parte II
"Art. 74. Os tributos e contribuições administrados pelo Ministério da Fazenda, que não forem pagos até a data do vencimento, ficarão sujeitos à multa de vinte por cento e a juros de mora na norma da legislação pertinente, calculados sobre o valor do tributo ou contribuição corrigido monetariamente." (grifamos).
Ora, se determinadas interpretações consideram inexistir, em tal momento, o chamado lançamento -- para eles apenas realizado "ex-officio" quando a autoridade homologa os procedimentos do contribuinte -- então não vemos como consentem na imposição dos efeitos da mora, os juros e as multas, a partir do dia seguinte ao do vencimento legal da obrigação. A seguir seus passos, só deveríamos considerar viável a imposição de tais sanções depois do lançamento homologatório de ofício que, em seu entender, fixa o momento do nascimento do crédito tributário e, portanto, do momento inicial da exigibilidade da obrigação. Como pensariam impor penalidades a obrigação, em seu entender, ainda não exigível?
Mas, consideremos: seria um erro terrível cobrarem-se juros e multas somente depois da providência fiscalizatória da autoridade, o que, pelo menos teoricamente, poderia se dar a quase cinco anos do fato gerador. Seriam quase cinco anos, portanto, de feliz inadimplência da exação, absolutamente impune e sem quaisquer incidências dos efeitos da mora.
A impossibilidade de manutenção de grandes contingentes de fiscais, fez com que se instituíssem, cada vez mais, exações no regime do autolançamento e, por isso, não faz mais sentido a exigência do lançamento de ofício nos casos de tributos legalmente instituídos daquela forma. Teimar com a providência "ex-officio" é manter-se na contramão do processo, é inviabilizar a arrecadação, porque jamais haverá tantos fiscais suficientes para estarem mensalmente nos estabelecimentos de cada um dos milhares de contribuintes, a notificá-los -- em cada caso de exação e a cada mês -- pela ocorrência de fatos geradores periódicos, quantos casos das dezenas de tributos, contribuições e taxas existentes.
Para pensar-se assim, então é de se perguntar: qual seria a vantagem em o legislador estabelecer exações no regime legal de autolançamentos? Outro argumento que, por certo, conflita com o entendimento daqueles que exigem o lançamento "ex-officio" para a constituição do crédito tributário, é o de que eles terminam por beneficiar os inadimplentes e sonegadores, em clara posição de desfavor aos que, acatando os ditames das leis fiscais, pagam em dia.
Então, do até aqui exposto somos forçados a resumir os seguintes conceitos: a) a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador; b) o crédito tributário se constitui no momento em que se vence o prazo fixado em lei para o pagamento da obrigação tributária; c) vencido tal prazo, a obrigação tributária passa a ser exigível e o devedor está constituído "pleno jure" em mora, sujeitando-se a juros e multas desde o vencimento, além de outras implicações, como a impossibilidade de deferimento de CND, ver seu nome apontado no CADIN, ter seu débito inscrito em dívida ativa ou sofrer execução judicial; e, d) as providências do contribuinte com o pagamento da exação, integral ou não, são um autolançamento ou lançamento ficto, sendo-o, também, o inadimplemento total, o pagamento parcial e a satisfação intempestiva.
Ante tais conceitos, podemos estabelecer que o indeferimento da expedição de uma Certidão Negativa de Débitos - CND - se impõe quando ficar evidente que o contribuinte deixou de pagar a exação sujeita ao regime de autolançamento no dia do vencimento previsto em lei para a satisfação da obrigação tributária.
Aliás, entendemos caberem algumas considerações a propósito.
Curiosamente se observa, em alguns casos de mandados de segurança impetrados para obrigar o Fisco a fornecer CND, que juízes, ainda apegados ao lançamento "ex-officio", terminam por deferir liminares sem embargo de estarem os contribuintes-impetrantes a declarar lisamente que devem exações sob regime do que chamam de lançamento por homologação, inexigíveis, segundo eles, porquanto os fiscais, nem os notificaram e nem procederam a pertinentes autos de infração para que ficassem constituídos os créditos tributários.
