LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO
Gilberto Etchaluz Villela - Procurador da Fazenda Nacional
1. INTRODUÇÃO
Sem alterações muito profundas, o Sistema Tributário adotado em nossa Constituição de 1988 seguiu as trilhas percorridas pelo que, sobre a matéria, já dispunha a Constituição de 1967 (especialmente depois da Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.69) e, principalmente, da Emenda nº 18/65 que alterara a Carta Magna de 1946.
Basicamente a reiterada sistemática, se não introduziu, pelo menos incrementou, de maneira importante, a utilização dos por ela chamados tributos sujeitos ao regime de lançamentos por homologação e que alguns tributaristas também denominam de exações sujeitas a autolançamentos.
O progresso inegável em todas as áreas econômicas do País, as crescentes necessidades do Erário, o aumento do número de contribuintes ao qual não se conseguiu ajustar uma quantidade proporcional de fiscais, conduziram nossos legisladores à incrementação da sistemática do que os juristas italianos -- que também largamente se utilizaram desta técnica tributária -- chamaram de "accertamento". Na prática, hoje, os tributos sujeitos ao autolançamento são a maioria, sendo preferível, até, exemplificarmos pelos que não o são, como o IR e o ITR, federais (sujeitos a lançamento por declaração, misto de providências do contribuinte e do fisco), o IPVA, estadual, e o IPTU, municipal, estes dois últimos mantenedores da sistemática de lançamento "ex-officio", de ação exclusiva da autoridade fiscal, realizado por notificação ao sujeito passivo.
O chamado lançamento por homologação ou autolançamento é descrito no art. 150, do CTN:
"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
Par. 1º . O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
Par. 2º. Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
Par. 3º. Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição da penalidade, ou sua graduação.
Par. 4º. Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação."
Provavelmente, em 25 de outubro de 1966, aquando da edição do CTN (Lei nº 5.172), a necessidade de se regulamentar um sistema ainda relativamente novo entre nós fosse a causa do defeituoso regramento dos autolançamentos em nossa esfera jurídico-tributária; circunstância que, em todo o caso, parece ser do agrado geral: trinta anos depois, ainda não se deu melhor texto legal a uma matéria que -- mercê da farta possibilidade de diferentes e, às vezes, interessadas interpretações -- contribui expressivamente para o entulhamento do Judiciário. Questões como, por exemplo, aquelas referentes ao momento exato do nascimento do crédito tributário; à sua extinção por pagamento, compensação, ou outra forma legal; ao momento de sua exigibilidade; à emissão de Certidão Negativa de Débitos (CND); à inscrição de devedores no CADIN; à contagem do tempo para o exercício do direito de repetição (decadência) ou propositura da pertinente ação de cobrança (prescrição); à imposição de juros e multas, são reflexos dessa realidade.
A idealização do autolançamento sem dúvida alguma nasceu da necessidade de se reduzir a máquina fiscalizatória dos Estados, capaz , pelo menos teoricamente, de consumir expressiva parcela do montante das exações que fiscalizasse e arrecadasse com a satisfação dos custos de si mesma.
No Brasil de hoje, entretanto, a preocupação terminou pelo exagero.
Segundo estimativas da Receita Federal, dispúnhamos, em 1996, de 5.669 auditores-fiscais, contra 6.447, em 1990.
Ao mesmo tempo em que se enfrentava um decréscimo na mão de obra fiscal, o número de cadastrados passou a ser de cerca de 70.000.000 de pessoas físicas (CPF's) e de cerca de 8.000.000 de pessoas jurídicas (CGC's). E, mesmo considerando que do total de cadastrados apenas uma parte tenha ponderável expressão econômico-fiscal, ainda assim aquele número de 5.669 auditores deve dar conta em administrar cerca de 3.000.000 de pessoas jurídicas e cerca de 8.000.000 de pessoas físicas. Na média, incumbiriam cerca de 1.940 administrados a cada fiscal disponível (529 pessoas jurídicas e 1.411, pessoas físicas). Um trabalho obviamente invencível quando se sabe que a maior parte dos vários tributos e contribuições federais ocorre e se vence a cada mês do ano fiscal, isto sem se falar na necessária fiscalização de exações de cunho anual -- como o imposto de renda -- ou até mesmo ocasional, quiçá diária, como as diversas taxas legais em vigor.
