UM CAMINHO PARA A RENOVAÇÃO: AS MICROPOLÍTICAS*
Autora: ROBERTA CANELLO
*
Este texto faz parte da monografia de conclusão do curso de especialização empensamento político brasileiro, defendida na UFSM em 21/06/2005
Orientador: Prof. Dr. Holgonsi Siqueira
As modificações nas estruturas políticas como conseqüência do processo de
globalização, dão respaldo ao
surgimento do que vou denominar de "uma nova forma de se fazer
política",que se traduz através das micropolíticas.
Com a perda de definições antes claras, como direita e esquerda, público e
privado, percebemos hoje uma maior individualização nos interesses
políticos e sociais, bem como nos conflitos existentes. Tal situação,
contudo, não significa um desengajamento político, e sim uma nova maneira
de participação, transferindo a responsabilidade de mudanças do Estado, da
política tradicional, para outras esferas, constituintes das
micropolíticas.
Cada vez mais é possível perceber o distanciamento gradual dos indivíduos
de suas opiniões políticas tradicionais, quase inexistindo um perfil
determinante. O que ocorre é que, em determinadas situações vinculam-se em
um lado conservador, e, em outras, prevalecem opiniões de vanguarda. Na
verdade, os padrões de referência não são mais rígidos e inflexíveis, mas
sim uma combinação dos dois pólos da política tradicional.[1]
Como afirma Siqueira (2003,p.171) "Identidades coletivas de classe e os
grandes partidos são substituídos por formas plurais e específicas", que
vem a cada dia se firmando no cenário político como a forma de
participação encontrada por grupos antes afastados da organização
política.
Percebemos na atualidade uma crise no modelo tradicional da política, onde
enfatizo a crise dos partidos políticos. Anteriormente, os partidos
políticos tinham como uma de suas características a "ligação" entre a
sociedade e seus anseios, e o Estado como provedor dos mesmos. Hoje os
partidos já não exercem tal finalidade, pois se tornaram estruturas
clientelistas e hierárquicas que contemplam tão somente o voto como forma
de participação cidadã, afastando-se cada vez mais dos cidadãos e das
questões públicas.
Os partidos tradicionais se caracterizam por uma estrutura hierarquizada,
onde dirigentes e funcionários executam decisões que não contam com
participação popular, se afastando progressivamente dos cidadãos. Tal
estrutura, conseqüentemente, enfraqueceu a participação política,
desvinculou os eleitores até o descrédito que percebemos hoje, já que não
é mais possível executar mudanças necessárias, sociais ou econômicas,
através dos partidos políticos, tamanha a desvinculação dos mesmos em
relação a sociedade.
Os antigos sistemas representacionais da sociedade, os partidos políticos,
constituem-se cada vez mais em instituições desacreditadas, burocratizadas
e que não refletem os anseios populacionais, suscitando a criação de novas
formas de se fazer política, desvinculando-se do modelo tradicional,
conclamando a sociedade a participar do processo político, possibilitando
locais para expressão das opiniões através dos grupos constituintes das
micropolíticas.
Concordo com Siqueira (2003) quando o mesmo afirma que os partidos
ignoraram as questões do cotidiano e conseqüentemente valores
relativamente óbvios de dignidade e de qualidade de vida. Tal
comportamento acarretou uma verdadeira desilusão e indiferença da
sociedade civil em relação às instituições políticas, favorecendo ainda
mais a formação e o surgimento das novas formas de se fazer política.
Os partidos políticos e seus representantes não são mais os detentores do
poder político, que hoje se encontra em outros organismos. Isso porque na
atualidade, os cidadãos não mais aceitam que seus interesses sejam
discutidos em locais de difícil acesso, sem que sua opinião seja ouvida.
Desejam participar das discussões políticas e das decisões democráticas,
não somente através do voto, mas opinando efetivamente, se fazendo ouvir e
tendo suas reivindicações atendidas.