Em outras ocasiões, mesmo que tais contribuintes não confessem suas dívidas na inicial, o Fisco delas já teve conhecimento prévio, através de declarações mensais efetuadas por eles mesmos, como obrigações tributárias acessórias, o que passa a determinar sanções como o indeferimento das CND's, por exemplo e como a imediata possibilidade de inscrições no CADIN e na Dívida Ativa da União, para fins de execução fiscal. E tal ciência vem através das chamadas DCTF's ou Declarações de Contribuições e Tributos Federais, instituídas pelo Decreto-Lei nº 2.124/84. Nelas o sujeito passivo informa, mensalmente, ao Fisco, a ocorrência de fatos geradores, o "quantum debeatur" de cada um deles, e os vencimentos das obrigações; enfim, todos os elementos que caracterizam os requeridos "lançamentos".
Ora, tais confissões de dívida - quaisquer que sejam as formas utilizadas - determinam uma clara autonotificação do contribuinte para determinadas exações inadimplidas; um autolançamento. E se o mesmo comando permite, inclusive e com base na DCTF, inscrever-se a obrigação tributária vencida em Dívida Ativa da União, promovendo-se, desde logo, sua execução, não excluirá a sanção mais simples do indeferimento de CND.
De lembrar-se aos que insistem na necessidade do lançamento de ofício - mesmo em tais casos de inadimplemento confesso - que o art. 147, do Código Tributário Nacional também previu o lançamento "efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação."
De lembrar-se, também, que no rumo das idéias até aqui expostas sobre o autolançamento ou lançamento ficto, as DCTF's remetidas às autoridades simplesmente declaram (confessam) a ocorrência do fato gerador que, tornado crédito pelo vencimento do prazo legal para satisfação da obrigação, imediatamente estabelece, no caso de não pagamento das exações declaradas, a exigibilidade e a mora.
Assim, os freqüentes ordenamentos para que as autoridades fiscais forneçam CND a quem efetivamente deve e não nega dever, mas que defende a expedição do documento com a falta de lançamento "ex-officio", formalidade, como vimos, desnecessária e, que, afinal, não vai tornar adimplida obrigação de contribuinte faltoso, tais ordens - repete-se - consagram um sério absurdo lógico que, ademais, obrigam o Fisco declarar falsamente não devedor a quem, confessadamente, o é.
Do exposto, se infere a imediata necessidade de que se alinhem tais entendimentos com a melhor e mais moderna doutrina sobre a exigibilidade dos créditos tributários sujeitos ao regime de autolançamento, considerando, para tal exigibilidade, absolutamente hábil, inclusive, também a declaração confessa da ocorrência do fato gerador quando impaga a exação pertinente no prazo de lei.
Os que entendem de forma diferente do aqui expresso, inclusive uma certa parcela de nossos juízes, consagram a atribuição de um papel por demais relevante para a formalidade do lançamento nos casos de exações em que se diz devesse ele ser realizado por homologação.
Ouçamos, por isso, a lição de JOSÉ MORSCHBACHER, que, a respeito, assim se pronuncia em sua obra "Repetição de Indébito Tributário Indireto" ( Ed. Rev. Tribs. ed. 1984, pg. 26) :
"Nosso Código Tributário, embora, no art. 142, passe a definir a atividade do lançamento como privativa da administração tributária, destinada a individualizar, qualificar e quantificar a obrigação tributária, logo a seguir, no art. 150, como que desconhecendo a função específica e exclusiva do lançamento já anteriormente indicada, passa a prever paralelamente o "autolançamento", a "autoliquidação", sob a designação de "lançamento por homologação", como aplicável àqueles tributos "cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa". Dito lançamento por homologação, quase cem por cento ausente nos impostos para os quais se destina, passou a constituir, na realidade, como que uma homenagem legalmente homologada àquela corrente que confere, a esse ato administrativo, instrumento, igual senão maior importância do que a própria finalidade a que ele se destina: a realização da receita pública tributária.
