INDENIZAÇÃO POR DANOS SOFRIDOS FACE A PUBLICIDADE ENGANOSA OU ABUSIVA
Elton Venturi
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A normatização da publicidade no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. A "publicidade patológica" (enganosidade/abusividade); 3. Efeitos da publicidade enganosa e abusiva; 3.1 A publicidade como atividade ensejadora de danos patrimoniais e morais, meta-individuais e individuais; 3.2 Aferição do dano individual em concreto. Dano patrimonial e moral; 3.3 O enfoque social conotado ao dano produzido aos direitos difusos e coletivos; 3.4 Aferição do dano metaindividual em abstrato: presunção da enganosidade e abusividade. Dano patrimonial e moral; 4. O Direito da Responsabilidade Civil: necessidade de adeqüação em face de suas funções na sociedade contemporânea; 4.1 A responsabilidade civil por danos causados aos direitos difusos e coletivos; 4.2 Tendência à objetivação da responsabilidade por danos provocados aos direitos difusos e coletivos; 5. Regime jurídico da indenização por danos individuais, coletivos e difusos sofridos em decorrência da publicidade patológica; 5.1 Aspectos constitucionais da tutela repressiva contra a publicidade enganosa/abusiva; 5.2 A "efetiva prevenção e reparação pelos danos patrimoniais e morais" como princípio fundamental da tutela dos consumidores; 5.3 Princípios norteadores da reparação; 5.3.1 Solidariedade; 5.3.2 A indenização: integralidade, cumulatividade, fixação e destinação; 5.3.3 Inversão do ônus da prova; 5.4 Excludentes da responsabilidade.
1. INTRODUÇÃO
"Descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva. Sobre isso, é oportuna ainda a seguinte consideração: à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada vez mais difícil (...)
Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder." (Norberto Bobbio, "A Era Dos Direitos")
Não há dúvida: a época em que vivemos é a "dos direitos", conforme bem assinala Bobbio. Ou talvez, em definição mais realística, da dramática tentativa de torná-los eficazes, atuantes, efetivos, enfim, úteis aos indivíduos e à sociedade na qual estamos todos inseridos.
O ordenamento jurídico pátrio, não alheio às profundas transformações experimentadas pela civilização moderna, sobretudo no que diz respeito ao novo modelo de relações sócio-econômicas estabelecido em virtude da massificação de bens e do consumo, tratou de, gradativamente, conceder expressa tutela a uma série de "interesses" vislumbrados no seio social, no intuito fundamental de estabelecer um equilíbrio nas ditas relações de consumo, sede na qual detectou-se profunda desarmonia entre as partes imediatamente interessadas (fornecedores e consumidores), fruto a um só tempo da ganância comercial, que hábil e facilmente engendrava em "contratos padrão" inúmeras cláusulas negociais que respeitavam tão somente a seus interesses egoísticos, e da ausência de instrumentos legais idôneos a prestar efetiva assecuração aos consumidores, parte invariavelmente mais frágil nas relações comerciais.
O presente estudo monográfico, pois, trata especificamente de um fenômeno jurídico intimamente relacionado com o ambiente acima caracterizado. Com efeito, com o "controle legal" da publicidade operado pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), teve em mente o legislador coibir os excessos dessa faceta principal do marketing, intentando compatibilizar o direito dos fornecedores em anunciar e promover seus produtos e serviços através dos meios de comunicação, com o direito dos consumidores de não terem suas esferas patrimoniais e morais atingidas pela veiculação de publicidades falsas e abusivas.
Todavia, o regime jurídico da publicidade patológica inaugurado pelo CDC não se restringe a previnir que tais lesões venham a ocorrer (muito embora seja essa a sua função primeira). Igualmente a repressão aos desvios publicitários é objeto de tratamento legal, a envolver aspectos com reflexos penais, administrativos e civis, sempre analisados sob a principiologia específica do microssistema de regulamentação das relações de consumo.