Estamos diante de uma descentralização do poder político, que se constitui
segundo Giddens (In MILIBAND, 1997, p.50) em "condição da eficácia
política da exigência de fluxo de informação de baixo para cima, e do
reconhecimento da autonomia."
Não mais podemos conceber a existência de uma política baseada em
interesses e percepções de classes distintas, já que as divisões da
política tradicional, como direita/esquerda, cada vez mais, ainda, sofrem
transformações que refletem o movimento globalizador.[2]
Ao adotar uma concepção bipolar, dividida entre direita e esquerda, a
política reveste-se com uma forma fixa, estabelecendo objetivos opostos
com direções definidas. A globalização, conforme já apontei, veio
desestruturar a rigidez das posições bipolares, trazendo ao cenário
político novos atores que não se encontravam inseridos nos modelos
tradicionais de partidos políticos, parlamento e sindicatos.
A nova forma política que destaco no presente trabalho tem como uma de
suas características a incompatibilidade com qualquer política redentora,
que, segundo Feher; Heller (2002, p.54) é "aquela em que se vê um único
gesto final como portador da redenção última da sociedade e para cada
pessoa que nela vive". Digo incompatível pois vivemos em um estágio de
desenvolvimento que não permite a projeção de ações visando resultados a
longo prazo. O que importa é o aqui e o agora, que as soluções sejam
apontadas e os problemas solucionados de forma quase imediata.
A política moderna preocupava-se com os conflitos entre o Estado e as
organizações de classe e, como diz Siqueira (2003,p.165), "deixava de lado
questões específicas dos indivíduos e de microgrupos em geral". Justamente
nesse ponto emerge a nova política, que se apresenta com características
próprias e se liberta dos padrões da modernidade[3].
A nova forma política que apresento neste trabalho traz, em sua
constituição, nas palavras de Warren (1996,p.52), uma "ideologia do
antiautoritarismo e descentralização do poder" . Com a busca da
democratização da sociedade questionam e revisam o autoritarismo presente
no Estado e nos partidos políticos, através da ruptura que estabelecem
diante das práticas políticas tradicionais.
Devido a descentralização do poder, ocasionada pela desterritorialização,
conforme abordei no capítulo anterior, as ações políticas se encontram
dispersas em diversos locais, o que não impede as possibilidades de ação
ou mudança das relações sociais. Pelo contrário, a dispersão dos atores
políticos favorece e impulsiona o surgimento de novas demandas e
reivindicações, que abrangem todas as esferas sociais, sem esquecer o
próprio cotidiano.
Assim, a crise dos partidos políticos, somada as transformações das
concepções bipolares e tradicionais da política moderna trazem a tona o
surgimento da nova forma da política: micropolíticas, que não podem ser
enquadradas nas instituições clássicas.
Digo isso porque micropolítica, segundo Beck (1997,p.35), "significa
moldar a sociedade de baixo para cima", que nada mais é do que a
minimização do espaço da política tradicional, sua perda de poder.
As micropolíticas se constituem como novos espaços de poder ocupados pela
sociedade civil em relação ao Estado, permitindo a participação dos
indivíduos, através de novos elementos como autonomia, descentralização e
pluralismo, respeitando a diversidade, culminando com uma participação
democrática e efetiva.
Através das micropolíticas, e não da política tradicional, os temas de
interesse da vida dos indivíduos são trazidos a agenda política, com a
interferência direta dos grupos e movimentos constituintes das
micropolíticas, que são todos os movimentos e organizações que surgiram, a
partir da década de 80, com um objetivo diverso e contestador da ordem
política tradicional, que se utilizam de vias não institucionalizadas para
efetivamente se fazer ouvir.
Entre as organizações características das micropolíticas, destaco, na
impossibilidade de enumerar todos, os Novos Movimentos Sociais (NMS),
Organizações Não-Governamentais (ONGS), organizações de bairro, escolas,
entidades civis sem fins lucrativos, os movimentos feministas, ecológicos,
anti-racistas, pela paz, pela infância, movimentos dos sem-terra, sem
-teto, o novo sindicalismo, voluntariado, auto-ajuda, de consumidores,
pacifistas, de estudantes, de docentes, enfim, todos os grupos que se
constituem sem relações hierárquicas e com organização informal, criando
uma gama de relações sociais no cotidiano que, nas palavras de Warren
(1996,p.57), são "pautadas por formas coletivas de tomada de decisão,
democratização completa das informações e um crescimento das práticas
comunitárias" .