Tal grau exagerado de importância, de autonomia, atribuída ao lançamento, torna-se perfeitamente compreensível se raciocinarmos em termos do Direito Tributário europeu, onde predomina o lançamento direto efetuado pela administração tributária; diversamente, nos países americanos predominam os impostos cuja arrecadação se processa independentemente de qualquer interferência da administração tributária. Nesse sentido, o testemunho de DINO JARACH ("in" Determinación Impositiva. Naturaleza. Formas y Efectos, conferência pronunciada em B.Ayres a 29.04.57, editada por Liceo Profesional `Cima', 1957, citado por Ruy Barbosa Nogueira, "Teoria do Lançamento Tributário, Resenha, SP, 1973, pp. 163/4) de que na Europa...
`practicamente -- aunque teoricamente no sea así -- la ley tributaria tiene como destinatarios a los funcionaríos de la Administración pública, porque son ellos quienes deben aplicar da disposición ... en los regímenes tributários europeos predomina un sistema por el cual sin Administración pública no hay aplicación concreta de las normas tributarias... Possiblemente, por una distinta modalidad en la concepción de las relaciones entre individuo y Estado en los países americanos... se elaboran los princípios abstractos de la ley tributaria con el entendimiento implícito de que los destinatarios de las normas son los ciudadanos mismos; la ley se dirige a los contribuyentes que son los destinatarios del precepto, de la norma legal, que establece cuando se verifican determinados supuestos de hecho existe la obligación tributaria. Por lo tanto, es a ellos a quienes se confia el cumplimiento del precepto. Los contribuyentes sientem en su propia conciencia el imperativo de la ley, en acto de obediencia a ella, deben cumplir con la misma pagando el tributo en los momentos y condiciones que la ley establece. La actividad administrativa no es un elemento necesario de la aplicación de la ley tributaria, porque son los ciudadanos los llamados, en primer término a cumplir y aplicar la ley por si mismos, y sólo cuando los contribuyentes aplican mal la ley, u omiten en absoluto cumplirla, interviene la Administración pública...'"
Um tributo sujeito a autolançamento é exigível após a ocorrência do fato gerador e do não pagamento na data prevista em lei. Por isso, em se tratando de exações sujeitas a tal regime, há que se prescindir do trabalho "ex-officio" por parte das autoridades fiscais.
Na mesma linha está a lição de Ruy Barbosa Nogueira, em seu "Curso de Direito Tributário"(Ed. Saraiva, 10ª, 1990, pg. 298, à qual convém dar registro:
"A exigibilidade administrativa do crédito tributário e sua exeqüibilidade judicial. O que é importante deixar bem fixado neste item é em que momento se considera o crédito tributário da Fazenda definitivamente constituído para os efeitos procedimentais da exigibilidade ou cobrança administrativa e em que momento, esgotada esta fase, sem êxito ou independentemente dela, deve ser feita a inscrição administrativa como dívida ativa para a exeqüibilidade judicial.
Concluído o lançamento original ou revisado, pela respectiva notificação ao sujeito passivo OU, NOS CASOS DE INADIMPLEMENTO DO AUTOLANÇAMENTO (não transformado em lançamento de ofício) VENCIDO O TEMPO DE PAGAMENTO (art. 160), o crédito passa a ser exigível e entram em funcionamento os meios administrativos de cobrança amigável ou de constrições administrativas, tais como: juros de mora (art. 161) sem prejuízo das penalidades cabíveis (como exemplo nos casos dos impostos de autolançamento), correção monetária e certas garantias e privilégios do crédito tributário (CTN, Cap. VI, Tít. III).