Neste passo, as conseqüências cíveis advenientes da veiculação de publicidade enganosa ou abusiva nos interessarão propriamente, posto que direcionamos o presente estudo à questão da indenização por danos sofridos em face de tal ocorrência. Adentrando, pois, na seara do Direito da Responsabilidade Civil, buscaremos abordar o tema sem olvidar as profundas modificações também pelo mesmo suportadas, em razão de um movimento mundial que visa ressaltar suas feições atuais, voltadas para funções específicas e inerentes à vida em uma civilização de indústrias e de consumo, na qual passa a ser o Direito da Responsabilidade Civil encarado como "garantia dos direitos dos cidadãos" seja prevenindo os comportamentos anti sociais, seja proporcionando efetiva indenização às vítimas de danos provocados no seio social, ainda que para tanto tenha que abandonar o anacrônico regime da responsabilidade subjetiva preconizado pela máxima jheringhiana "nenhuma responsabilidade sem culpa".
Lançamo-nos, pois, sobre o tema com a intenção precípua de fomentar as discussões já verificadas em âmbito doutrinário (eminentemente), exsurgidas sobretudo da inexistência de expressa previsão legal a respeito do regime de responsabilidade civil aplicável, o que acaba por estimular uma série de interpretações que, nem sempre atentas aos princípios informadores do microssistema das relações de consumo (no qual está inserida a matéria sob exame), privilegiam anacrônicos dogmas insculpidos ainda sob a influência de um direito de cunho liberal-individualista em detrimento de uma orientação pragmática, imprescindível a tornar o direito vivo e atuante, em harmonia com os fato e valores preponderantes no atual estágio social.
2. A normatização da publicidade no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. A "publicidade patológica" (enganosidade/abusividade)
Com a transformação da sociedade de massa, as atenções voltaram-se nitidamente para o chamado "fenômeno do consumerismo" , cujos principais reflexos podem ser resumidos no crescimento da procura e oferta de bens de consumo, com a conseqüente pressão das massas consumidoras, que passaram a expressar um nível de organização cada vez mais eficiente, reivindicando dos fornecedores qualidade e quantidade dos produtos oferecidos. O surgimento deste novo quadro sócio-econômico, como não poderia deixar de ser, encontrou ressonância na ordem jurídica, que se viu compelida a cada vez mais regulamentar a forma e os meios pelos quais estabeleciam-se as relações entre fornecedores e consumidores.
Desta forma, atenção especial foi destinada às chamadas "práticas comerciais", entendidas como "os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final". A preocupação demonstrada pelos diversos ordenamentos jurídicos com relação ao implemento de novas espécies de práticas incentivadoras do consumo, em verdade, teve razões relevantes. A cada momento, na mesma medida em que (com a inesgotável criatividade comercial em inventar métodos de convencimento do público consumidor) o consumo era fomentado, verificava-se o aprofundamento das desigualdades nas relações estabelecidas entre as partes envolvidas, invariavelmente em detrimento dos consumidores.
Em tal quadro, dentre as espécies de práticas comerciais que mais se desenvolveram destaca-se a publicidade, o "símbolo próprio e verdadeiro da sociedade moderna", que, se inicialmente caracterizava-se por almejar precipuamente a informação do público sobre os produtos e serviços introduzidos no mercado, hoje possui intuito muito menos "altruístico", constituindo importante método de convencimento, de indução ao consumo. Justamente diante da visualização do fenômeno publicitário como meio de promoção de atividades econômicas, e do acentuado crescimento de sua indevida utilização, resolveu o legislador do Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer um microssistema próprio das chamadas "relações de consumo", inserir no capítulo destinado às práticas comerciais (cap. V), uma seção específica a tratar da publicidade (seção III), estabelecendo princípios regentes da matéria, vedando e conceituando expressamente o que chama de publicidade enganosa ou abusiva.
