A QUESTÃO DO TREMA

Pergunta Ana Paula A. M. Mariutti se a palavra "bilíngue" leva trema no "u".

Oficialmente sim. Creio que sua dúvida decorre do pouco uso que se tem feito do trema, especialmente a partir de 1986, quando se redigiu uma primeira proposta de unificação ortográfica da língua portuguesa. Em abril de 1995 o Congresso Nacional aprovou (apenas isso) o texto do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", que propõe a supressão completa do trema, à exceção dos nomes próprios estrangeiros, como Müller e Anaïs, por exemplo. Essa medida, todavia, não entrou em vigor nem tem data para entrar.

O trema, se não faz falta nas palavras de uso comum, é imprescindível nos nomes próprios - e não só nos de origem estrangeira - pois ele informa sua leitura correta. Por estarmos familiarizados com a grafia sem trema de vocábulos como liquidificador, liquidação, antiquíssimo, cinquentenário, sagui, pinguim, consequência, ambiguidade, unguento, linguística, subsequente, linguiça, cinquenta, equestre, aguentar, sequestrador, sequela, equitativo e tranquilidade, a presença do trema não faz diferença para a nossa pronúncia, sendo por isso praticamente dispensável, embora incompatível com a norma oficial, que não aboliu o trema. Só quem conhece bem Curitiba sabe que o bairro "Barigüi" tem o u pronunciado, porque se trata de um ditongo crescente. Imagine a seguinte notícia: Após a fuga, os menores tomaram o ônibus que fazia a linha Centro- Barigüi; aí, a última sílaba da palavra Barigüi, se não houver o trema, por certo será lida como um dígrafo, ou seja, como ‘gui’ de ‘guia’. Num outro caso, quem não conheça São Paulo só vai ler corretamente "Via Anhangüera" - com o ‘u’ pronunciado - se ali encontrar o trema.

A regra

Emprega-se o trema nas "seqüências gu e qu seguidas de e ou i, nas quais u se pronuncia". Em outras palavras: trema só nos grupos gue, gui, que, qui que tenham o u pronunciado. Portanto, nada de L *qüo. A palavra ‘longínquo’, por exemplo, não precisa levar trema, pois em quo e qua o u é sempre pronunciado. Note que ‘qüiproquó’ tem trema na primeira sílaba, mas não na última (é o tipo de palavrinha que deve ser tremada, já que muita gente a desconhece ou pode ter dúvidas sobre sua pronúncia correta).

Trema oficialmente facultativo

Há algumas palavras em que o trema é facultativo, visto existirem duas pronúncias oficiais: Fez uma dieta só com líquidos/líqüidos.

Gosto de comprar em liquidações/liqüidações.

O liquidificador/liqüidificador enguiçou.

Estudamos a antiguidade/antigüidade romana.

Qual é seu tipo sanguíneo/sangüíneo?

Especialmente nesses casos o trema pode ser abolido sem problema, pois se dois registros existem, por que não adotar o mais fácil? Devo alertar, ainda, que os programas de informática de revisão ortográfica que conheço acusam de "vermelho" o termo equivalente quando não está tremado. Esqueçam. Ele não precisa nem deve ter trema, pois a pronúncia corrente é ‘qui’, igual a quilo.

Palavras raras

Há alguns vocábulos mais difíceis ou de uso menos freqüente nos quais o trema é essencial para melhor informar sua pronúncia. São eles, dentre outros: ágüe/agüemos, alcagüete, apazigüemos, aqüicultura, argüir, bilingüismo, contigüidade, delinqüência, desmilingüir, enxágüe, eqüidistante, grandiloqüência, inexeqüível, multilíngüe, obliqüidade, qüingentésimo, qüinquagésimo, qüinqüênio, qüinqüídio, redargüir, ubiqüidade.

Minha opinião

Considero o trema dispensável nas palavras de uso comum em textos de jornais e revistas - que aliás pouco se utilizam deste sinal gráfico. Professores de português devem ensinar o trema, mas não precisam ficar "cobrando". O Dicionário Aurélio Século XXI (1999) registra as duas formas, observando, na maioria dos casos, que o verbete sem trema é "lusitanismo".

Seu uso é sem dúvida necessário em nomes próprios e ainda importante em textos oficiais ou de cunho científico (uma tese de doutorado, por exemplo), sobretudo nas palavras de uso raro.

No caso da sua escola, Ana Paula, creio que seria melhor oficializar e divulgar como "Builders Pré-Escola Bilíngüe", já que no Brasil sempre pronunciamos o u dessa palavra (gu-e, nunca ‘gue’ de ‘gueto’); além do mais, vocês devem ter alunos estrangeiros, para quem o trema é um bom socorro na hora de aprender a falar português (para o estrangeiro, pode-se mostrar a diferença de pronúncia entre ‘o sol é quente’ e ‘o sol é freqüente’; entre ‘quero só um quilo’ e ‘quero só ficar tranqüilo’). De qualquer modo, boa sorte no seu trabalho educativo!

*Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Português para Redação" e "Só Vírgula", diretora do Instituto Euclides da Cunha, http://www.linguabrasil.com.br

 







principal



links



jurisprudência



súmulas



arquivos jurídicos




Email:
utjurisnet@utjurisnet.zzn.com