Portanto, é esse o momento da exigibilidade administrativa, da cobrança administrativa pelos meios legais."(Alguns grifos são nossos)
O mestre deixa bem claro: nos casos de inadimplemento do autolançamento, ainda que não transformado em lançamento de ofício, e quando VENCIDO o tempo de pagamento, o crédito tributário já é exigível, podendo o sujeito passivo ser alvo de constrições como, por exemplo, a negativa da CND.
Ainda do mesmo insigne tributarista:
"Embora o CTN tenha colocado em último lugar, na classificação que fez, o lançamento por homologação (art. 150) ou auto lançamento, ele é, em nosso país, o de maior ocorrência. A utilização do auto lançamento também é uma das características predominantes da tributação norte-americana.
O chamado auto lançamento é aplicado de preferência aos tributos indiretos e instantâneos, cujo fato qualificado como gerador se realiza em cada ato, fato ou situação, pois seria na prática impossível que, a cada momento, a repartição efetuasse diretamente, ou mesmo com base em declaração do contribuinte, um lançamento..." (grifamos)
Aliomar Baleeiro, "in" Direito Tributário Brasileiro (RJ, Forense, 1992, pgs. 520/1), também nos ensina:
"O CTN não menciona o autolançamento, evitando essa expressão ou qualquer outra equivalente. E diz que nesse caso, do art. 150, o lançamento se opera pelo ato da autoridade quando o homologa.
Prefere conceituar o "lançamento por homologação", que ocorre quanto aos tributos, cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, ressalvado o controle posterior desta. Ora, se ela homologa, isto é, ratifica e convalida o lançamento, este foi ato de autoria do sujeito passivo autolançamento, portanto.
Isso abrange tanto aqueles casos, quase todos extintos, em que era aleatório o controle do Fisco, mas também e sobretudo os tributos em que o contribuinte, nos livros fiscais, escritura os elementos para base de cálculo, recolhendo antecipadamente ou periodicamente o `quantum' que o Fisco recebe sob reserva de verificação e direito de exigir, por lançamento suplementar ou complementar, as DIFERENÇAS a seu favor" (grifamos).
3. A EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR PAGAMENTO NOS CASOS DE EXAÇÕES SUJEITAS AO REGIME DO AUTOLANÇAMENTO.
Agora, coloquemos nossas reflexões sobre uma outra questão que enfrenta controvérsias, tanto na jurisprudência, como entre os doutrinadores: aquela que diz respeito ao momento da extinção do crédito tributário pelo pagamento, quando a exação foi criada no regime do autolançamento.
Como é óbvio perceber na lista do art. 156, do CTN, a mais comum das modalidades de extinção do crédito tributário é o pagamento. Para o presente trabalho revela-se também a mais importante das modalidades de extinção do crédito tributário pois que, a final, o pagamento conduz ao trato de algumas outras, como a compensação, a transação, etc.
Por tudo quanto até aqui disposto, somos inclinados a admitir que no momento em que o contribuinte satisfaz sua obrigação com o implemento do prazo que a lei lhe deu para tanto, aí mesmo, neste momento, extingue-se sua obrigação.
E não importa se o próprio CTN atribui a este pagamento uma condição resolutória (art. 150, par. 1º) porque, a rigor, todo o pagamento -- e não só aquele no âmbito do direito tributário -- pode ser ulteriormente conferido e, quando inexato, reclamado. Também outros ramos de nosso direito -- civil e comercial, em especial -- permitem a cobrança do que restou quando a satisfação da obrigação não tenha sido integral. É o princípio que combate o locupletamento sem causa, ou o enriquecimento ilícito, que assim o ordena. E o Judiciário estará naturalmente à disposição de interessados credores que não hajam sido integralmente satisfeitos, quer por erro ou outro vício jurídico.
O direito tributário, via CTN, apenas dá maior clareza ao princípio, ademais porque valores não carreados na forma da lei ao Erário devem ser cobrados com rigor pelas autoridades, em face do absoluto interesse público e do dever funcional.
Quando o pagamento é integral, correto de acordo com a lei, ao fiscalizá-lo a autoridade o homologa.