Os NMS, ONGS, grupos comunitários e outras entidades introduzem uma nova
concepção política relativa à prática tradicional. Através desses grupos,
possibilita-se uma articulação de novas idéias, concepções diversas das
tradicionais, uma maior participação social[4].
Esses assumem, de forma efetiva, o papel antes exercido somente pelos
partidos políticos, e até mesmo pelo Estado, que não mais podem ser
entendidos como representações absolutas e sim como escreve Siqueira
(2003,p.174) "constituintes de uma formação social hiperplural, na qual os
novos movimentos têm um papel decisivo e independente".
Na verdade, as micropolíticas oferecem o espaço buscado pelo indivíduo que
planeja participar do processo político expressando suas opiniões,
reivindicando direitos e soluções aos problemas. A busca por esse espaço
longe dos locais tradicionais da política, em direção inversa ao que
oferecem o Estado e os partidos políticos confirma a crise atravessada
pelos mesmos e uma verdadeira transformação nos locais da política.
Através das micropolíticas, possibilita-se aos grupos, agentes, indivíduos
e movimentos antes afastados do processo político uma participação efetiva
no arranjo da sociedade, na verificação e indicação das prioridades
sociais. Na verdade, as micropolíticas se orientam na direção de uma
sistematização da sociedade.
Isso porque oportunizam a formação e expansão de novos grupos políticos
independentes de reconhecimento dos modelos políticos tradicionais ou
bipolares e, no momento que as decisões são tomadas dentro de cada grupo
específico e aplicadas tanto de forma local quanto global, acabam por
resgatar a participação política dos indivíduos antes excluídos deste
processo.
Segundo Beck (1997,p.30) "Procuramos o político no lugar errado, nas
tribunas erradas e nas páginas erradas dos jornais". Hoje a política se
encontra nas mãos dos cidadãos organizados em ONGS, NMS e demais
organismos, que introduzem uma nova concepção política relativa a pratica
tradicional. Através desses grupos, possibilita-se uma articulação de
novas idéias, concepções diversas das tradicionais, uma maior participação
social, originando uma forma de renovação política.
Através de seus organismos, as micropolíticas estão criando novos grupos
sociais diversos dos tradicionais, redefinindo o espaço de atuação da
sociedade através da valorização de laços antes esquecidos, como a
solidariedade, a igualdade e as decisões coletivas, democratizando
práticas cotidianas e incentivando a participação popular.
Considero que as micropolíticas introduzem novas concepções relativas ao
poder político da sociedade e do Estado, quando nos apresentam o Estado
como um ausente, distanciado das questões sociais e de base, ao passo que
a própria sociedade é responsável pelo próprio destino.
Conforme discorri no primeiro capítulo, a globalização fez com que o
Estado deixasse de ser o centro do poder, reduzindo sua autonomia e se
dividindo em vários organismos, com sua atenção voltada para setores macro
e econômicos, com ênfase especial na política externa.
A partir desta nova realidade, as micropolíticas encontram um amplo espaço
de atuação, já que, ao mesmo tempo que visam estabelecer um novo
equilíbrio entre o Estado e a sociedade civil, atuam nas questões
"esquecidas" pelo Estado, pois no momento em que as novas formas políticas
têm nas relações comunitárias a base para a constituição dos grupos,
incentivam a coletividade a participar ativamente do processo político,
através de uma nova interpretação dos direitos e da participação.
Nesse entendimento
(... )os movimentos sociais devem ser vistos também (e neles é claro, seus
agentes) como produtores da História como força instituintes que, além de
questionar o autoritário e capitalista, questionam com sua prática, a
própria centralização/burocratização tão presente nos partidos políticos."