Muitas vezes, o próprio Judiciário minimiza o problema ante a idéia de que cumpre ao Estado prover adequadamente o número de fiscais, ou de que não se justificariam entendimentos diversos oumaiores cuidados com decisões tomadas contra a Fazenda Pública, em face de uma deficiência teoricamente sanável.
Entretanto, há que se reconhecer que as dificuldades em prover -- e sustentar -- uma máquina ficalizatória adequada, evidentemente cara em face da qualificação exigida das pessoas que hão de compor o quadro, não são muito diferentes daquelas outras que ocorrem com o provimento, por exemplo, dos efetivos policiais -- que não prendem mais criminosos -- ou do Judiciário -- que não julga mais processos e com maior rapidez.
Então, somos de opinião que as decisões tomadas em tais ambientes haveriam forçosamente de levar em conta uma deficiência -- que é do Estado como um todo -- para reduzirem-se os prejuízos que este mesmo Estado tem com elas. Uma situação geral não contornável, pelo menos por ora, deveria inclinar a um posicionamento de decisões obviamente consentâneas com tais dificuldades. E, como estas atingem a todos os Poderes, sem distinção, entre eles reciprocamente se haveria de providenciar, para elas, reconhecimento e ajuda.
Mas retomemos o fio de nosso trabalho.
A idéia de se transferir ao contribuinte os custos do lançamento tributário que, em casos de ofício, são habitualmente providos pelo Estado, resultou numa sistemática de pagamento da exação com a possibilidade de ulterior fiscalização.
O chamado lançamento por homologação, ou autolançamento, é fundamentalmente isto: um procedimento que, ocorrido o fato gerador, inclui o cálculo do tributo imposto por lei ao sujeito passivo, com pagamento em prazo predeterminado na norma e com possibilidade de fiscalização posterior por parte das autoridades fazendárias. Assim, poderíamos substituir o termo homologação por fiscalização sem prejuízo da idéia final. O termo homologação se reservaria à concordância do procedimento correto do sujeito passivo eis que, em caso diverso, estaremos frente a um outro tipo de lançamento, o de ofício, pela totalidade do impago ou pela diferença constatada nos cálculos do contribuinte por ocasião do pagamento.
Desde logo vamos estabelecer para este trabalho um conceito básico: o assim denominado lançamento por homologação -- para nós, por melhor, autolançamento -- é um lançamento ficto que se presume realizado no momento do vencimento legal da obrigação tributária, seguido ou não da quitação do crédito tributário então nascido, e que se sujeita a fiscalização futura por parte das autoridades fazendárias.
A interpretação, para nós equivocada, de que a única possibilidade de lançamento real só se dá quando o fisco confere o procedimento do contribuinte, até nem condiz com o que a lei complementar designa como "homologação". No parágrafo primeiro, do art. 150, acima reproduzido, vamos encontrar a alocução "(...) homologação do lançamento". Ora, se se está, como diz a lei, a homologar um lançamento, se há de entender que este já ocorreu -- e não está a ocorrer naquele momento da fiscalização -- e se já ocorreu, o único momento possível é aquele em que o sujeito passivo, verificando a ocorrência do fato gerador, tomou a base de cálculo dele conhecida, a alíquota estabelecida em lei e, depois de simples operação aritmética, obteve o montante e fez o pagamento no prazo que a lei estabeleceu, esgotando, com tal procedimento, tudo quanto se desejaria com a idéia de lançamento. E mesmo que sonegasse a prestação legal, nada pagando, pagando insuficientemente ou fora do prazo previsto em lei, ainda assim assumimos a idéia de que o lançamento presumidamente se realizou. Então, o lançamento seguido pela possibilidade de fiscalização -- o que, na realidade, é o chamado autolançamento -- tem outro momento que não o da eventual auditoria da autoridade: é o do vencimento legal da obrigação tributária, o da sua satisfação integral, ou não. E não se fale de pagamento antecipado -- como lamentavelmente está na norma (art. 150, CTN) -- porque a idéia conduz a pensar-se que o contribuinte estaria a pagar a exação antes do prazo, o que, evidentemente resulta em absurdo. O pagamento se dá no prazo fixado na lei. Jamais antecipado.