No caso de pagamento apenas parcial, ainda aí a extinção da obrigação se dará pela parcela paga. E, tanto isto é verdade, que no caso de fiscalização, a autoridade, desaprovando o procedimento, lança, "ex-officio", apenas o resto faltante e notifica o devedor -- aí, sim -- para que pague a diferença constatada em trinta dias. E, consagrando o que se disse acima, faz com que este segundo lançamento seja cumulado de juros e multas, desde aquele outro lançamento, o atribuído por força de lei ao contribuinte ou autolançamento.
Destarte, uma mesma obrigação tributária, resultante de um só fato gerador, apresenta-se com a possibilidade de dois lançamentos: o primeiro, presumido, do próprio sujeito passivo; o segundo, quando o primeiro não haja integralmente satisfeito a obrigação, da autoridade fiscalizadora, agora de ofício. A situação de duplo lançamento não repugna ao direito tributário. Não há no CTN qualquer vedação a tal entendimento. O teor do art. 145, que poderia ensejar uma falsa idéia de que um primeiro lançamento ficto -- o da data do vencimento da obrigação tributária -- só em raros e específicos casos poderia sofrer alteração, tal teor, repete-se, não pode ser levado a alcançar lançamentos de modalidades diferentes, no caso, o autolançamento e um possível e futuro lançamento de ofício. O caráter definitivo do lançamento só é compreensível para aqueles casos em que se faz a notificação ao contribuinte. Já o princípio reitor do autolançamento ou do lançamento sujeito à fiscalização futura é, justamente, a possibilidade de que se emende, por ato de ofício, o pagamento que deve gerar.
No caso de falta de pagamento, não há falar de extinção (mas ainda aí se terá constituído o crédito tributário e a exigibilidade desde o dia do vencimento da obrigação) e, ocorrendo a fiscalização, se fará o lançamento "ex-officio" com juros e multa calculados desde a constituição em mora, isto é, desde o dia em que o crédito tributário, exigível, se viu inadimplido.
Importante guardarmos a consideração de que o pagamento efetivamente extingue a obrigação tributária ao tempo do autolançamento porque, como veremos adiante, tal conceito tem efeitos importantes, entre outros, mas muito especialmente, na decadência do direito de repetição.
4. A DECADÊNCIA E A PRESCRIÇÃO NOS CASOS DE EXAÇÕES SUJEITAS AO REGIME DO AUTOLANÇAMENTO.
Mantidos aqui os conceitos básicos de decadência -- como extinção do próprio direito, num prazo dado de omissão ou falta de seu exercício -- e prescrição -- como extinção da ação atribuída a um direito, também em certo e determinado prazo e também por omissão ou falta de exercício do interessado junto ao Judiciário -- trataremos de abordar o assunto de maneira a que se facilitem as colocações pertinentes e as interpretações que daremos aos textos legais, razão pela qual permitimo-nos separar este item de nosso trabalho em quatro pontos:
a) a decadência de pretensões tributárias da Fazenda Pública;
b) a decadência das repetições tributárias dos contribuintes;
c) a prescrição para ações de cobranças da Fazenda contra os contribuintes; e,
d) a prescrição das ações dos contribuintes contra a Fazenda.
a) a decadência de pretensões tributárias da Fazenda Pública
Os principais comandos legais sobre a decadência dos direitos fazendários estão em dois artigos do CTN: no art. 150, parágrafo 4º, e no art. 173.
Registremos o primeiro:
"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa (...)
(...)
Parágrafo 4º - Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação."
Deste artigo temos algumas lições a tirar, antes de falarmos sobre a decadência do direito de fiscalização nele contida.