Neste sentido, em primeira análise incumbe deixar-se claro que, consoante o regime de proteção dos consumidores contra a denominada "publicidade patológica" insculpido pelo supra citado diploma legal, qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário pode trazer em si a mácula da enganosidade/abusividade. Com efeito, a imaginação e a técnica utilizados pelos veiculadores de campanhas publicitárias fazem com que não se possa desconsiderar nem os anúncios televisivos e radiofônicos, certamente de maior amplitude, nem aqueles veiculados através de panfletos, folhetos e cartazes destinados, no mais das vezes, a públicos específicos. De semelhante, resta o intuito comum a toda a publicidade, no sentido de atrair os consumidores às ofertas promovidas.
O que importa, neste contexto, é aferir-se com objetividade as hipóteses em que as observações atrativas e chamadas de impacto constantes da publicidade extrapolam princípios basilares referentes à tutela dos consumidores, como os da liberdade, identificação, transparência, veracidade e lealdade, concebendo-se que a proibição da veiculação de anúncio publicitário por desrespeito às normas de ordem pública e interesse social que disciplinam a relação entre a atividade publicitária e os consumidores visa, precipuamente, estabelecer um controle mínimo contra os abusos publicitários, prevenindo e reparando lesões eventualmente destes advenientes.
3. Efeitos da publicidade enganosa e abusiva
3.1 A publicidade como atividade ensejadora de danos patrimoniais e morais, meta-individuais e individuais.
Verificadas as razões que motivaram o tratamento legal da publicidade, uma vez revelando-se à toda evidência insuficiente o regime de auto-regulamentação publicitária procedido pelo CONAR (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), impõe-se-nos aferir em que medida a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva causa prejuízos na esfera patrimonial e moral dos consumidores, e a todo o público atingido que, inobstante não seja eventualmente parte na específica relação de consumo incentivada pela publicidade, é equiparado à condição de consumidor por força do art. 29 do CDC.
Vale dizer, trata-se de avaliar qual o sentido da tutela repressiva no âmbito civil em matéria de lesão causada pela publicidade patológica, tutela essa que estaria expressamente consignada no CDC não fosse o curioso veto oposto ao parágrafo quarto do art. 37.
Se o próprio texto legal, inobstante o veto procedido, já apontava para a possibilidade de se pleitear indenização por danos sofridos em decorrência de publicidade enganosa ou abusiva, resta-nos indagar sobre quais as espécies de lesões efetivamente vislumbráveis.
A proibição da veiculação de publicidade enganosa e abusiva tem como meta, indiscutivelmente, a proteção da esfera patrimonial e moral dos consumidores, individualmente ou coletivamente considerados. Variam, é certo, os pressupostos e formas de atribuição de um "quantum" indenizatório para cada tipo de dano provocado (como adiante especificaremos), mas a dedução de pretensão indenizatória é inafastável, seja em vista do dispositivo constitucional que assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, inciso X), seja pela previsão do art. 6º, inciso VI do CDC, que afirma ser direito do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".
3.2 Aferição do dano individual em concreto. Dano patrimonial e moral
Em se tratando de ressarcimento de danos havidos em face de lesão a direitos individuais, "la regola fondamentale, come più volte si è ribadito, è che il danneggiato si deve trovare nella medesima situazione che gli sarebbe occorsa se l'evento non fosse accaduto. Si tratta quindi di una regola basata su una finzione: quella di cancellare il tempo e la storia per ridare al danneggiato, in modo specifico o per equivalente, quanto ha perduto". Há que se aferir concretamente a ocorrência dos pressupostos necessários à caracterização da responsabillidade civil (variáveis conforme o regime aplicável), e, sobretudo, avaliar-se precisamente a extensão do prejuízo sofrido pela violação do direito (note-se que a ênfase reside na pessoa do lesado).
