SUSPENSÃO DO PROCESSO - O art. 104 do CDC



(*) Luiz Artur de Paiva Corrêa
INTRODUÇÃO


I -O novel CDC trouxe-nos algumas inovações processuais, que à primeira vista vão de encontro à norma processual vigente, e mais especificamente em relação ao fenônemo da coisa julgada. Para que ocorra a res indicata, com força de aplicação efetiva do decisum, necessário que a mesma seja manejada contra as partes que atuaram no processo primitivo, não se podendo aplicar cominações ou benefícios, a ela inerentes, a terceiros estranhos a lide. A sentença somente faz coisa julgada, em nosso sistema processual vigente, entre as partes litigantes.
Contudo, o regime da coisa julgada oferece peculiaridaades em nosso CDC, sendo certo que a autoridade da sentença proferida em uma ação em que se defende interesses difusos e coletivos poderá ser transferida, ou seja, aproveitada por terceiros, que não atuou como parte no processo.
Isto ocorre, mais precisamente nos casos expressos no art. 103/incisos, com a observância ao disposto no art. 104, todos do CDC.
Ater-nos-emos à disciplina contida no art. 104, especialmente sobre o pedido de suspensão do processo individual. ARTIGO 104 DO CDC


II - O artigo em epígrafe trata do fenômeno da litispendência que porventura pudesse ocorrer entre as ações coletivas, consubstanciadas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81 do CDC, e as ações manejadas a título individual, tendo os mesmos objetos ou circunstâncias.
Contudo, como ocorre na coisa julgada em nosso sistema processual, onde há a necessidade de que as partes alcançadas pela sentença tenham integrado a lide; para que ocorra a litispendência, exige-se a configuração da tríplice eadem, ou seja, é necessária a reprodução das mesmas partes, do objeto e da causa de pedir.
Verifica-se, portanto, que, quando ocorrerem simultaneidade de ações coletivas em defesa de interesses difusos ou coletivos, e ações individuais, mesmo não ocorrendo a litispendência, a sentença que for proferida naquelas poderá, ou não, fazer coisa julgada nesta, mesmo sendo diversos os objetos dos processos.
Na hipótese de haver duas ações em trâmite - ação coletiva e ação individual -, o art. 104/CDC oferece duas opções ao demandante a título individual, o qual poderá, ou não, se beneficiar da coisa julgada favorável que se formar na ação coletiva, conforme a opção que escolher.
Caso o demandante a título individual queira dar prosseguimento à sua ação, concomitantemente com a ação coletiva, não poderá servir-se dos efeitos da sentença, beneficiando-se da coisa julgada que se formar nesta. Se a ação coletiva for julgada procedente ou improcedente, os efeitos da sentença, mesmo com o seu trânsito em julgado, não afetará a sua demanda, não obstante possuir seus efeitos erga omnes ou ultra partes (CDC, art. 103, I a III, c/c seus §§ 1º e 2º). Este é o risco que o demandante a título individual deve suportar, por não haver pedido a suspensão de seu processo, até a formação da coisa julgada nos autos da ação coletiva. "A ação individual pode continuar seu curso, por inexistir litispendência, mas o autor assume os riscos do resultado desfavorável (excepcionando expressamente o Código ao princípio geral da extensão subjetiva do julgado, in utilibus)". (Profª Drª ADA PELLEGRINI GRINOVER).
Entretanto, se o autor a título individual preferir, poderá requerer a suspensão de seu processo, no prazo de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Na hipótese de requerer a suspensão, o autor será beneficiado pela coisa julgada favorável que se formar na ação coletiva, e se a coisa julgada que se formar lhe for desfavorável, não será atingido pela mesma, podendo prosseguir normalmente com a sua ação individual, sem qualquer prejuízo.
O pedido de suspensão é faculdade do autor a título individual, sem haver necessidade de anuência da parte contrária, e ao Magistrado caberá simplemente suspender o feito, sem qualquer indagação, desde que obedecido o prazo de 30 dias acima referido.
O código não enfrenta, explicitamente, por qual prazo o processo indivual poderá ficar suspenso, ou seja, qual o seu limite temporal. A única determinação encontrada no código, em relação a prazo, é no sentido de que o pedido de suspensão deve ser feito dentro de 30 dias, prazo este peremptório, e preclusivo.
O art. 265, § 5º do CPC, é no sentido de que "o período de suspensão nunca poderá exceder a um (01) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir o processo". Verifica-se que há dois termos imperativos: "nunca" e "mandará". Ou seja, não é faculdade e sim obrigação.
Contudo, caso haja decorrido o prazo de um ano que o processo individual tenha sido suspenso, e ainda não se tenha formado a coisa julgada na ação coletiva, o Autor individual deverá dar prosseguimento à sua ação, ou poderá aguardar, ainda, a formação da coisa julgada?
Entendemos que a suspensão do processo individual estará sujeita à formação da coisa julgada na ação coletiva, pois caso se aceitasse o contrário, mesmo havendo prazo peremptório de um ano, o pedido de suspensão não surtiria qualquer efeito prático, tendo em vista que as atuais circunstâncias, pelas quais passam nosso sistema Judiciário, tornam impossível a finalização de qualquer processo contencioso, em menos de um ano.
Assim sendo, o disposto no art. 104 do CDC, permite a suspensão do processo individual, até a formação da coisa julgada na ação coletiva, já teria nascido morto, sem qualquer aplicabilidade, caso se aplicassem, fielmente, os dispositivos do estatuto processual civil.
A suspensão do processo individual estaria condicionada à formação da coisa julgada na ação coletiva, quaisquer que fossem os interesses e direitos perseguidos, não se distingúindo entre ações coletivas para defesa de interesses difusos e coletivos/ações individuais, ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos/ações reparatórias individuais.
Certamente, os nossos eminentes Juristas já se encontram dissipando a dúvida acima lançada, sendo certo que os nossos Eg. Tribunais resolverão o problema da forma mais benéfica para o consumidor, sem que com isto haja qualquer transgressão às normas processuais vigentes.

(*) Luiz Artur de Paiva Corrêa - Advogado - Professor do Curso de Direito da Universidade de Uberaba - UNIUBE (MG).

Fonte:Revista Jurídica Edição: 233/março de 97 Editora: Síntese










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