(REZENDE apud WARREN, 1996,p.38)
Acrescento ainda que as micropolíticas contribuem de forma significativa
no momento que se desvinculam da política tradicional e dos partidos
políticos, porque a formação de grupos, comunidades, associações,
movimentos, ONGS, possibilita a participação efetiva do indivíduo no
processo de construção e questionamento de novos valores e soluções de
velhos e novos problemas, oportunizando um verdadeiro desenvolvimento e
exercício da cidadania, já que no dizer de Warren (1996,p.55)
"transformar não é só modificar a sociedade a partir do aparelho do
Estado, é modificá-la também nas ações concretas da sociedade civil".
Dois fatores básicos possibilitam a caracterização das micropolíticas:
nelas se verifica uma participação de outros agentes diversos daqueles do
sistema tradicional político-partidário, atuando em áreas como a do
planejamento social; e, além de grupos, percebe-se a presença dos
indivíduos competindo entre si e com grupos pelo poder que emerge do
político.
As micropolíticas voltam-se para o apontamento, discussão e formas de
solução para problemas diversos daqueles presentes na agenda política
tradicional, sempre enfatizando suas características diferenciadas e
inovadoras, quando discutem questões contextualizadas na atualidade,
através de um diálogo entre os mais variados grupos que as compõe.
Aproximam a política dos indivíduos, e oportunizam de forma presente a
participação de todos na construção de um novo modelo político, de uma
nova cidadania.
Ainda, proporcionam uma participação diferenciada da política moderna
quando se utilizam da sociedade para a criação de sua própria rede. Isso
porque decisões e inovações, cada vez mais, originam-se longe da esfera do
poder tradicional. Conforme Enzensberger (apud BECK;GIDDENS;LASCH, 1997,
p. 53) "só quando uma idéia se torna uma banalidade ela passa para o
âmbito da responsabilidade dos partidos políticos" .
Sua atuação se dá, na maioria das vezes, relativamente a assuntos
"esquecidos" pelo Estado, como ecologia, direitos humanos, questões de
gênero, até que seus núcleos localizados nos mais variados e longínquos
pontos se unem pela mesma causa, trazendo a questão para o debate
coletivo, em um local de grande espaço e observação, chamando a atenção da
coletividade, que, por sua vez, é alvo principal das micropolíticas,
quando oferece o meio para a expressão dos desejos e propostas dos novos
atores políticos surgidos com a globalização com respeito as diferenças,
identidades, perspectivas.
Partindo muitas vezes de uma formação e atuação local, organizada em
pequenos grupos, as micropolíticas interagem com outros organismos,
inserindo-se em locais de maior amplitude e tomando proporções que fogem
do âmbito local para se tornar movimentos globais principalmente em razão
das redes formadas pelas micropolíticas, pois os movimentos locais tendem
a associar suas reivindicações com outros movimentos, mesmo que distantes,
interagindo de uma forma ampla e irrestrita, tornando-se viável a um
número cada vez maior de pessoas.
As redes formadas pelas micropolíticas representam o meio em que se produz
a articulação, cooperação, troca de idéias, tematização, discussão e
resolução dos problemas apontados, que incluem tanto os grupos e
movimentos formais quanto os informais. Pelas redes é possível a
realização de transformações abrangentes e dinâmicas em razão da troca de
experiências entre os grupos, além de estratégias de atuação.
Através das redes que estabelecem as micropolíticas se possibilita a
concretização de mudanças de caráter global, que se iniciaram no interior
de pequenos grupos e se espalham entre todo o espaço social. As redes
podem ser encontradas em todas as esferas de atuação das micropolíticas,
através das quais é possibilitado aos "atores políticos um melhor
entendimento dos mecanismos de poder do que grandes partidos", nas
palavras de Siqueira (2003,p.183).
