Crimes Ambientais

Crimes Ambientais


IVAN LIRA DE CARVALHO - Juiz Federal e Professor de Direito da UFRN

INTRODUÇÃO
A humanidade vem experimentando uma crescente e salutar preocupação com os rumos do planeta Terra para esta e para as futuras gerações, notadamente no que diz respeito ao item qualidade de vida. Praticamente todos os segmentos do conhecimento científico reservam espaço nas suas produções objetivando melhor equacionar a utilização dos recursos naturais, bem como impedir que a desmedida ou desatenciosa atuação do homem inviabilize a perpetuação da nossa espécie. O Direito, como ciência social que é, não poderia ficar alheio à esta cruzada que toma vulto neste final de Século e chamou a si a responsabilidade de traçar as mais sérias normas de regulação das relações inter-pessoais e inter-insticuionais na área ambiental, quer através de leis, quer através da formulação de princípios reitores do tema. Não tardou, pois, que da derivação dos seus mais variados ramos, surgisse o Direito Ambiental e a partir deste as mais específicas variações (Direito Administrativo Ambiental, Direito Penal Ambiental etc.). VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, tecendo a excelência do Direito Ambiental, diz que este reclama conhecimento em várias porções da ciência jurídica, e mais ainda "em matérias interdisciplinares, como a biologia e a engenharia florestal. O interesse pelo meio ambiente, em tempos recentes, deixou de ser privativo de uma pequena parcela da população. A imagem do ecologista excêntrico, de aparência descuidada, avesso a qualquer intervenção na natureza, faz parte do passado. Dele resta, apenas, o estereótipo."(Correio Brasiliense, Direito & Justiça, 18.11.96, p. 7). Na seara penal, tem o Direito ocupado espaço por vezes controvertido e apontado como caudatário de posições políticas mais extremadas ou de grupos de pressão de índole inconseqüente. Creio que há exagero em nivelar, por baixo, todos os pronunciamentos jurídicos acerca de temas ambientais, especialmente no campo penal. Há exagero, também, nos que taxam de predominantemente reacionários os posicionamentos assumidos pelos operadores jurídicos, em matéria criminal, nos assuntos de meio ambiente. Entretanto, uma verdade não pode ser ocultada: a cada momento são multiplicados os desafios para quem maneja os instrumentos ofertados pelo Direito nesta seara, no rumo da especialização. Conceitos pedem revisão. Princípios se tornam obsoletos. Institutos novíssimos invertem as seculares regras de interpretar e decidir. A cautela e a modernização hão que se somar para que a eficácia seja aquela desejada pela sociedade. Sem arreganhos e sem omissões. O DIREITO PENAL MÍNIMO. TEMPERAMENTO IDEAL PARA OS CRIMES AMBIENTAIS.
É incontroverso que os rigores da prisão ou a imposição abundante de sanções severas não tem sido bastante para reverter o quadro de criminalidade que se amplia com a ampliação numérica da população mundial e é fruto dileto dos equívocos da vida em sociedade. Indiscutível também é que a marcha para a solução dos conflitos deve percorrer, de primeiro, as rotas da extra-oficialidade, rumando a seguir pelos mecanismos de composição alheios à imposição de sanções, para somente, quando esgotadas essas vias, desaguar na seara estatal incumbida de marcar a jurisdição. E mesmo neste último espaço, somente quando os outros ramos do Direito, timbrados de maior brandura, demonstrarem insuficiência para a solução das pendências, deve a querela ser posta sob as luzes do Direito Penal. É a prevalência do princípio da intervenção mínima, que é uma das características do Estado social e democrático de Direito. O primado da mínima intervenção do Direito Penal, inclusive em matéria ambiental, não se confunde com um Direito Penal fraco ou insuficiente. Pelo contrário, um arcabouço jurídico-penal bem definido e edificado sobre sérios e sólidos princípios, terá como inexorável fim um elogiável equilíbrio entre a proteção necessária ao meio ambiente e a liberdade dos cidadãos. Não custa ter olhos para a lição de GILBERTO PASSOS DE FREITAS, que ao defender a tutela penal para as agressões ecológicas, adverte: "Isto não significa, entretanto, que se proceda a uma profunda criminalização de condutas que afetem o meio-ambiente. Evidentemente, há que se proceder a uma análise criteriosa, criminalizando apenas aqueles atos de maior e significativa relevância."(A Tutela Penal do Meio Ambiente, in Dano Ambiental - Prevenção, Reparação e Repressão, vol. 2, S. Paulo, RT, 1993, págs. 310/311). NORMAS EXIMENTES EM CRIMES AMBIENTAIS
Desbordando a conduta humana da possibilidade de ser coartada de acordo com as regras acima preconizadas, inclusive em outros ramos do Direito, haverá o Direito Penal de oferecer-se como instrumento para a consecução da Justiça. Nunca sem antes assegurar ao increpado delinqüente as garantias constitucionais básicas e os mecanismos através do qual possa ele obter o atestado de que, em verdade, crime algum cometeu, posto que acobertado por normas excludentes de ilicitude, também chamadas de eximentes. No modelo penal brasileiro atual, são conhecidas quatro excludentes de criminalidade: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (CP, art. 23). Destes, vamos destacar os que mais freqüentemente são invocados em prol dos acusados de delito contra o meio ambiente. Não raro, o estado de necessidade é oposto a increpações de prática de crimes ambientais, inclusive para enfatizar o conflito de valores entre meios de produção versus oferta de emprego, pondo na berlinda a saúde coletiva. É o momento, pois, de ser consultado o princípio da adequação social, que serve para sustentar, em sede de assuntos ambientais, a chamada teoria do risco consentido, através da qual a sociedade tacitamente aceita determinadas condutas que, de forma natural, seriam havidas como perigosas ou danosas para o bem tutelado, no caso, o meio ambiente. Nessa linha, a Juíza ELIANA CALMON, do TRF da 1ª Região, em voto vencido na apelação criminal 0101607-93 afirmou: "A tipicidade e a aplicação do Direito Penal só está a par da legalidade quando em sintonia com os hábitos e costumes da sociedade, não podendo aceitar-se como crime, pela só vontade do legislador, aquilo que, ontologicamente, a sociedade não reconhece como tal."(DJ 10-4-95). Outra excludente de ilicitude passível de invocação em temas como os aqui comentados, é a de exercício regular de direito. Exemplifique-se com a autorização, conferida por autoridade administrativa, para o funcionamento de entidade empresarial cujo mister implique na prática de condutas que atentem contra o meio ambiente (indústria química, v.g.). A referida manifestação estatal concessória não tem o condão de funcionar como dirimente (excludente de culpabilidade) ou como excludente de ilicitude. Não se pode aceitar o cometimento de uma agressão ambiental, sob o pálio singelo de que "o Estado autorizou". A responsabilidade penal tem que ser perseguida, atingindo pessoalmente, inclusive, o agente da Administração que tenha contribuído para o crime, desde, é óbvio, que encontrado em culpa. Nada obstante, creio que o apontado sujeito ativo de prática delituosa que houver labutado com razoabilidade, obtendo a autorização para desenvolver a ação que findou por atacar o meio ambiente, desde que demonstre haver recebido a autorização de um ente que dispunha de competência constitucional para emitir normas de conteúdo ecológico, poderá opor ao acusador penal a excludente de criminalidade do exercício regular de direito (CP, art. 23, III, parte final).