Rigorosamente, poderíamos até mesmo dispensar, em casos de tais tributos, a idéia de lançamento. Se a lei determina providências exclusivamente a cargo do contribuinte e afasta a autoridade fiscal nos momentos da determinação do fato gerador, da identificação do sujeito passivo, do cálculo da imposição e da verificação do prazo para o pagamento, instituindo-se, assim, a exigibilidade, então por que seria necessário um ato administrativo chamado de "lançamento" que, afinal, serviria para tudo isso?
"Lançamento", segundo o "Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa" é: "S.m. 1. Ato de lançar(-se); lanço, lance. 2. (...). 5. Escrituração em livro comercial. 6. (...).10. Ato administrativo-fiscal que consiste em inscrever em livros próprios os contribuintes de impostos diretos e de taxas, constituindo-os devedores da Fazenda Pública pelas importâncias lançadas. 11. (...)."
Interessa-nos que "lançamento" é escrituração em livro comercial; e, é também, ato administrativo-fiscal que consiste em inscrever em livros próprios os contribuintes de impostos diretos e de taxas, constituindo-os devedores da Fazenda Pública pelas importâncias lançadas.
No âmbito da escrituração comercial, o lançamento tem evidente sentido contábil, de registro. Não é muito diferente quando se trata da escrituração pública. Ainda aí será o lançamento um registro contábil, agora de escrituração pública.
Ocorrido o fato gerador da exação, cumpre que a autoridade registre o "quantum debeatur" em seu contacorrentes ativo, entre as parcelas de créditos a realizar, aquele valor a receber do sujeito passivo desde logo identificado.
Segundo as lei tributárias, neste momento do registro nasce o crédito tributário.
A idéia-base do lançamento tributário, então, é a de um registro contábil que se faz nos livros de escrituração pública, assentando-se no contacorrentes do "a receber", em nome do contribuinte identificado, um determinado valor fiscal.
Partindo de tal conceituação, vamos entender o lançamento chamado "ex-officio".
Após a ocorrência do fato gerador, identificado o contribuinte, calculado o valor a pagar na forma da lei específica, a administração escritura em seus registros contábeis o "quantum" -- isto é, procede ao lançamento -- e logo notifica o devedor da prestação para satisfazê-la em trinta dias ou nalgum outro prazo que a lei determine.
Naquele instante em que o fisco escriturou em seus livros o valor a receber, nascia o crédito tributário a ser satisfeito pelo sujeito passivo. A exigibilidade, entretanto, só aparecerá após decorrido, sem pagamento ou impugnação válida, o prazo determinado em lei para a referida quitação.
Nos chamados lançamentos por homologação, entretanto, as coisas se passam de modo diferente.
Agora já não mais há o conhecimento prévio da autoridade sobre a ocorrência do fato gerador. Ficou ela, por isso, impossibilitada de efetuar um "lançamento" contábil em seus livros. Mas, como o fato típico tributável efetivamente ocorreu, dispõe a lei que, mesmo à míngua de um lançamento, o sujeito passivo deve fazer o cálculo do "quantum debeatur" -- totalmente possível a partir dos elementos insculpidos na própria norma específica -- e efetuar o pagamento da imposição no prazo que o comando dispuser.