A atuação em rede oportuniza o desenvolvimento de um diálogo entre os
movimentos, entre esses e os indivíduos, constituindo-se em uma renovação
no conceito de democracia, já que possibilitam aos indivíduos uma nova
forma de exercício da cidadania, uma vez que através de seus movimentos, é
possível a reivindicação de direitos e a conscientização de deveres,
tarefa essa que não é mais atribuída ao Estado, isoladamente.
Através de sua capacidade de agregar as mais diversas formas políticas,
sociais, culturais, decorrente de uma estrutura decisória descentralizada,
as micropolíticas dão respaldo a um movimento de renovação política no
momento em que apresentam práticas diferenciadas da política tradicional,
expondo a realidade de um grupo, comunidade local até o espaço global.
Para uma eficaz compreensão do processo de construção e desenvolvimento
global das micropolíticas, e seus reflexos na política tradicional,
devemos associá-la a conceitos como pluralismo, autoconstituição e
autonomia, que refletem em nossas escolhas e atos, bem como nas tomadas de
decisões.
A globalização trouxe, como característica principal na política, o
pluralismo, que se faz presente nos indivíduos constituintes da nova força
de ação, nas atuais formas de organização política e nos temas da agenda
política da pós-modernidade.
Assim observamos que
A falta de massas defendendo um projeto revolucionário nas ruas não
significa, na pós-modernidade, apatia política, uma vez que a política
moderna é micropolítica, voltada para qualquer grupo social e com
múltiplos objetivos (SIQUEIRA, 2003.p.163).
O pluralismo é característica das micropolíticas por excelência, onde nos
é permitida a celebração da diferença e a promoção de projetos políticos
de alcance global e local. Na verdade, o pluralismo pode ser traduzido
como uma reação à política centralizada na massa, vez que não mais podemos
falar em identidades coletivas de classe e sim em indivíduos diversos.
Feher; Heller (2002,p.16) traduzem tal idéia quando afirmam
que "a condição política pós-moderna se baseia na aceitação da
pluralidade, de culturas e discursos. O pluralismo (de vários tipos) está
implícito na globalização como projeto".
Ademais, a globalização somente pode ser definida
utilizando-se o pluralismo, vez que este se manifesta na ainda "contínua
criação de questões sociais novinhas em folha, e muitíssimo diversas",
conforme Feher; Heller (2002,p.22).
Concordo com Heller quando afirma que a globalização consiste
em ver o mundo como uma pluralidade de espaços e temporaneidades
heterogêneos. Em minha opinião, o pluralismo desenvolvido com a
globalização é significativo no surgimento das micropolíticas, vez que
atua com fundamental importância na medida em que as diferenças são
visualizadas e respeitadas utilizando-se das mesmas para a construção de
movimentos transformadores.
O pluralismo possibilita, sem dúvidas, o surgimento de novos
grupos, diferentes das classes, que vão atuar nas áreas de interesse dos
mesmos. Não há mais uma totalidade, uma só expressão, uma só vontade. O
pluralismo permite a descentralização das ações, a participação dos mais
variados indivíduos, o que oferece maiores possibilidades de atuação e
concretização de projetos em uma estrutura decisória descentralizada onde
são agregados a diversidade política. Ainda, reforça conceitos de
identidade coletiva, eliminando o totalitarismo e as soluções únicas,
fomentando a construção de diversas culturas e identidades.
Nesse sentido
A liberdade da particularidade e do bem estar do indivíduo repousa no
pluralismo. A sociedade civil, esfera que compreende a particularidade na
era moderna, consiste de uma variedade de instituições, integrações,
corporações, profissões e coisas assim. (FEHER;HELLER, 2002.P.82/83)
Com o pluralismo é possível a aproximação da política aos indivíduos,
através da descentralização do poder político e incentivando as
iniciativas de indivíduos ou de pequenos grupos, ampliando-se a
participação política.
