Parte II


3. Princípio da transparência

3.1. Relações de Consumo



Nota-se que esse princípio vem de forma implícita no artigo 4o já mencionado. Busca uma relação mais próxima e adequada entre o fornecedor e o consumidor, visando, pelo próprio conteúdo, sinceridade no negócio entre ambos os contratantes. Visa permitir um olhar direto no tocante a verdadeira intenção de cada um e no sentido de que, de forma pura - no sentido de pleno conhecimento de condições - se instaure a plena satisfação no atendimento dos fins objetivados na contratação: o fornecimento e o recebimento do produto ou serviço.
Cláudia Lima Marques aponta que "transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.
Complementa, inclusive, que "O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas manifestações do fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação contratual, tentando motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços que oferece. Regula, portanto, o Código a oferta feita pelo fornecedor, incluindo aqui também a publicidade veiculada por ele. O fim dessas normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas manifestações, criando uma nova noção de 'oferta contratual' (...).
Transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis porque institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato".
Esse princípio, por conseqüência, impõe ao fornecedor o dever da efetiva e direta informação sobre todas as condições do negócio a ser realizado, abrangendo tanto a oferta como o texto do próprio compromisso quando escrito ou a divulgação ampla das condições quando, em decorrência do pequeno negócio, for verbal.
Tanto que o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor consagra que toda oferta deve ser clara e correta sobre todo o produto ou serviço, sob pena de responsabilização do fornecedor - responder pela falta (art. 20) ou ainda, cumprir a oferta feita (art. 35).
Deve, portanto, o fornecedor estar atento para essas transformações no tocante a responsabilização diante vinculação com as condições apresentadas ou divulgadas, mesmo porque, inclusive a publicidade traz essa condição, alterando a prática comercial, resguardando o direito do consumidor, colocando-o na condição de parceiro no negócio e não mais, como anteriormente, dependendo do negócio.

3.2. Disposições Contratuais


Assim é que o contrato deverá ser elaborado e redigido de forma clara e tudo no sentido de proporcionar ao consumidor o amplo, pleno e prévio conhecimento de todas as condições reguladoras da vinculação e sob pena, conforme art. 46, do Código de Defesa do Consumidor, de não obrigar o consumidor.
Portanto, segundo Agathe E. Schimidt da Silva, "Se o fornecedor descumprir seu dever de dar oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento do conteúdo do contrato, sua sanção será ver desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação, mesmo que o contrato já esteja assinado. O contrato de consumo é como se inexistente, por força do artigo 46, embora a oferta, por força do art. 30, continue a obrigar o fornecedor.
Aplicando-se o princípio nas relações contratuais, constata-se que, efetivamente, surgiu profunda alteração no tocante a participação dos envolvidos, trazendo para o fornecedor aumento da responsabilidade na divulgação das condições do compromisso sob pena de, mesmo assinado, não se sustentar para fins de execução contra o consumidor.
Portanto, a transparência afeta a própria essência do negócio, trazendo conseqüências concretas para o fornecedor e indicando, de outra parte, que há a equivalência de força na relação de consumo dentro daquilo que se denomina justiça contratual, pois a condição não apresentada não vinculará o contratante-consumidor e aquela utilizada para a publicidade será incorporada na condição de cumprimento e execução, vinculando diretamente o contratante-fornecedor.