Não haverá, portanto, no contacorrentes dos livros da administração, um registro de valor em nome do contribuinte, já que o fisco não tem como saber previamente da ocorrência do fato gerador. O "realizável" de seus balanços sempre -- e por isso -- refletirá montante inferior ao que efetivamente deverá receber.
Quando do pagamento da exação, através da iniciativa exclusiva do contribuinte, aí, sim, se fará uma escrituração nos livros da administração. Não será ela, entretanto, entre os créditos a receber mas naquelas contas contábeis que registram valores já recebidos.
Se o valor recebido está ou não de acordo com a lei, é circunstância a conferir em uma possível auditagem -- quando eventualmente se corrigirá qualquer defeito com novo lançamento, agora "ex-officio" -- o que se há de dar até cinco anos do fato gerador, pena de decadência desse direito de fiscalização.
Assim, se há um lançamento a ser feito na escrita pública é aquele do valor recebido e não de um valor a receber.
Destarte, inegavelmente não se pode falar com propriedade em lançamento do crédito tributário sujeito à homologação futura eis que um registro em "contas a receber" jamais ocorre. Aliás, quando toma conhecimento do fato gerador, o crédito já foi extinto pelo mesmo pagamento através do qual tomou ciência da situação típica. A administração sempre é surpreendida pelo pagamento, de certa forma inesperado. Por isso, só como idéia ficta, ou como registro presumido, podemos falar de "lançamento" naquelas exações em que a lei difere ao sujeito passivo a iniciativa da verificação do fato gerador, cálculo da imposição e pagamento na data prevista em lei.
Não obstante, como a norma específica de uma exação prevê o pagamento numa determinada data, sob pena de sanções fiscais, como multas e juros -- estas só admissíveis com a idéia de que se estabeleceu a mora e a exigibilidade tributária -- então somos obrigados a partir para um dos dois únicos caminhos lógicos: ou abandonamos o entendimento de que há um lançamento em tais casos, e nos convencemos que temos em mãos uma exação não sujeita a qualquer lançamento prévio, ou, para combinar a situação com as demais normas do CTN, imaginamos existir um lançamento presumido, ficto, ocorrido naquele instante em que nasceu o crédito tributário, fruto de um fato gerador previsto em lei.
Na verdade toda a exposição a seguir poderia ter como base fatos tributários e atos de conta do contribuinte sem que se lançasse mão de um instituto administrativo desnecessário por força da própria lei instituidora da exação. Entretanto, embora com tal impressão, mantivemos o que chamamos de lançamento ficto, mais do que tudo pela necessidade de compatibilização com outras normas tributárias especialmente insertas no CTN.
Certas posições aqui adotadas nem são novas, até porque se constituem em ecos de colocações jurisprudenciais. Assim, por exemplo, do julgamento do REsp. 84.995-SP, não conhecido no E. STJ e onde se adotaram fundamentos do parecer da Procuradoria Geral da República (apud "A atividade administrativa de lançamento tributário" , de Haydée Antunes Carlini, "in" "Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política" da Revista dos Tribunais, vol. 16, pg. 100), extraímos:
"Ementa: Imposto sobre circulação de mercadorias. Lançamento por homologação ou autolançamento. Desnecessidade, neste caso, de procedimento administrativo."
Parecer da PGR adotado: (...) A cobrança do ICM decorre de lançamento por homologação, previsto no art. 150 do CTN, hipótese em que ficam a cargo do sujeito passivo as providências do art. 142 do mesmo diploma, cumprindo-lhe o dever de antecipar o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa e no prazo previsto em lei. Se não faz o pagamento, assiste à Fazenda Pública o direito de inscrever o crédito para constituir a dívida ativa tributária, nos precisos termos do art. 201, primeira parte do CTN. No lançamento por homologação, é dispensada a intervenção prévia da autoridade administrativa, visto que há extinção do crédito pela antecipação do pagamento, que vem a tornar-se definitiva pela ratificação tácita, decorrente da inércia da Fazenda Pública no prazo previsto para a verificação da condição resolutória. O lançamento é, portanto, ato do sujeito passivo, ainda que sujeito à aprovação da autoridade administrativa." (grifamos).