Ao mesmo tempo que o pluralismo veio expandir a participação política e
dar oportunidade a idéias individuais, rompendo o conceito de consciência
de massa ou de uma só consciência, pode, por outro lado, dificultar o
surgimento de um objetivo coletivo, quando dispersa lutas políticas em
vários grupos, atuando em diversas frentes. Digo isso porque, se não bem
utilizado, pode acarretar a dispersão das lutas sociais, o fracionamento
das ações coletivas e a formação de grupos heterogêneos, sem qualquer
ligação e, ao fracionar a ação política, não mais se percebe a organização
coletiva dos indivíduos em torno de um único objetivo. Temos sim vários
grupos lutando cada qual por seu objetivo.
Entretanto, tais questões, como a fragmentação, as lutas localizadas e o
individualismo não podem ser analisados através de conceitos e concepções
da política tradicional porque, com a globalização, como diz Siqueira
(2003,p.181) "o pluralismo, os atores políticos e suas lutas são novos ou
recriados" .
Estamos diante de uma transição entre um modelo totalizador de política
tradicional para um pluralismo efetivo das micropolíticas que se fragmenta
em várias direções, com uma característica tipicamente ambivalente, pois o
pluralismo não possui uma direção definida, uma opção única, orientando as
ações dos indivíduos das mais variadas formas.
Assim, compreendo o pluralismo como uma possibilidade de expansão
ilimitada das idéias políticas, priorizando uma gama de direitos e
valorizando a participação política dos indivíduos. Na verdade, enfatizo
que o pluralismo possibilita o fim do distanciamento político, ao oferecer
alternativas e possibilidades renovadas, gerando, segundo Siqueira (2003
p.181), uma "nova era política que não se deixa compreender sob as
categorias e conceitos da política moderna" .
Por isso salientei a importância das redes que compõe as micropolíticas,
vez que, partindo de uma dispersão de vários interesses, os microgrupos se
unem e, ao invés de observar problemas individuais, através das redes se
voltam ao coletivo, com um objetivo global.
Afirmo isso porque, primordialmente, analisavam-se as micropolíticas sob
uma ótica restritiva, enfatizando-se seu aspecto local, comunitário.
Indiscutivelmente, é a experiência localizada e a efetivação concreta dos
movimentos em âmbito local que, conforme Warren (1996,p.07), "amplia
enormemente as perspectivas de transformações sociais" , mas, na
atualidade, os movimentos constituintes das micropolíticas não podem ser
compreendidos isoladamente e com atuação localizada, senão como inseridos
em um mundo globalizado e atuando através de suas múltiplas e diversas
redes.
Dessa forma, a multiplicidade caracteriza a agenda política das
micropolíticas, pois surgem novos desafios políticos que representam a
pluralidade de expectativas e reivindicações, complexas e diversas.
Outra característica marcante da nova política pode ser encontrada na
autoconstituição dos movimentos políticos pós-modernos. Significa nada
mais que esses movimentos adquiriram uma autonomia própria, não mais
dependendo dos atores políticos tradicionais ou dos intelectuais para se
fazerem ouvir.
Não mais se subordinam à espera da vontade dos agentes, mas adquiriram voz
própria e autonomia para lutar por seus objetivos. Freqüentemente,
utilizam-se da autonomia para denunciar injustiças e lutar por suas
reivindicações.
Segundo Aronowitz (apud HOLLANDA, 1991p.71) "Os novos movimentos sociais
são autoproduzidos" o que implica em uma nova formação que não se vincula
a conteúdos típicos da política tradicional.
Ao ultrapassar as formas parlamentares de representação, as micropolíticas
podem ser tanto locais quanto globais, já que atuam na defesa de seus
interesses, que, muitas vezes, vão de encontro as aspirações estatais.
Concordo com Aronowitz (apud HOLLANDA, 1991, p.173) ao dizer que as
micropolíticas "tomam emprestado livremente os termos e propagandas da
modernidade, mas colocando-os em novos contextos discursivos". Isso
porque, muitas das bandeiras difundidas pelos novos movimentos, como
feminismo e sindicais, por exemplo, se fazem presente no cenário político
há vários anos, mas têm seus princípios diretores remodelados e renovados
com as transformações ocorridas e que ainda ocorrem.