4. Princípio da boa fé


Vamos encontrar nessa relação fornecedor-consumidor também a necessidade da observância de regras compatíveis com a lisura que deve existir no contrato ou seja, a boa fé que, no Código de Defesa do Consumidor vem referida no próprio artigo 4o quando, após indicar a transparência, aponta a "harmonia".
Essa condição surgirá com a observância da boa fé que, no caso, surge como princípio orientador do próprio Código o que motivará o controle das cláusulas contratuais abusivas conforme constante do artigo 51, inciso IV.
Por sinal tal princípio - o da boa fé - sempre existiu em nosso ordenamento jurídico, sendo facilmente localizado como princípio geral de direito e, por conseqüência, não normatizado.
Humberto Teodoro Júnior, inclusive, que "nosso Código - referindo-se ao Código Civil - não contém norma específica sobre o tema, mas a doutrina e a jurisprudência entendem, à unanimidade, que dito princípio também prevalece, entre nós, como princípio geral de direito".
Antonio Junqueira de Azevedo assegura que "Há nessa omissão do Código Civil Brasileiro, um reflexo da mentalidade capitalista da segunda metade do Século XIX, mais preocupada com a segurança da circulação e desenvolvimento das relações jurídicas do que com a justiça material dos casos concretos, porque a verdade é que o Código Comercial Brasileiro, muito anterior ao Código Civil (o Código Comercial é de 1850), já tinha regra genérica sobre a boa fé - é o artigo 131, sobre a interpretação contratual".
Olga Maria do Val anota que "Com o advento do Código do Consumidor, o princípio da boa fé, de regra de interpretação, de princípio jurídico aplicável como fonte de direito, subsidiariamente portanto, foi elevado a categoria de norma jurídica (norma princípio). A partir de agora, é norma posta, de observância obrigatória, cogente (a teor do art. 1o da Lei 8.078/90).
Tanto que no artigo 4o do Código do Consumidor vamos encontrar que "A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores" resultando, em decorrência desse dispositivo, que a boa fé "deixa de ser elemento subjetivo nas relações jurídicas, e passa a ser elemento objetivo, ou seja, de apuração obrigatória na formação dessas relações jurídicas (a não ser nas hipóteses de responsabilidade objetiva, sem culpa), de vez que foi erigida (a boa fé) à categoria de norma princípio. Com efeito, dispõe o inc. IV do art. 51, da Lei 8.078/90, que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que sejam incompatíveis com a boa fé".
Ora, tal condição consagra o princípio a boa fé como de eficácia plena pois que sem qualquer efeito - absoluta nulidade - quando as cláusulas contratuais o contrariarem.
A condição plena desse princípio levou Cláudia Lima Marques a apontar que "Poderíamos afirmar genericamente que a boa fé é o princípio máximo orientador do CDC; neste trabalho, porém, estamos destacando igualmente o princípio da transparência (art. 4o, caput), o qual não deixa de ser um reflexo da boa fé exigida aos agentes contratuais".
No tocante a aplicação da boa fé, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar ressalta que "a inter-relação humana deve pautar-se por um padrão ético de confiança e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social. A expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável. Isso significa que as pessoas devem adotar um comportamento leal em toda a fase prévia à constituição de tais relações (diligência in contrahendo); e que devem também comportar-se segundo a boa fé se projeta a sua vez nas direções em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa fé".
Portanto, a boa fé na relação de consumo procura dar equilíbrio ao contrato, afastando a prevalência, nas cláusulas, da vontade de um em detrimento do outro, restabelecendo a posição de equivalência entre o fornecedor e o consumidor. Diz respeito à consciência das partes contratantes, à sua intenção. Visa, por conseqüência, limitar os desvios na relação contratual de consumo.
No caso do ente financeiro, surge como expressão máxima no contrato sob pena, inclusive, de ser declarada nula a cláusula que ferir esse preceito: a boa fé.

5. Princípio da Equidade


Encontramos a equidade como norma princípio, no artigo 4o do Código de Defesa do Consumidor, ao exigir equilíbrio nas relações entre o fornecedor e o consumidor. Em nosso direito, a aplicação de tal princípio sempre foi ponto de discussão, dificultando, no aspecto de utilização, a sua própria compreensão.
Cláudia Lima Rodrigues afirma que "o princípio da equidade, do equilíbrio contratual é cogente; a lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato por 'abuso do poderio econômico' do fornecedor, como exige a lei francesa, ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor; a clausula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrária às novas normas de ordem pública de proteção do CDC e a autonomia de vontade não prevalecerá".
Deve, portanto, o fornecedor contratante observar que em qualquer período do contrato, deve prevalecer o equilíbrio entre os contratantes pouco importando, na condição, a adesão do consumidor pois, tal princípio, como norma cogente, impera sobre a própria vontade das partes e, portanto, condição abusiva resultará afastada da relação e tudo, repetindo, no sentido de sustentar o equilíbrio necessário entre as partes envolvidas.
Cuida-se de verdadeira revolução ética pois preponderará sempre, na dimensão do interesse público, o equilíbrio e, no caso de afastamento dessa condição fixada pelo legislador, nenhum efeito produzirá a cláusula motivadora do desequilíbrio, restabelecendo o pondo de apoio no sentido de tornar iguais, em direitos e obrigações, os contratantes, pouco importando esteja no polo fornecedor ou no polo consumidor.
É uma realidade ainda não sentida nas relações bancárias e financeiras onde, efetivamente, da análise dos contratos, se apura a prevalência da vontade do fornecedor, desequilibrando a condição e motivando, entre os prejuízos, a própria inadimplência.
Equidade surge, na relação de consumo, como expressão de Justiça. Agathe E. Schimidt da Silva, citando Aristóteles, aduz que eqüidade é a justiça do caso concreto. Fazendo referência a José de Oliveira Ascenção, aduz que "a decisão dos casos segundo a eqüidade foi de há muito comparada à utilização da régua lésbica". E complementa: "Esta, ao contrário das réguas vulgares, que são rígidas, era maleável, permitindo a adaptação às faces irregulares dos objetos medidos. Também a norma é uma régua rígida, que abstrai das circunstâncias por ela não consideradas relevantes; a eqüidade de uma régua maleável. Ela está em condições de tomar em conta circunstâncias do caso, que a regra despreza, com a força e a fraqueza das partes, as incidências sobre o seu estado de fortuna, etc., para chegar a uma solução que se adapta melhor ao caso concreto, mesmo que se afaste da solução normal, estabelecida por lei".
Caracteriza-se a eqüidade contratual como o respeito ao equilíbrio entre deveres e direitos e com a finalidade de encontrar a justiça contratual. Significa a vedação na utilização, por parte do fornecedor, de cláusulas que assegurem vantagens desproporcionais - as denominadas cláusulas abusivas - resultando conflitantes também com a boa fé que deve existir em torno de qualquer contrato, principalmente o de consumo. Na infringência, conforme já referido, a condição abusiva poderá ser declarada nula, não produzindo qualquer efeito e porque contraria, na circunstância, condição de ordem pública.

