parte III
5.3 Princípios norteadores da reparação
5.3.1 Solidariedade
A solidariedade passiva formada por todos os agentes que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva, constitui aspecto dos mais relevantes em matéria de responsabilidade civil. A regra da solidariedade é expressada pelo parágrafo único do art. 7º do CDC, segundo o qual "tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo".
Desta forma, possibilita-se ao consumidor lesado pela publicidade apelativa ingressar em juízo deduzindo pretensão indenizatória pelos danos havidos, contra qualquer um ou contra todos (simultaneamente) os sujeitos integrantes da "cadeia de responsabilidade", ou seja, fornecedor/anunciante, agência de publicidade ou veículo de divulgação.
Note-se, quanto à previsão de solidariedade no CDC, que esta não se restringe aos "danos suscetíveis de ocorrer à luz do que está previsto nas Seções III, II e I, do Capítulo IV, do Título I" (capítulo esse relativo à qualidade de produtos e serviços, prevenção e reparação dos danos), como equivocada e apressadamente poderia-se entender, posto constituir-se em verdadeiro princípio, "direito básico do consumidor".
5.3.2 A indenização: integralidade, cumulatividade, fixação e destinação
Partindo-se da premissa de que a reparação dos danos materiais e morais provocados pela lesão, seja de direito individual ou difuso, constitui hoje inderrogável garantia constitucional (art. 5º, incisos V e X), e atentando-se para o direito básico do consumidor em obter efetiva reparação dos danos sofridos (art. 6º, inc. VI do CDC), extrai-se o princípio do restitutio in integrum, pelo qual não mais se admite formas de limitação da responsabilidade civil.
Decorrência deste princípio, a cumulação entre os danos suportados pelo consumidor hoje também é indiscutível. As discussões que antes tinham lugar em sede doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto foram dissipadas pela mencionada disposição do CDC, tendo inclusive o Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 37, expressado que "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".
Atualmente, a maior preocupação verificada diz respeito às formas pelas quais se procede à liqüidação do dano moral, debatendo a doutrina acerca dos critérios mais justos e precisos para que se consiga estabelecer o "quantum debeatur", precisando-se que "la somma risarcitoria non deve essere un mero palliativo: la liquidazione del danno non patrimoniale sfugendo ad una precisa valutazione analitica resta affidata ad apprezzamenti discrezionali ed equitativi del giudice del merito, il quale, nell'effettuare la relativa quantificazione, deve tener conto delle effettive sofferenze patite dall'offeso, della gravità dell'illecito di rilievo penale e di tutti gli elementi peculiari della fattispecie concreta, in modo da rendere la somma riconosciuta adeguata al particolare caso concreto ed ecitare che l stessa rappresenti un simulacro di risarcimento".
Em relação à fixação de quantias a serem exigidas pelos agentes causadores de danos a direitos metaindividuais, como essencialmente caracterizam-se os produzidos pela publicidade apelativa, a imposição de valor pecuniário ao sujeito ativo visa desistimulá-lo, inibi-lo de praticar novamente o ato danoso (veiculação de publicidade enganosa ou abusiva). Tal fixação baseia-se em determinados critérios, de acordo com as vantagens auferidas pelo agente, sua situação econômica, e a gravidade e repercussão da lesão produzida.
Como já salientado, a veiculação da publicidade apelativa pode produzir danos individuais ou metaindividuais. Na primeira hipótese, a destinação da indenização (conseguida através da dedução de ação individual ou coletiva para tutela de direito individual homogêneo) obviamente será para a reparação do indivíduo lesado. Já em se tratando de reparação de prejuízos metaindividuais produzidos, a destinação do quantum obtido através da ação coletiva deduzida para tutela de direito coletivo ou difuso (bem como do fluid recovery da ação coletiva de defesa de direito individual homogêneo) será o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7347/85 com a finalidade da "reparação dos danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos". A esse incumbe, portanto, zelar pela correta e eficaz aplicação das quantias arrecadadas em prol da "recomposição efetiva dos danos causados na LACP 1º, repondo as coisas no seu estado anterior. Havendo lesão irreparável ou de recomposição impossível, a destinação da condenação deverá ser realizada pela administração do fundo da melhor maneira possível, com certa maleabilidade de acordo com o caso concreto, mas de forma a não desvirtuar a finalidade do fundo".
5.3.3 Inversão do ônus da prova em favor do consumidor
Segundo a literalidade do artigo 38 do CDC, "o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina". Esta, efetivamente, a norma que ordena a forma de distribuição do ônus probandi aplicável quando se está a invocar a tutela jurisdicional contra a veiculação de publicidade reputada enganosa ou abusiva, afastando, como parece curial, as disposições em contrário do estatuto processual ordinário.
As hipóteses de inversão do ônus da prova consignadas pelo CDC (art. 6º, VIII e art. 38 do CDC), inclusive, revelam importante inovação inserida no ordenamento jurídico pátrio no intuito de instrumentalizar a garantia constitucional da igualdade de todos perante a lei, segundo reza o caput do artigo 5º da Constituição Federal, uma vez que proporcionam, ope judicis e ope legis (respectivamente), senão colocar-se em posição de igualdade fornecedores e consumidores, ao menos diminuir as distorções que tradicionalmente se apresentavam nas relações que os envolviam.