Importa destacar-se que não há lugar para "presunções de lesão" em sede de reparação individual, uma vez obedecidos os princípios da exata e justa indenização e da proibição do enriquecimento sem causa, conforme destaca GUIDO ALPA, ao elencar os critérios basilares do ressarcimento a danos patrimoniais: "Il danno deve essere concreto, materiale, non presunto. Ciò anche quando è impossibile determinarlo con precisione: la liquidazione equitativa del danno presuppone che questo, pur non essendo provato nel suo preciso ammontare, sia certo nella sua esistenza ontologica; se tale certezza non sussiste, è inibito al giudice di procedere ad una valutazione equitativa e deve essere applicato in principio: actore non probante, reus absolvitur; b) deve rispondere o a una perdita di valore (disvalore) o a un mancato guadagno; c) non può comportare un arricchimento del danneggiato; d) ma può comportare anche il risarcimento del disagio subìto dal proprietario; e) non deve consistere nella cessazione o diminuzione di una attività realizzata contro disposizioni di legge".
Tais princípios e critérios devem ser igualmente respeitados quando se pretende a dedução de pretensão indenizatória individual por danos decorridos da veiculação de publicidade enganosa ou abusiva.
Para fins ressarcitórios, seja para a recomposição do patrimônio individual ou transindividual, o princípio básico a ser respeitado é a inexigibilidade da prova da intenção da enganosidade ou abusividade por parte do agente veiculador, uma vez que o elemento subjetivo (presença de culpa ou dolo) é irrelevante em matéria de publicidade patológica. Quando se trata, todavia, de aferir-se o dano individualmente sofrido, consoante orienta ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN "a indução concreta em erro importa para a verificação do dever de indenizar o dano individual, não o dano difuso, de vez que, havendo enganosidade, este é presumido jure et jure". Tal afirmação não significa, como apressada e equivocadamente poder-se-ia pensar, que ao indivíduo que pretenda mover ação indenizatória por prejuízos sofridos pela veiculação de publicidade enganosa ou abusiva incumba a prova de que a patologia efetivamente existiu. É que, como reza o artigo 38 do CDC, "o ônus da prova da veracidade e correção da informação publicitária cabe a quem as patrocina", valendo tal regra, indistintamente, quando da dedução de pretensões ressarcitórias difusas ou individuais. Tal afirmação, aliás, também respalda-se na análise do próprio dispositivo legal (artigo 37, §1º do CDC), que em nenhum momento faz referência à necessidade de comprovar-se a intenção dos agentes em veicular publicidade enganosa ou abusiva para que se tenha a concretização de uma tal distorção.
A principal e fundamental diferença que importa esclarecer-se é que, ao contrário do dano transindividual produzido, o dano individualmente sofrido não se presume de forma absoluta, devendo ser, pois, devida e precisamente comprovado em seus exatos contornos e profundidade, para que assim possa ensejar o ressarcimento correspondente. Assim, v.g., se alguém, sentindo-se lesado pela veiculação de determinada publicidade que se reputa enganosa ou abusiva, pretende mover ação indenizatória contra o fornecedor/anunciante alegando prejuízos individualmente suportados (quaisquer danos psicofísicos), deve provar a ocorrência e extensão desses. O mesmo se dá quando da habilitação, em sede de ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos na qual houve o julgamento de procedência do pedido do condenação genérica do Réu pelos danos causados (art. 91 do CDC). Em tal hipótese, sem embargo de uma eventual fluid recovery, incumbe àqueles que desejarem reparação de suas esferas patrimoniais individualmente atingidas, provar o nexo de causalidade, o dano e seu montante, como rezava o parágrafo único do art. 97 do CDC, que embora vetado, persiste íntegro em face dos princípios do Código de Processo Civil.
No que diz respeito à natureza das lesões passíveis de indenização, hoje não mais subsistem dúvidas quanto à plena reparabilidade de toda e qualquer espécie de dano havido, seja de natureza patrimonial ou moral, sobretudo porque a cada dia adquire-se maior consciência de que se incrementa a vulnerabilidade do ser humano ante às incessantes transformações da civilização de massa, transformações estas de efeitos ainda pouco assimilados.
3.3 O enfoque social conotado ao dano produzido aos direitos difusos e coletivos
Analisada a produção de danos à esfera individual dos consumidores afetados pela publicidade patológica, resta diferençá-los dos danos provocados coletiva ou difusamente, a começar pela própria natureza distinta da concepção dano individual x dano metaindividual.