6. Princípio da Isonomia


Conforme anteriormente apontado, deve o fornecedor levar em conta, na contratação de fornecimento de produtos ou serviços que as pessoas são diferentes entre si e, portanto, inviável idêntico tratamento, afastando a referência aos limites diversos entre um e outro.
A isonomia vai sustentar, justamente, a desigualdade no tratamento buscando, na essência, a aproximação da igualdade. Gera, em início, alguma confusão na compreensão porque se procura a igualdade porque fomentar a desigualdade; entretanto, o tratamento é que deve ser desigual no limite em que as partes se desigualem e no sentido de igualar na diferença.
Como já afirmava Ruy Barbosa, "a democracia não é exatamente o regime político que se caracteriza pela plena igualdade de todos perante a lei, mas sim pelo tratamento desigual dos desiguais. No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, ele é sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro"
É uma compensação visando a concretização da isonomia real, substancial e não meramente formal.
Todos são iguais perante a lei (art. 5o da Constituição Federal) e a aplicação do princípio nas relações de consumo vem declarar a vulnerabilidade do consumidor, apresentando-se-o como a parte mais fraca na relação negocial.
João Batista de Almeida fazendo referência a vulnerabilidade do consumidor, salienta que "a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre que se assenta toda a linha filosófica do movimento. É induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; apresenta ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico".
Olga Maria do Val indica que "A busca de equilíbrio nas relações sociais não é nova, podendo ser comparada, na área do direito do consumidor, ao que ocorreu há algumas décadas, no campo do Direito do Trabalho, no qual foi necessário, também, o reconhecimento da vulnerabilidade do trabalhador, em face da sua situação de inferioridade em relação ao empregador. Assim é que esse reconhecimento de vulnerabilidade da parte mais fraca tem sua origem, sempre, na realidade social. A igualdade que o Código do Consumidor protege, amparado pela Constituição Federal, tem por objetivo nivelar aqueles que não desfrutam da mesma condição social".
Citando Fábio Konder Comparato, adiante que "Importa, ademais, notar que o objeto dessa proteção não é o consumidor, como figura geral e abstrata, e sim diferentes consumidores, considerados em situações concretas e determinadas e inspirando diferentes graus de proteção. Há, com efeito, atos de consumo desestimulados, contra os quais o consumidor pode e deve ser protegido".
Celso Antonio Bandeira de Mello, tratando da desigualdade como fator para se atingir a isonomia salienta: "O reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira, diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido e, critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados".
Nelson Nery Júnior indica que "a igualdade real, na verdade não é uma forma de proteção de alguns grupos, como costumeiramente falamos, mas, trata-se, a rigor, de uma busca de um reequilíbrio ocupacional de alguns grupos, nos diversos flancos da sociedade. Esse princípio tem sua raiz deitada nos artigos 1o e 3o da CF. Alguns exemplos destes grupos que merecem atenção especial, pois têm este direito, que surge da necessidade de se igualar uma posição na sociedade, aparecem a gestante, o trabalhador, os indígenas, os portadores de deficiência e é claro, o consumidor".
Refere-se, portanto, ao exercício pleno da própria cidadania pois o consumidor, na relação instaurada, tem em face do princípio, tratamento adequado e em nível de igualdade com o fornecedor mesmo porque, diante da predominância de um, o outro recebe tratamento diferenciado no sentido de proporcionar o equilíbrio e, por conseqüência, justiça no próprio resultado.
Com tais ponderações é que deve ser lido e entendido o princípio esculpido pelo legislador constituinte e no sentido de que todos resultam iguais perante a lei.
Assim, na relação de consumo, limitações vão surgir no tocante ao contrato firmado entre as partes. Obrigatoriamente deverão observar, sob pena de nulidade da cláusula, os princípios ora tratados e, principalmente, o da transparência que permite ao consumidor, inclusive, amplo e pleno conhecimento das condições reguladoras do negócio.
E, nessa relação, o tratamento igualitário.
Por conseqüência, temos que há, em tempos atuais, limitação não na contratação mas, sim, na prevalência das condições motivadoras do compromisso, quer de ordem constitucional, quer de ordem infra-constitucional, resultando uma motivada pela outra.
Na relação de consumo todos são livres para contratar; entretanto, o contratante fornecedor deve ter a cautela de observar, em relação ao contratante consumidor, as mínimas regras postas pelo Estado quando pretende garantir a parte considerada mais fraca, aumentando seu poder na proporção de sua fraqueza em relação ao outro ou seja, o fornecedor, parte presumida mais forte na relação.
Há, a evidência, manifesto interesse público na guarda e proteção dessas relações e no sentido de garantir o exercício pleno da própria cidadania. Em razão disso, a nulidade da cláusula que atentar contra as condições e princípios ora tratados, deixando, no conflito, de prevalecer, reduzindo, em igualdade, as partes.
É, repetindo, a condição do equilíbrio negocial. 7. Da autonomia da vontade