ERRO DE PROIBIÇÃO
O erro de proibição, excludente de culpabilidade que é, também serve a evitar a aplicação de pena ao praticante de conduta que, em tese, tem todo o perfil de um crime ambiental. Por vezes, a tolerância do Estado está materializada na própria lei especial, como se pode inferir da conjugação do art. 40 do Código Florestal com o art. 8º da Lei das Contravenções Penais, que admite erro de proibição para os casos ali tutelados, conforme lembram os Irmãos PASSOS DE FREITAS (Crimes Contra a Natureza, 3ª edição, S. Paulo, RT, 1992). Entretanto, em grande parte dos casos, não é fácil o acatamento da dirimente ora comentada, em razão do elemento evitabilidade, gizado no art. 21 do Código Penal. Assim, decidiu o TRF da 4ª Região que sendo os agentes "pessoas do nível cultural médio e existindo atualmente conhecimento geral de que é proibida a caça de espécimes da fauna silvestre, não há como reconhecer a existência de erro sobre a ilicitude do fato."(DJ 22-5-96). O TRF da 3ª Região tem posição similar: "PENAL. CRIME CONTRA A FAUNA SILVESTRE. ALEGAÇÃO DE ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO. INESCUSABILIDADE. I - O apelante, embora alegando desconhecer o texto formal da lei, não pode eximir-se de seu cumprimento, já que a regra é da inescusabilidade. O agente não pode alegar o erro, se lhe era possível a consciência da ilicitude."(DJ 26-7-94).

CONCLUINDO...
A aplicação do princípio da intervenção mínima; o reconhecimento de eximentes; e o acatamento de dirimentes nos delitos que atingem o meio ambiente, são ocorrências que elevam o prestígio do Direito Penal Ambiental, demonstrando o equilíbrio do Estado no trato de tema tão sensível como o que diz respeito à preservação da vida de boa qualidade sobre o nosso Planeta.
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