EVENTO QUE SE REALIZARÁ

L * Convidamos para a feira do gado, que realizar-se-á de 12 a 15 de março.

A frase acima foi assinalada com uma carinha feia porque contém um equívoco de redação. Existem erros que passam despercebidos, mas o meu ouvido logo acusa uma falta de eufonia no trecho "que realizar-se-á". Como o pronome relativo tem a faculdade de atrair as partículas átonas, como o ‘se’, o correto é redigir assim:

- Convidamos para a feira do gado, que se realizará de 12 a 15 de março.

 

O que leva muitos redatores a usar a mesóclise ‘realizar-se-á’ nesse tipo de frase? É que aqui o verbo está no ‘futuro do presente’, e se aprende na escola que a mesóclise [intercalação de pronome átono no verbo] é usada nos tempos futuros. Isso é apenas a metade da questão. Falemos antes sobre esse tempo verbal.

 

 

O futuro

Em português temos dois tempos de futuro no modo Indicativo: o do presente, com as terminações ei, ás, á, emos, eis, ão (eu direi, tu cantarás...) e o futuro do pretérito, com as terminações ia, ias, ia, íamos, íeis, iam (eu diria, tu cantarias...). Este último já foi chamado de ‘tempo condicional’, e é assim que se denomina em francês (conditionnel) e em italiano (condizionale).

No latim vulgar o futuro clássico foi substituído por uma composição do infinitivo de um verbo com o indicativo do verbo haver: saber + hei (ou hei de saber) = saberei; falar + hás (hás de falar) = falarás; realizar + hia (por havia) = realizaria. A princípio havia certa liberdade na ordem de colocação do infinitivo, que podia vir antes ou depois do verbo haver, mas depois ele acabou se fixando no primeiro lugar da construção. Entre nós ficou a consciência dessa formação original do tempo futuro, tanto é que se pode intercalar nele o pronome oblíquo átono [me, te, se, lhe/lhes, o/os, a/as, nos, vos]: sabê-lo-ei, falar-lhe-ás, realizar-se-ia. A essa interposição chamamos mesóclise.

 

 

Ênclise inviável

O primeiro lado da questão é que se torna inviável ou proibida a ênclise com os verbos no futuro. Isso quer dizer que não se pode usar os pronomes átonos depois do verbo no futuro do presente ou do pretérito, assim: L * darão-se, levarei-te, fará-se ou diria-se, contariam-nos, mandaria-lhe. Essas formas verbais devem ser transformadas em mesóclise: dar-se-ão, levar-te-ei, far-se-á, dir-se-ia, contar-nos-iam, mandar-lhe-ia.

Por outro lado, a mesóclise não é sempre obrigatória. Pode-se também usar a próclise com o futuro, ou seja, o pronome antes do verbo. Basta que para isso haja na frente do verbo uma palavra que atraia o pronome átono, como um advérbio de negação [não, nunca, jamais] ou um dos conectivos iniciados com QU (para não falarmos em conjunção e pronome relativo): que, quem, qual, quais, quando.

Portanto, evite:

 

 

 

L * Surgiu a proteção que dar-se-ia pelas normas vigentes.

L * Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando dar-se-á ao cliente maior atenção.

L * Não se sabe quem interessar-se-á pela criação de ostras.

L * Jamais ser-lhe-á exigida indenização.

L * É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual tornar-se-á nula a inscrição.

Corrija para:

- Surgiu a proteção que se daria pelas normas vigentes.

- Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando se dará ao cliente maior atenção.

- Não se sabe quem se interessará pela criação de ostras.

 

- Jamais lhe será exigida indenização.

- É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual se tornará nula a inscrição.

 

 

*Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Português para Redação" e "Só Vírgula", diretora do Instituto Euclides da Cunha, http://www.linguabrasil.com.br

 







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