Primeiramente, é de se notar o fato de que no caso de omissão da Fazenda, a lei considera homologado o lançamento. É o que alguns tributaristas chamam de homologação tácita. "Quid" quando o contribuinte não haja pago o tributo no vencimento apontado pela lei? Considerariam esses tributaristas "homologado" um lançamento que no próprio sentir deles jamais existiu? E se o contribuinte, mesmo sabendo que devia ter pago o tributo, propositalmente não o fez, contando, provavelmente, com as conhecidas deficiências de número de fiscais, considerariam ainda, tais tributaristas, a não ocorrência decadencial por dolo?
Em segundo lugar, registre-se a incrível imprecisão da lei quando, no "caput" deste artigo, menciona ter, o sujeito passivo, "o dever de antecipar o pagamento", como se, ao satisfazer a obrigação no prazo instituído pela norma tributária estivesse o contribuinte "antecipando o pagamento". É claro que disso não se trata. O pagamento é realizado no vencimento, sem qualquer antecipação, no mesmo momento em que se constitui o crédito ou em que nasce a exigibilidade, naquele em que ocorre o lançamento ficto, o autolançamento . Fica para adiante, apenas, a possibilidade de fiscalização do ato do contribuinte que, esta sim, tem cinco anos para ser tomada pela autoridade, a partir do fato gerador -- e não do momento do nascimento da exigibilidade, como seria mais conveniente -- pena de decadência desse direito de auditoria.
Sim, porque o que na realidade se declara no parágrafo 4º, do art. 150, é que o prazo decadencial só diz respeito à fiscalização do lançamento ficto ocorrido quando do vencimento da obrigação tributária. O fisco tem cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (ou seja, em uma data pouco anterior à da constituição do crédito) para levar a cabo o "accertamento". Omissa no referido tempo, a Fazenda decai do direito de fiscalizar e já nada mais pode reclamar sobre o lançamento ficto ocorrido no momento em que a obrigação se tornava exigível, como também não pode mais gerar um lançamento de ofício para a mesma finalidade de constituição. Ressalvadas, é claro, aquelas situações mencionadas de dolo, simulação ou fraude.
Já o art. 173, do CTN, nos diz o seguinte:
"Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."
A maior parte do disposto se destina, evidentemente, àquelas situações decadenciais relativas a exações cuja constituição do crédito tributário se dá pela notificação ou através de outra forma idônea.
Nos casos de autolançamento, a constituição do crédito tributário, como amplamente já se viu, se dá no momento em que vence o prazo para pagamento da exação. Assim, desprezados para este trabalho os incisos I e II do "caput", cumpre registrar, tão-somente, que vamos encontrar no parágrafo primeiro o "dies a quo", em que começa a contagem do prazo decadencial para a fiscalização do lançamento, neste caso de ofício, diferentemente dos casos sujeitos a fiscalização futura, em que o início do prazo é o do momento do fato gerador. A diferença se faz bastante clara: aqui, a contagem se dá a partir da constituição do crédito tributário pela notificação, auto de infração ou outro meio idôneo. Se a constituição não requereu uma notificação ou "qualquer outra medida" -- e este é o caso dos tributos sujeitos a autolançamentos -- então é do dia do fato gerador (art. 150, par. 4º), e não o do vencimento da obrigação (leia-se: da constituição do crédito tributário), que começa a contagem do prazo decadencial, no caso, para a fiscalização prevista em lei.
E em qualquer situação, como é sabido, o prazo decadencial não se interrompe.
Voltemos agora a um estudo conjunto dos casos de decadência contidos nos dois artigos apontados, para uma melhor compreensão
Se o pagamento no dia do vencimento foi integral e correto, como conferido em uma eventual fiscalização, então podemos claramente afirmar que: a) tal fiscalização se deu antes de cinco anos daquela data; b) que o pagamento no prazo extinguiu o crédito tributário ao tempo em que foi realizado; e, c) que a fiscalização homologou, isto é, conferiu e achou correto, o lançamento ficto e o pagamento realizados ao tempo do vencimento da obrigação. Se o pagamento, apesar de integral, se deu fora do prazo legal, então no "accertamento" há de nascer uma outra obrigação e um outro crédito tributário exigível que, notificado ao contribuinte, lhe exigirá os juros e as multas pertinentes, em obrigação que, de acessória, passa a principal, tudo para pagamento em trinta dias (art. 160, CTN).