A pauta de reivindicações não é mais a mesma, assim como restou modificada
a atuação e a direção das lutas, embora não signifique o fim das mesmas.
Cito como exemplo o sindicalismo. Não é possível interpretar as lutas
sindicais atuais como no período nos anos sessenta. Hoje, como diz
Aronowitz ( apud HOLLANDA, 1991,p.172) "o movimento sindical se constitui
por uma rede de afinidades culturais", onde se percebe uma ampla visão
social, mas ligado diretamente as suas comunidades de base e locais de
trabalho.
Da mesma forma, temos o movimento feminista. Desde o inicio do século,
observamos a luta das mulheres para sua emancipação, desde o direito ao
voto até a igualdade de condições com os homens. Precipuamente constituído
de algumas poucas mulheres, com o passar dos anos no decurso das
modificações globais, o movimento continua a existir, de forma remodelada,
não mais visando somente as mulheres, embora o objeto principal, mas
também a qualidade de vida, bem-estar e oportunidades para todos.
Assim, a partir da remodelação dos movimentos já existentes, foi possível
a autoconstituição de inúmeros outros, que observam, dentre vários
fatores, a situação estrutural e conjuntural existente, a localização e
expansão geográfica e cultural, por exemplo, na finalidade de atender seus
próprios anseios, mas que os mesmos possam a se tornar anseios globais.[5]
Não é possível se falar em autoconstituição sem salientar a importância da
autonomia nesse processo, tanto da autonomia das micropolíticas quanto da
autonomia dos indivíduos.
A autonomia dos novos movimentos políticos acarreta uma "intensificação da
solidariedade" (Giddens), no momento em que as lutas deixam de ser locais
para se tornarem globais, já que a união entre os movimentos se dá de
forma espontânea, e não imposta. Os grupos constituintes das
micropolíticas são considerados autônomos quanto ao Estado, vez que não
dependem do mesmo para sua formação e atuação, embora essa possua
interferência significativa, senão fundamental, dentro da área estatal.
Ainda, a autonomia dos movimentos compreende, também, um respeito pela
autonomia econômica e política de cada contexto (Siqueira), em face da sua
atuação muitas vezes localizada.
Considero que as micropolíticas têm, além do pluralismo, a promoção da
autonomia dos indivíduos como uma de suas lutas mais marcantes. Isso
porque, segundo Siqueira (2003,p.186), "um dos objetivos básicos da
política pós-moderna é a busca da organização da vida coletiva de tal
forma que o indivíduo possa agir livre e independentemente nos ambientes
da vida social" .
A autonomia constitui-se, nos dizeres de Siqueira (2003), como um
"princípio mobilizador" das novas práticas políticas e é baseada no
reconhecimento da independência pessoal e da independência social como
forma de maior participação política dos indivíduos em uma sociedade
globalizada.
Deve ser entendida no sentido de que aos indivíduos possibilitem-se a
escolha livre das condições de vida, associação e direção da sociedade com
a finalidade de se construir uma sociedade verdadeiramente democrática.
Tal condição se faz presente nas micropolíticas, que dão voz e vez aqueles
que se encontravam marginalizados, excluídos do processo político
tradicional.
Ao trabalhar com microgrupos, que podem ou não representar minorias, as
micropolíticas desenvolvem consciências críticas em personalidades antes
conformadas com a situação, fazendo com que os indivíduos se posicionem
efetivamente na busca de melhores condições de vida.
Pelo princípio da autonomia[6], é possível a igualdade dos indivíduos e, a
partir daí, a realização de projetos, tanto individuais como coletivos. E
mais, é possível a convergência das ações a um determinado objetivo,
quando a coletividade concorda, livremente, que tal deva ser atingido.
Ocorre que, para o desenvolvimento da autonomia, no sentido que aqui
descrevo, é necessário que os indivíduos possam desfrutar das mesmas
condições de vida e de uma estrutura comum, mesmo dentro de seus
microgrupos, porque, inexistindo tais condições, não é possível se falar
em uma convergência de interesses.