Com a consagração dos "novos direitos", que se contrapõem à noção de "direito individual", para cuja violação o regime tradicional da responsabilidade civil foi originalmente concebido, restou nítida a transfiguração da concepção da própria natureza do dano sofrido coletivamente.
De fato, a produção de danos a um número indeterminado ou indeterminável de pessoas desloca sensivelmente o enfoque da responsabilidade ensejada. Não que o dano decorrente da violação de um direito individual seja "irrelevante" sob o ponto de vista social, mas é inegável que a amplitude do objeto atinente à pretensão reparatória ante à violação de um direito difuso ou coletivo, empresta ao regime da responsabilidade civil a ser empregado uma inequívoca e preponderante relevância social.
Com efeito, torna-se imprescindível que se bem entenda a peculiaridade da defesa dos direitos metaindividuais, em contraposição àquela reservada aos direitos individuais. É que ao aludir-se à reparação de danos coletivos ou difusos, não se cuida de reparar o dano sofrido por alguém individualmente considerado, tal como ocorre no mais das vezes por intermédio das ações indenizatórias (de índole individual ou coletiva, fundada no art. 81, III do CDC) movidas por aqueles que se julgam afetados diretamente em seu patrimônio, em virtude da violação de um direito cuja titularidade indiscutivelmente lhe "pertence'. Cuida-se, sim, de intentar-se uma forma de "reconstituição do bem lesado", através da condenação do responsável à adoção de medidas práticas para tanto, ou, como de regra ocorre, ao pagamento de uma quantia em dinheiro que servirá, senão para conseguir-se o retorno ao "status quo ante", ao menos a amortização dos prejuízos genericamente produzidos.
O que aparentemente constitui mero "jogo de palavras" (reparação do dano sofrido x reparação do dano produzido), em verdade retrata a dimensão da responsabilidade civil envolvida, pois que a violação de um direito metaindividual, caracterizado pela indivisibilidade e indeterminabilidade de seus titulares, acarreta ao causador do dano o dever de repará-lo integralmente e coletivamente, o que conduz à própria transfiguração da natureza da reparação envolvida.
Assim é porque a reparação dos "danos produzidos", que se intenta por intermédio das ações coletivas, requer especial e peculiar mensuração, uma vez que "o dano globalmente causado pode ser considerável, mas de pouca ou nenhuma importância o "prejuízo sofrido" por cada consumidor lesado".
Por outro lado, o discernimento exato do que venha a caracterizar direito difuso, coletivo ou individual homogêneo, tal como preconizado em nosso ordenamento jurídico atualmente pelo Código de Defesa do Consumidor, é pressuposto fundamental para o entendimento da sistemática do próprio regime de responsabilidade envolvida. Neste aspecto, é sob o âmbito da tutela jurisdicional pretendida que se pode aferir, metodologicamente, se se está diante de um ou outro, uma vez que essencialmente tal diferenciação torna-se praticamente inviável.
A ação que visa a reparação dos danos difusa ou coletivamente suportados, nos moldes da sistemática estabelecida pela integração entre a Lei 7347/85, c/c a Lei 8078/90, com a subsidiária aplicação do CPC, fica a cargo do Ministério Público, União, Estados, Municípios, Distrito Federal, órgãos da administração pública direta ou indireta, e associações legalmente constituídas, legitimados concorrente e disjuntivamente à propositura de ações coletivas (art. 82 co CDC), e necessariamente deduz em juízo uma pretensão supraindividual, o que induz conseqüências específicas no campo da responsabilidade civil.