7.1. Concepção do Estado e a autonomia da vontade



No Estado Liberal existia, efetivamente, a prevalência da autonomia da vontade onde, na relação entre as partes, se impunha, como comando, a condição assumida de um em relação ao outro, chegando aquele conceito de que "o contrato faz lei entre as partes".
Ao longo do tempo, portanto, houve essa prevalência e, uma vez firmado o compromisso, impunha-se o seu integral cumprimento resultando, em parte, as vezes, em verdadeira injustiça pois a igualdade contratual era apenas formal e não, concreta, efetiva.
Nessa regra de que o contrato faz lei entre as partes, aquela mais forte sempre domina a relação e, conseqüentemente, ausente a igualdade no negócio, possibilita-se o arbítrio e o prejuízo decorrente.
Era uma questão da autonomia privada; entretanto, com o desenvolvimento e o avanço da própria sociedade, o negócio, antes particular, transformou-se, passando a atender aos interesses coletivos.
Assim é que o primado da autonomia da vontade prevaleceu no ordenamento das civilizações individualistas até recentemente, quando encontrou-se limitado pelas exigências de justiça concreta ou reconhecimento da própria evolução dos conceitos de relação contratual pela sociedade, justificando a intervenção na vida econômica pelo Estado, reduzindo a figura do chamado Estado Liberal, tendo o Estado, por conseqüência, efetiva e direta participação em todas as relações surgidas sob a denominação de interesse público.
Essa autonomia do contrato, antes absoluta e que era tida como uma das formas de expressão da liberdade, criando preceitos vinculantes, surge hoje diante transformações já referidas, relativa ou seja, afastou-se do referido preceito vinculante do particular para submeter-se a vontade soberana do Estado.
Tornou-se exigência para aplicação de justiça na relação contratual.
Assim é que antes, em termos de análise de contrato, permitia-se a análise do aspecto externo ou seja, capacidade dos contratantes, formalismo, licitude, etc..., resultando vedada a apreciação das condições internas ou seja, o próprio mérito.
A alteração ao longo dos tempos foi justamente nesse sentido ou seja, proporcionar que um ente alheio as partes, em nome do interesse público, analise não somente as condições externas do compromisso mas também o denominado mérito do contrato, os direitos e as obrigações de cada contratante.
É o abandono da concepção individualista e o reconhecimento da efetiva transformação das sociedades, gerando a figura do coletivo.