Concordo com Held quando diz que:
Aqueles que não tem acesso, por exemplo, a renda adequada, a oportunidades
educacionais ou a mídia organizada não tendem, em sociedades como a nossa,
a ser capazes de exercitar seu potencial como cidadãos ativos (HELD In
MILIBAND, 1997,p.70).
Dessa forma, para possibilitar a autonomia é necessário um desenvolvimento
de condições de igualdade, de consciência crítica e de uma desvinculação
da política tradicional. Tal desvinculação vem sendo fomentada, na
atualidade, através das micropolíticas, que criam ou oferecem estruturas
diferenciadas das encontradas na política tradicional.
Ao proporcionar uma reordenação nas atividades políticas dos indivíduos e
também da coletividade, a autonomia, além de propiciar um maior número de
ações, fomenta também uma interdependência porque, assim como o
pluralismo, a autonomia a que me refiro não significa particularidade ou
egoísmo, mas uma forma de agir em que o próprio indivíduo busca, nos novos
movimentos, a satisfação de suas necessidades conforme suas prioridades,
desvinculando-se da política tradicional, do Estado como provedor das
necessidades.
[1] Beck (1997, p.33) afirma que "todo mundo pensa ou age como um direitista
ou um esquerdista, de maneira radical ou conservadora, democrática ou não
democraticamente, ecológica ou antiecologicamente, política e não
politicamente, tudo ao mesmo tempo. Todos são pessimistas, pacifistas,
idealistas e ativistas em aspectos parciais do seu ser".
[2] Segundo Feher; Heller (2002, p. 13), surgem na direita e na esquerda,
inconfundíveis tendências de políticas pós-modernas baseadas na função e
visando à função, num duplo sentido. Visam, em primeiro lugar, a
fortalecer ou eliminar, respectivamente, uma função individual da
modernidade.São os movimentos que surgem arrasadoramente como ações sobre
um único problema e que epitomizam a política funcionalista pós-moderna.
Em segundo lugar, mais uma vez na direita e na esquerda há as tentativas
mais gerais de reorganizar a rede de funções existentes de uma determinada
sociedade. As tendências e rebeliões na política atual não podem ser
entendidas em categorias de classe modernistas, pois sua interpretação em
termos estritamente estruturais (de classe) levaria a resultados absurdos.
[3] Ainda conforme Siqueira, (2003, p. 167), a nova política se caracteriza
também como uma forma de "oposição às políticas de classe e de partido do
tipo totalizante.
[4] Nesse sentido, Beck (1997, 35-36) afirma que "há oportunidades
crescentes de se ter uma voz e uma participação no arranjo da sociedade
para grupos que até então não estavam envolvidos... os cidadãos, a esfera
publica, os movimentos sociais, os grupos especializados, os trabalhadores
no local de trabalho..."
[5] Sobre a localização dos movimentos, diz Warren (1996,p. 52): O Novo
Sindicalismo está consideravelmente mais amadurecido como tal no eixo da
Grande São Paulo. Os novos movimentos de Bairro tem tido maior expressão
em centros urbanos maiores. O movimento ecológico irradiou-se a partir de
Porto Alegre desenvolvendo-se sobretudo na Região Sul e no Rio, São Paulo
e Minas Gerais. O movimento feminista teve seu maior poder de mobilização
política, inicialmente, no Rio e em São Paulo, expandindo-se depois para
outras regiões do país. O Movimento dos Sem-Terra teve seu principal pólo
aglutinador no Paraná, irradiando-se com força para Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Mato Grosso.
[6] Segundo David Held (in MILIBAND, 1997, p.69), o princípio da autonomia
pode ser enunciado da seguinte forma: as pessoas deveriam gozar de
direitos iguais (e, conseqüentemente, de obrigações iguais, na estrutura
que gera e limita as oportunidades a elas disponíveis, isto é, elas
deveriam ser livres e iguais na determinação das condições de suas
próprias vidas, até onde elas não utilizem esta estrutura para negar o
direito de outras.