Isto tem levado a moderna doutrina civilística a propor, como instrumento de tutela concorrente ou alternativa à responsabilidade civil, uma "asseguração coletiva" (ou social) que serviria como espécie de "garantia mínima" contra todos os típicos riscos de nossa época, responsáveis em grande escala pela produção de danos aos "novos direitos". Tal tendência "si tratta di quelle medesime idee proprie dello stato del benessere che, attribuendo al problema del danno un carattere più spiccatamente sociale, hanno condotto all'affermazione del sistema assicurativo riguardo agli infortuni sul lavoro e hanno premuto per la stessa adozione di criteri di risponsabilità oggettiva. Il problema sociale del danneggiato è al centro di queste recenti tendenze, le quali si preoccupanp di sottolineare le aporie e le distorsioni del sistema risarcitorio tradizionale, definito come una « forensic lottery »".
Por outro lado, se um tal sistema de asseguração coletiva ainda não encontra suporte no ordenamento jurídico pátrio, ao menos já se vislumbra a positivação de "microssistemas" que prevêm regimes de responsabilidade de pleno direito a danos produzidos a determinados direitos difusos e coletivos. Estes microssistemas constituem, poderíamos dizer, espécie de resposta às inócuas tentativas de se adeqüar o regime da responsabilidade subjetiva para a reparação aos danos difusos e coletivos, fundando-se na teoria do "risco integral".
É o ocorrido em relação aos danos causados ao meio ambiente (Lei 6938/81), e aos consumidores (Lei 8078/90), para os quais o legislador regulou as específicas situações jurídicas que evocam "com visão de conjunto de todo o fenômeno e imunes à contaminação de regras de outros ramos do direito, estranhas àquelas relações objeto de regulamento pelo microssistema".
3.4 Aferição do dano metaindividual em abstrato: presunção da enganosidade e abusividade. Dano patrimonial e moral
Desta forma, uma vez que o regime jurídico da publicidade patológica insere-se dentro do microssistema das relações de consumo regido pelo CDC, não se pode olvidar que também a interpretação do regime da responsabilidade civil deve pautar-se pelo disposto pelo mesmo, restando, no particular, afastada a incidência do Código Civil pelo princípio da especialidade. Neste passo, e adentrando já especificamente no que diz respeito à produção de danos metaindividuais em decorrência da publicidade patológica, a "prova da intenção de fraudar" revela-se impertinente e despropositada, como já supra salientado, uma vez que se apreenda corretamente o regime jurídico instaurado pelo CDC no tocante à proteção contra a patologia publicitária.
De fato, como valiosamente orienta ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, "em linhas gerais, o novo sistema pode ser assim resumido: não se exige prova da enganosidade real, bastando a mera enganosidade potencial ("capacidade de indução em erro"); é irrelevante a boa-fé do anunciante, não tendo importância o seu estado mental, uma vez que a enganosidade, para fins preventivos e repartatórios, é apreciada objetivamente...". Assim, de total irrelevância a aferição em concreto do estado anímico dos veiculadores da publicidade apontada como enganosa ou abusiva, como já frisado anteriormente. Importaria, de outro lado, em eventual análise da existência ou não de tipo penal estabelecido pelo art. 61 e seguintes do CDC. O que se busca com o sistema de tutela inaugurado pelo CDC em relação ao controle publicitário é, em especial, a defesa e proteção dos consumidores como categoria a englobar número indeterminado ou indeterminável de indivíduos, titular de interesses juridicamente protegidos (direitos). Para tanto, interessa a análise objetiva do anúncio questionado em si mesmo, colocando-se de lado qualquer indagação acerca da presença de culpa ou dolo por parte dos agentes (fornecedor, agência publicitária e veículo de comunicação).
O dano transindividual presume-se "jure et de jure", uma vez que seria praticamente impossível uma concreta aferição de sua exata extensão e profundidade. Assim, o intuito maior da condenação do Réu ao pagamento de uma quantia em dinheiro dirige-se à inibi-lo de repetir futuramente a ação danosa, ao lado, obviamente, de ensejar uma possível recomposição da lesão, na forma a ser decidida pelo Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, entidade para a qual são destinadas as condenações obtidas nas ações indenizatórias coletivas para defesa de direitos transindividuais (assim como o fluid recovery nas ações coletivas de tutela a direitos transindividuais homogêneos).