7.2. A autonomia da vontade e as relações contratuais


E isto porque, em inúmeras modalidades contratuais, geralmente uma das partes não tem qualquer possibilidade de fixar, com a sua vontade, o conteúdo do negócio jurídico, pelo que nesses negócios não haveria "declaração de vontade".
Renata Mandelbaum sustenta que "Como já visto, estamos diante da decadência do princípio da autonomia da vontade em razão de ter escoado o momento político e econômico em que fora possível, e até mesmo necessária, a sua formação. Estamos hoje frente a uma nova realidade, que não admite a aplicação plena do 'pacta sunt servanda'. Para exprimir a transição dos contratos e da expressão da vontade, observando que esta não tinha mais autonomia, imperando a determinação do mais forte sobre o economicamente mais fraco, o que se busca é impedir o ilimitado exercício dos direitos individuais" e que "Antes mesmo de romper-se com a questão do dogma da autonomia da vontade, falava-se em sua limitação, tendo cada ordenamento através de leis específicas, para situações concretas, determinadas em razão da necessidade do tráfico negocial, imposto limitações ao poder de contratar das partes. Em resumo, observe-se que inicialmente a autonomia da vontade era limitada pela impossibilidade de serem firmados pelos particulares, negócios ilegais ou imorais, sendo que a ilegalidade era observada não somente como fraude a lei, mas a toda a ordem pública".
Portanto, deve o ente financeiro levar em conta todas essas transformações e no sentido de que a ordem pública, os valores morais, os usos e costumes e também o Código de Defesa do Consumidor, no caso das relações de consumo, exigem uma limitação e no sentido de proteger o contratante considerado como polo mais fraco, estabelecendo os denominados direitos básicos do consumidor e a conseqüente responsabilidade do fornecedor pelo produto ou serviço, ditando, inclusive, específicas condições para cada tipo de contratação.
Não se cuida de apontar que a autonomia da vontade, em tais relações negociais tenha sido derrogada, mas sim reconhecer que o ordenamento jurídico, com a criação de normas supletivas, adquiriu nova função ou no dizer de Renata Mandelbaum, "ou um novo espaço dentro das relações contratuais". Dizendo que a autonomia de vontade continua a existir nas relações paritárias, acrescenta que "Apenas a legislação tornou-se mais protetiva para as situações em que deparamos com desigualdade entre as partes, buscando restabelecer o equilíbrio, procurando a justiça distributiva através de uma relação de equivalência".
Deve o ente financeiro levar em conta, portanto, que o Estado que até pouco tempo não interferia direta ou indiretamente no direito dos particulares - e porque dentro da autonomia da vontade, o pacta sunt servanda se cristalizava como verdadeira criação legislativa pelo particular e, em conseqüência, fazendo lei entre as partes, ficando o Estado fora diante delegação existente - atualmente passou a ser mais atuante, intervindo em todas as relações diante a constatação da realidade que a parte mais forte acaba por subjugar a mais fraca dentro da relação contratual, prevalecendo o poder econômico, ferindo a própria igualdade que sustenta a liberdade de contratar. Decorre dessa circunstância, a possibilidade atual da revisão dos contratos e a já apontada amenização do "pacta sunt servanda".
Ainda segundo Renata Mandelbaum, "Uma nova concepção de contrato, solidarista, adapta o instrumento jurídico às novas circunstâncias sócioeconomicas. Em função das novas faces que adotaram os contratos - contratos de adesão a condições preestabelecidas - resta claro que os indivíduos não são os que mais estão preparados para melhor proteger seus interesses; a liberdade contratual convinha ao período em que imperava a economia liberal. Hoje são necessários o controle a intervenção do Estado, fundados em considerações sociais, humanizantes - solidaristas - para alcançar a paz social". E prossegue: "O contrato não mais pode ser visto exclusivamente como uma simples resultante de leis econômicas, a simples transposição em termos jurídicos de fenômenos econômicos. O contrato também sofre influências outras, que fogem à conjuntura econômica, ele está inserido no contexto social. Hoje, ele é tido como instrumento de convivência, conforme expressa Stiglitz ao expor que os contratos, frente a essa nova situação que impera, devem ser vistos com uma certa dose de sensibilidade, humanidade, e não somente reduzidos a uma operação econômica, devendo ser entendidos em sua função de satisfazer e tutelar necessidades e interesses humanos".



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