À exceção da idéia de pagamento antecipado -- que para nós não existe, eis que a satisfação, quando ocorre, se dá no prazo e por força de lei, longe, portanto, de moldar uma antecipação -- os demais conceitos esposam as colocações deste estudo: as providências do art. 142 do CTN são de conta do contribuinte e o lançamento é reconhecido como ato exclusivamente seu, e, há extinção do crédito tributário com o pagamento, naturalmente sujeito à fiscalização ou à homologação tácita por inércia das autoridades.
2. O MOMENTO DO NASCIMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. A DIFERENCIAÇÃO COM O NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
O enfrentamento das questões que freqüentemente se levantam no âmbito dos chamados autolançamentos, impõe reflexões pela correta compreensão de três momentos: o do nascimento da obrigação tributária, o do nascimento do crédito tributário, e, ainda, daquele em que a obrigação passa a ser exigível.
A obrigação tributária para um determinado sujeito passivo nasce com a ocorrência do fato gerador (art. 113, par. 1º, CTN). Desde logo, verificada a situação de tipicidade plasmada em lei, ele, contribuinte, está, ou estará, obrigado a satisfazer um pagamento ou um comportamento específico para com o Estado (art. 114, CTN).
Já o crédito tributário para com a Fazenda Pública se estabelece no momento em que se vence o prazo determinado em lei para o pagamento da exação. É a partir desse momento, antecipadamente aprazado na norma tributária, que a obrigação, existente desde o fato gerador, se torna exigível. É o momento do lançamento, da implementação daquilo que o art. 141, do CTN, chama de "crédito tributário regularmente constituído". Caso especial de regularidade porque assim previsto em lei. É o autolançamento; ficto, presumido, mas, ainda assim, lançamento, por força de lei.
Nos casos desses lançamentos por fiscalização futura, a nós se nos parece inadequado apresentá-los com aspectos constitutivos. Entendemos que eles, lançamentos, coincidem, sempre, com a constituição do crédito tributário e o início de sua exigibilidade, mas tal constituição não se dá por força daquele lançamento mas, sim, por força do vencimento do prazo legal para pagamento de uma obrigação preexistente. Não é o lançamento que constitui o crédito; quando muito, o declararia existente. Aliás, o efeito declaratório parece inegável nos arts. 143 e 144, do CTN.
Mesmo no caso de apresentação obrigatória de declarações às autoridades fiscais (como, no caso, aquelas bem conhecidas DCTF- Declarações de Contribuições e Tributos Federais, instituídas com base no art. 5º, do Decreto-Lei nº 2.124/84, ou, ainda, as GIA, no âmbito do ICMS estadual), ainda assim não estaremos frente a constituições do lançamento. Meras declarações, tais documentos não têm o condão de constituir aquele ente ficto e legal a partir do qual passa a existir o crédito tributário e, conseqüentemente, sua exigibilidade. Tal nascimento do crédito e sua exigibilidade já se haviam perfectibilizado antes das declarações, aquando do vencimento do prazo legal previsto em lei para a satisfação obrigacional
Por tudo isso é de se notar, também, que uma obrigação tributária nos casos de exações sujeitas ao regime do autolançamento se torna exigível, não a partir, como querem alguns, de um lançamento de ofício, por ventura a ser realizado pela autoridade numa possível ou eventual -- até mesmo incerta, em face da carência de pessoal -- fiscalização (ou homologação, no sentir de tais vozes), mas, sim, a partir daquele momento que a lei fixou para pagamento da obrigação tributária; daquele momento em que efetivamente nasce o crédito tributário; daquele momento em que se realizou, pelo pagamento -- seja integral ou não -- o autolançamento. O "accertamento" pela fiscalização gerará, este sim, um lançamento de ofício, nos casos em que o sujeito passivo pagou a menos, nada pagou, ou quitou, fora da data aprazada em lei, o crédito tributário exigível.
