas pela própria
atuação como movimentos de pressão.
O papel das micropolíticas consiste, efetivamente, em tematizar as
questões que surgem na sociedade e que vem a tona em seus grupos
constituintes para, após, apresentá-las aos órgãos políticos tradicionais
que, então, utilizando-se dos parâmetros apresentados, lançam em cenário
de grande amplitude, proporcionando uma verdadeira participação cidadã.[3]
Ainda, as micropolíticas são formadoras de opinião e fontes de pressão
relativas a política tradicional, através de suas redes locais, regionais,
nacionais ou globais, o que fortalece, por si só, os próprios grupos
evitando uma penetração nociva da política tradicional em seu interior.
Para evitar a cooptação e o desvirtuamento das características das
micropolíticas pelos partidos políticos tradicionais se faz necessário
(...) buscar os vestígios das formas tradicionais de fazer política
(clientelismo, paternalismo, autoritarismo populista ou estalinista) nos
novos movimentos sociais, bem como de buscar os novos estilos de fazer
política nos sindicatos, partidos e instituições governamentais. (WARREN,
1993, p.23).
Com a renovação da política tradicional, representada através dos partidos
políticos, produzida em grande parte pela atuação das micropolíticas, que
repensam e reinventam os objetivos, poderemos concretizar metas almejadas
por nossa sociedade, com um mundo democrático, em condições de igualdade,
com respeito ao ser humano.
Conforme Aronowitz (apud HOLLANDA,1991) "A política
tradicional jamais vai findar, embora constatada sua degeneração em
relação a esfera pública." Entretanto, não se pode conceber o privado, as
micropolíticas, sobrepondo-se ao público, senão uma atuação conjunta das
duas categorias.
As micropolíticas têm uma participação fundamental na
renovação política, na medida que provocam a revisão e a reformulação de
práticas políticas tradicionais, dentro dos partidos políticos, até mesmo
propiciando a formação de novos partidos, surgidos a partir da hegemonia
buscada por certos movimentos. Somente atingindo um novo equilíbrio entre
sociedade civil e Estado, ampliando a democratização e oportunizando cada
vez mais a prática da cidadania, poderemos falar em uma real renovação
política, que contará com a participação de toda a sociedade.
Concordando com Siqueira (2003,p.172), "estamos falando de uma concepção
ampla e não restrita de política", pois a política se renova e está a se
renovar, em especial, através da interferência e a partir do surgimento
das micropolíticas. Assim, conforme Beck;Giddens;Lasch (1997,p.30) "a
constelação da sociedade industrial está se tornando não política,
enquanto que o que não era político no industrialismo está se tornando
político "[4]
Com as transformações proporcionadas dentro da sociedade civil, através
das micropolíticas, e a área de abrangência do Estado, que deve absorver
as idéias novas, é possível se falar em uma verdadeira construção da
cidadania, pois a mesma está diretamente relacionada com a ampliação da
participação social e comunitária.
A partir do momento que as micropolíticas desenvolvem seu trabalho nos
mais diversos níveis, através da articulação entre seus vários pontos de
atuação, sejam eles locais ou globais, oportunizam novos espaços
comunitários e oferecem novas possibilidades para o exercício da
cidadania, que não mais se restringe ao voto.
Com a abertura de novas possibilidades de participação para grupos e
indivíduos antes excluídos, a nova cidadania "habilita novos aspectos da
vida social para se tornarem parte do processo político" (Siqueira, 2002),
pois se utilizam do cotidiano de cada indivíduo, de suas necessidades,
reivindicações e obrigações para informar o poder político do que
necessita ser atendido.
Assim, a nova cidadania pode ser traduzida como a participação livre e
efetiva dos indivíduos nas questões políticas e sociais, e se consolida em
razão do surgimento das novas categorias por mim apontadas no decorrer dos
capítulos anteriores, como o pluralismo e a autoconstituição, mas,
sobretudo, em face das mudanças surgidas com a globalização, e que
alteraram nossas referências anteriores, mostrando-nos um novo panorama
político.
A partir disso, se torna possível perceber o que salientei relativamente a
interatividade das duas formas políticas, pois a nova cidadania se forma
nas micropolíticas, mas é exercida também e principalmente no espaço
público da política tradicional, influenciando decisivamente em sua
renovação.
Com a interatividade da política tradicional e das micropolíticas temos
hoje uma redefinição do conceito de cidadão, de democracia e de
participação, pois a democracia na nova política ultrapassa as formas
parlamentares, já que se volta para necessidades básicas do indivíduo, mas
de forma globalizada, reconhecendo-se a existência da política em todos os
lugares, e não somente nos espaços formais. Assim, com o surgimento das
micropolíticas os problemas antes considerados individuais dependem de
decisões políticas globalizadas.
Não é mais possível que existam decisões isoladas, deslocadas
que não observem os vários grupos sociais, os interesses dos mais diversos
cidadãos. Daí afirmo que, com a interação dos dois organismos políticos,
os cidadãos passam a ser inseridos em uma comunidade política que oferece
possibilidades de livre associação e escolhas, com respeito a diversidade
e autonomia de seus membros, proporcionando uma participação cidadã e
democrática.[5]
[1] No espaço publico (fóruns, redes, plataformas) tematizam-se questões de
interesse geral, realizam-se negociações, formulam-se proposições de
políticas públicas e pode-se exercer o controle social (Teixeira, 2001,
20).
[2] Escudero (In Miliband, 1997, 300-01) afirma que o núcleo da alienação
dos partidos em relação á sociedade é a natureza anômala e autônoma que
eles mostram hoje em dia. Há uma necessidade de novas formas de controle e
participação da sociedade, de modo que aqueles que participem de decisões
de partidos não sejam, como hoje em dia, uma porcentagem minúscula de
votantes.
[3] Segundo Teixeira (2001, p.20) a participação cidadã se constitui de
ações organizadas e planejadas, ou, as vezes, espontâneas, numa relação
contraditória entre os diversos atores, desenvolvendo-se e
cristalizando-se em determinados espaços públicos.
[4] Siqueira (2003, p.173) afirma que é possível perceber tal fato "quando a
política partidária, com objetivos alheios ao cidadão, é superada por uma
'política de contexto' ( Feher;Heller, 1994), como a forma e se fazer
política pós-moderna".
[5] Conforme Held ( In Miliband, 1997, p.68), se democracia significa
governo pelo povo, a determinação da decisão pública tomada por membros
igualmente livres de uma comunidade política, então a base de sua
justificação reside na promoção e intensificação de autonomia para os
indivíduos e a coletividade. E esta justificação supõe que as pessoas são
os melhores juízes de seus próprios fins, que elas são capazes de
respeitar as capacidades, umas das outras e que elas podem aceitar o
caráter autêntico e ponderado do julgamento dos outros.