Se o pagamento foi meramente parcial, então a partir do dia do vencimento legal da obrigação a autoridade administrativa tem cinco anos para efetuar a fiscalização e preparar um outro lançamento --de ofício, por auto de infração e pelo valor do restante impago -- que deverá ser notificado ao contribuinte, com os acréscimos de juros e multas contados a partir daquele vencimento, tudo para pagamento nos trinta dias seguintes ao recebimento da notificação. A partir daí só se há de falar em prescrição da ação para haver o restante, eis que o prazo decadencial não se chegou a completar pela ocorrência da fiscalização, exercida em tempo hábil.
Se a fiscalização, feita no tempo dos cinco anos, contados do dia do fato gerador -- e aqui novamente lamentamos que não se contasse o prazo decadencial a partir do vencimento legal da obrigação -- se tal fiscalização, repetimos, constata a sonegação, então um auto de infração será lavrado e tal lançamento de ofício, também com juros e multas, será notificado ao devedor para pagar o débito em trinta dias. Novamente cabem aqui as mesmas colocações a respeito do início do prazo prescricional, não mais se podendo cogitar de decadência eis que a fiscalização se realizou tempestivamente.
Por outro lado, se passados cinco anos, desde o fato gerador, para os tributos sujeitos ao autolançamento ou sem que tenha havido a constituição do crédito tributário pela providência legal "ex-officio", em outros tipos tributários, em ambos os casos a Fazenda Pública, quer porque não realizasse a fiscalização, no primeiro, quer pela omissão constitutiva, no segundo, então verá caducar irremediavelmente seus respectivos direitos.
Assim, é de resumir-se: exclusivamente para os casos de exações sujeitas ao regime do autolançamento, podemos estabelecer que tudo quanto dispõe o art. 150, par. 4º, do CTN, é que, em cinco anos, caduca o direito à fiscalização, por parte das autoridades, das providências tomadas, ou não, pelo contribuinte, naquele momento em que ocorre o vencimento da obrigação tributária, contado, tal prazo decadencial, a partir do dia da ocorrência do fato gerador. E que a decadência -- no mesmo prazo -- também atingirá a falta de constituição tempestiva do crédito tributário nos demais tipos tributários que não aqueles sujeitos ao regime do autolançamento, "ex-vi" do art. 173, do mesmo Código Tributário.
Agora quer nos parecer haver restado mais simples colocarmos, efetivamente, qual é o fundamento basilar da decadência prevista na lei tributária para os casos sujeitos ao regime do autolançamento: é a fiscalização, a auditoria, a correição, o "accertamento", do lançamento ficto, seguido seja ele, ou não, de pagamento bastante, realizado pelo próprio contribuinte no momento do vencimento legal da obrigação tributária, quer dizer, no momento da constituição do crédito tributário.
Então, quando falamos em decadência para constituir um crédito tributário -- como está no "caput" do art. 173, do CTN -- não estamos nos referindo à caducidade do direito naqueles casos de exações sujeitas ao autolançamento. O referido artigo só se há de prestar àqueles casos de exações sujeitas a lançamentos por notificação.
A decadência da Fazenda, nos casos de autolançamento, é do direito de fiscalização deste. Não é do direito de constituição do crédito tributário porque ele, como vimos, já se constituiu ao tempo do vencimento legal da obrigação.
Assim, realizada a fiscalização em tempo hábil, já não se falará mais em decadência. Se houve caso para um novo lançamento por notificação -- quer por inadimplência total ou parcial, quer por pagamento realizado fora do prazo legal -- então daí só podemos cogitar de prescrição da ação de cobrança pertinente, a ter seu prazo contado, naturalmente, desde a notificação do contribuinte para o pagamento do inadimplido.