Vejamos agora como entendemos configurar-se o conceito de obrigação tributária exigível.
Busquemos na Lei Civil o conceito de obrigação exigível, desde já lembrando que o Código Tributário Nacional (arts. 109 e 110) permite a utilização de princípios gerais de direito privado para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos pertinentes ao Direito Tributário.
Nosso Código Civil, quando trata do "Tempo do Pagamento" de uma obrigação, em sua Seção V, estabeleceu, no art. 952, que
"salvo disposição especial deste Código, e não tendo sido ajustada época para o pagamento, o credor pode exigi-lo imediatamente".
Assim, a exigibilidade da obrigação, quanto ao tempo de seu pagamento, obedece a duas circunstâncias: a) se foi ajustado um prazo de vencimento para pagar, a obrigação passa a ser exigível após vencido tal prazo; e, b) se não o foi, o credor pode exigir o cumprimento imediatamente.
Entretanto, a exigência imediata sofre a limitação prevista na segunda parte do art. 960:
"O inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto."
Destarte, muito embora não se haja ajustado prazo e possa o credor exigir a obrigação imediatamente, para que o devedor fique constituído em mora mister se faz notificá-lo, isto é, dizer-lhe que se deseja receber o valor devido em tal ou qual data.
Por óbvio, tal notificação será desnecessária quando estiver ajustado o tempo do pagamento, como, aliás, é do art. 955, do mesmo Código Civil:
"Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento (...) no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058)." (grifado).
O pagamento de uma nota promissória, por exemplo, não carece de notificação. Nela se insere o direito, o valor dele, o lugar do pagamento, o credor a quem se deve pagar e, principalmente, a data convencionada para sua satisfação.
Como se vê, a notificação só se justifica e é necessária quando se trata de constituir em mora o devedor -- naqueles casos onde a obrigação não tenha, desde o início, prazo convencionado ou estabelecido em lei -- de modo a também cobrarem-se-lhe os prejuízos a que o seu eventual atraso der causa (art. 956, C.C.)
Mas está claro que, quando haja prazo definido para o pagamento da prestação, a exigência da obrigação se fará logo após expirado tal prazo e, logicamente, sem necessidade de qualquer notificação ao devedor, constituído em mora, como diz o art. 960, de "pleno jure". É, aliás, a aplicação do princípio "tempora interpelat pro homini".
Relembrados tais preceitos civis, vejamos como se passam as coisas quando tratamos de obrigações tributárias, ou seja, a exigibilidade da obrigação tributária sujeita a autolançamento ou lançamento presumido com posterior fiscalização.
"Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre 30 (trinta) dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento", diz o art. 160, do Código Tributário Nacional.
Assim, uma obrigação tributária sempre terá, genericamente, uma data certa para pagamento: trinta dias depois do lançamento notificado. Já nos casos de tributos sujeitos ao regime de autolançamento, a data de pagamento será aquela que a lei tributária fixar e, logicamente, em tais casos não há necessidade da notificação, passando a ser exigível, desde logo, a obrigação tributária que viu vencer o prazo estipulado na lei pertinente.
Todos sabemos que quando uma exação é instituída no regime de autolançamento -- hoje, como vimos, esmagadora maioria -- a própria lei que a cria já fixa o tempo do pagamento.
Destarte, ocorrido o fato gerador, o sujeito passivo, já senhor do "quantum debeatur", por ele mesmo calculado, deve pagar a obrigação tributária no prazo legal, consciente de que, em não o fazendo, a partir do vencimento está em mora de "pleno jure" e a prestação tributária lhe poderá ser exigida sem qualquer outra providência administrativa que preceda a inscrição de seu débito em dívida ativa.