Tendo em vista o caráter de ordem pública e interesse social das normas constantes do Código de Defesa dos Consumidores (art. 1º), e em se discutindo a ocorrência ou não de publicidade patológica, nenhuma liberdade ou discricionariedade é conferida ao magistrado para que disponha sobre a distribuição do ônus da prova. "Ao revés, na hipótese do art. 38, CDC, a inversão é automática, sempre cabendo ao fornecedor o ônus de provar a veracidade ou não abusividade da publicidade a seu cargo. O magistrado, aqui, nada poderá valorar, pois se encontra jungido à norma que determina seja conferido o ônus da prova ao fornecedor que, se dele não se desincumbir satisfatoriamente, verá pronunciado o non liquet em seu desfavor".
5.4 Excludentes da responsabilidade
Tendo o Código de Defesa do Consumidor adotado a responsabilidade objetiva para os danos oriundos das relações de consumo, com fundamento no risco integral da atividade, não seriam admissíveis excludentes da obrigação de indenizar. Entretanto, há expressa mitigação do regime citado, quando se prevê (art. 12, § 3º) como causas de exclusão da responsabilidade, a prova da não colocação do produto no mercado, da inexistência do defeito ou da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Em se tratando, todavia, de responsabilidade civil objetiva por danos da publicidade patológica, extraída diretamente do art. 6º, inc. VI do CDC, não se vislumbra qualquer espécie de excludente da responsabilidade que pudesse ser suscitado. Uma vez veiculada publicidade enganosa ou abusiva, competiria ao fornecedor/anunciante defender-se, comprovando unicamente a inexistência das patologias indicadas. Caso contrário, presumida "jure et de jure" a lesão transindividual causada, não se esquivará o Réu à condenação imposta.
Referências bibliográficas
ALPA/BESSONE/CARNEVALI/GHIDINI, La Tutela Degli Interessi Diffusi Nel Diritto Comparato, Milano, 1976.
ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A Ação Coletiva de Responsabilidade Civil e seu Alcance, in Responsabilidade Por Danos a Consumidores, São Paulo. 1992.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os Direitos dos Consumidores, Coimbra, 1982.
ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Anotações Sobre as Perplexidades e os Caminhos do Processo Civil Contemporâneo - Sua Evolução ao Lado do Direito Material, in As Garantias do Cidadão na Justiça, São Paulo, 1993.
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil Por Danos a Consumidores, São Paulo, 1992.
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro, in Direito do Consumidor nº 12/44.
CENEVIVA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor, São Paulo, 1991.
COELHO, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Direitos do Consumidor, Saraiva, São Paulo, 1994.
DONATO, Maria Antonieta Zonardo Donato. Proteção ao Consumidor, São Paulo, 1994.
GOMES, Orlando. Obrigações, 8ª ed., RJ, 1988.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A Tutela dos Interesses Difusos (coordenação), 1ª edição, São Paulo, 1984.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública, 3ª edição, São Paulo, 1994.
___________________ . Ação Popular, São Paulo, 1994.
___________________ . Manual do Consumidor em Juízo, São Paulo, 1994.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 5ªedição, São Paulo, 1994.
NERY JUNIOR, Nelson. A Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos, SP, 1ª ed., 1984.
_____________________. Os Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, in Direito do Consumidor nº3, 1994.
_____________________. Aspectos da Responsabilidade Civil do Fornecedor no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), in Revista do Advogado, nº 33, 1990.
NERY JÚNIOR, Nelson./ANDRADE NERY, Rosa Maria B.B. Responsabilidade Civil, Meio-Ambiente e Ação Coletiva Ambiental, in Dano Ambiental, Prevenção, Reparação e Repressão, SP, 1993.
LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. L'Évolution de la Responsabilité Civile D'une Dette de Responsabilité à Une Créance D'Indemnisation, in Rev. Trim. Dr. Civ, nº 86, 1987.
MARIZ DE OLIVEIRA, Waldemar. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos, in A Tutela dos Interresses difusos, São Paulo, 1984.
SOUZA, James J. Marins. Responsabilidade da Empresa Pelo Fato do Produto, São Paulo, 1993.
STRENGER, Irineu. Comentários ao Código do Consumidor, Coordenação de José Cretella Júnior e René Ariel Dotti, Forense, RJ, 1992.
TOURNEAU, Philippe Le. La Verdeur de la Faute Dans la Responsabilité Civil, in Rev. Trim. Dr. Civ., nº 3, 1988.
TUNC, André. La Responsabilité Civile, 2ª ed., Paris, 1989.
VIGORITI, Vincenzo. Interessi Collettivi e Processo, Milão, 1979.
VILLAÇA, Maria Elizabete. O Consumidor e a Publicidade, in Direito do Consumidor, nº01/166.
artigos
links