Nos tributos ou contribuições instituídos sob o regime de lançamento sujeito a fiscalização futura, a notificação, aliás, seria absolutamente inócua. Na medida em que o sujeito passivo sabe que ocorreu o fato gerador; conhece a base de incidência e a alíquota aplicável, ambos bem definidos em lei, com o que, sem dúvida, pode calcular o "quantum debeatur"; sabe do dia do pagamento, também estabelecido legalmente, então notificá-lo por quê ou do quê? Não estão aí todos os elementos requeridos pelo art. 142, do CTN (a determinação da matéria tributável, a ocorrência do fato gerador, o cálculo do valor do tributo devido, e a identificação do sujeito passivo)?
Os entendimentos em contrário terminam, data venia, por exigir do Fisco um "lançamento" ou ato administrativo absolutamente desnecessário e que, para o cumprimento da obrigação por parte sujeito passivo, nada de novo acrescenta.
Para uma idéia mais ampla da desnecessidade de qualquer notificação, tomemos como exemplo concreto uma exação instituída no regime do autolançamento: a COFINS (Lei Complementar nº 70, de 30.12.91).
Em seu artigo 1º, a referida LC estabelece o fundamento constitucional da instituição (art. 195, I/CF-88), as finalidades da contribuição (suprimento de despesas nas áreas de saúde, previdência e assistência social), e tipo de contribuinte (pessoas jurídicas). No artigo 2º, determina a alíquota (2%), e o fato gerador (o faturamento mensal), que também se constitui na base de cálculo. E, no artigo 5º, fixa o dia do vencimento da obrigação, início, como vimos, da exigibilidade: após calculada, a contribuição será convertida no primeiro dia do mês subseqüente ao de ocorrência do fato gerador pela medida de valor e parâmetro de atualização monetária diária utilizada para os tributos federais (a UFIR, p. ex.) e paga até o dia vinte do mesmo mês da referida conversão.
Aliás, no caso da COFINS poderíamos até mesmo afirmar que a Lei Complementar que a instituiu revogou os parâmetros de "lançamentos" do CTN, registrando um outro tipo de procedimento, este exclusivo por parte do administrado. E não seria impróprio fazê-lo desde que se tratam, ambas as leis, de diplomas com a mesma hierarquia.
Ali, no texto legal instituidor, estão todos os elementos, rigorosamente expressos, que poderiam estar contidos numa eventual notificação: a tipificação do fato gerador, a identificação do sujeito passivo, a base de cálculo, a alíquota incidente, e o prazo para o pagamento da exação. Que mais se poderia pretender para considerar exigível a obrigação no referido prazo?
E não se contra-argumente com o que dispõe o art. 142, do CTN, onde se diz que "compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário", porque a própria norma pode -- como, por sinal, ocorreu a partir do art. 150, da lei complementar tributária e como ocorreu no exemplo da COFINS -- estabelecer outra modalidade que mais convenha à maior comodidade da arrecadação e seu menor custo. Inegavelmente, o autolançamento contém estes dois almejados requisitos.
Ademais, não tem sentido obrigar o Fisco a notificar quem já está em mora de "pleno jure" pela só ocorrência do fato gerador e do vencimento da prestação, e que tem, por isso mesmo, obrigação exigível para com o Erário, em situação, conseqüentemente, de autorizar sanções por eventuais inadimplências, como o lançamento em dívida ativa, a execução fiscal, o arrolamento de seu nome no cadastro de devedores inadimplentes e o indeferimento de certidões negativas de débitos fiscais, além, naturalmente, da imposição de juros e multas.
Muitos daqueles que entendem necessário um procedimento por parte da autoridade administrativa, parece não se haverem dado conta de que o cotribuinte já está em mora no dia seguinte ao do vencimento da obrigação - leia-se, do autolançamento -- sujeitando-se a juros e, eventualmente, multas .
É, aliás o que resulta do teor do art. 74, da Lei nº 7.799, de 10.07.89, "litteris":