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LEASING - QUESTÕES CONTROVERTIDAS.

 

 

Francisco CLÁUDIO de Almeida SANTOS

Ministro (aposentado) do Superior Tribunal de Justiça do Brasil

Advogado em Brasília/DF

 

 

 

O contrato de arrendamento mercantil, ou de leasing, como é conhecido internacionalmente, ainda comporta em vários de seus aspectos muita controvérsia.

Na verdade, tanto nas relações privadas entre os protagonistas desse negócio jurídico, arrendador e arrendatário, como nas relações tributárias entre ambos pactuantes de um arrendamento dessa espécie e o Fisco, Federal, Estadual e Municipal, muita discussão decorre da múltipla natureza do leasing e de suas conseqüências e da exigência de vários tributos da esfera de competência das pessoas jurídicas de direito público nominadas.

Melhor seria que cada um dos temas fosse tratado isoladamente, quer no ramo privado, quer na vertente pública do direito, distinção que, aliás, não conserva grande importância nos dias atuais, tal a preponderância dos grandes princípios do sistema jurídico no seu todo, o entrelaçamento de princípios de todas as áreas do direito e, particularmente, as conseqüências, indistintamente, em todas as áreas do direito, da híbrida natureza do contrato de leasing.

Aconselhável, por isso, antes de avançar nas questões a serem alinhadas, uma rápida repassada na natureza jurídica dessa espécie contratual.

O leasing, em algumas modalidades, denominado de renting embora guarde velhas raízes no antigo contrato de arrendamento é instituição jurídica moderna. Nas suas diversas espécies são contratos novos, atuais, criados e desenvolvidos para atender às necessidades do mundo, e permitir o uso e gozo de coisas, sejam bens, móveis ou imóveis, de uso, ou equipamentos de produção, sem que, necessariamente, o utente seja proprietário da coisa. A realidade econômica da civilização em que vivemos, e, sobretudo, o célere desenvolvimento tecnológico, fazem com que capitais sejam empregados em bens para serem usados por terceiros, sem a transferência da propriedade, e, portanto, sem grandes riscos, de um lado, e, de outro, fiquem os utentes do uso e gozo de equipamentos e máquinas a salvo dos prejuízos do obsoletismo dos bens de produção.

O leasing, hoje, é contrato de larga utilização em todo mundo e versado na legislação da maioria dos países, ainda que sem uma definição completa, inclusive no Brasil, onde apenas uma espécie de leasing é disciplinada legalmente sob o nome de arrendamento mercantil.

Ao meu sentir, tem a espécie contratual, para o arrendatário-empresa, duas grandes vantagens: uma, de ordem financeira, de modo a liberar capital de giro ou de suprir a falta de capital para uma imobilização e, ainda, permitir-lhe apresentar um balanço com melhor índice de liquidez do que se adquirisse o bem, lançando-o contabilmente em seu ativo imobilizado; outra, de ordem tributária, pois a paga mensal do arrendamento é, em princípio, despesa operacional, dedutível da receita tributária, para fins de apuração do lucro tributável pelo imposto de renda.

Para o arrendador, em geral, empresa pertencente a grupo financeiro, tem a vantagem de uma segura aplicação de capital, a salvo dos riscos comerciais da inadimplência simples, da concordata ou da falência, sem embargo do direito à depreciação contábil do bem, para efeito de imposto de renda, porquanto há o bem de figurar no seu ativo imobilizado.

Basicamente, no contrato de leasing, alguém titular da propriedade plena de uma coisa, móvel ou imóvel, cede a outrem, pessoa jurídica ou natural, o uso do bem, mediante a transferência de sua posse direta, que assim poderá utilizar-se dele ou explorá-lo economicamente, sendo assegurado ao final do prazo do contrato a simples devolução da coisa, a renovação do contrato ou a sua aquisição pelo preço residual avençado, tudo contra o pagamento periódico ou simplesmente mensal de valor fixado no contrato.

Disse antes cuidar-se de contrato de natureza híbrida e, efetivamente, vê-se no leasing uma aparência de locação, uma aparência de compra e venda a prestação, uma clara faculdade de utilização da coisa e uma nítida promessa unilateral de compra e venda. Não é só. Na modalidade mais importante economicamente, vê-se também um financiamento, porquanto nem sempre a coisa é disponível no mercado para ter seu uso cedido; muitas vezes é ela solicitada pelo arrendatário ao arrendador que a compra para arrendar ao pretendente e, assim, proporcionar-lhe a aquisição futura. Essa pluralidade de relações jurídicas leva a doutrina a conceituar o contrato de arrendamento mercantil como um negócio complexo, com a predominância do contrato de locação, muito embora sua concretização traduza um verdadeiro financiamento.

Fábio Konder Comparato, em seu conhecido estudo denominado "Contrato de ‘leasing’", publicado na Revista dos Tribunais n° 389, de 1968, diz que o leasing, "propriamente dito, não obstante a pluralidade de relações obrigacionais típicas que o compõem, apresenta-se funcionalmente uno: a «causa» do negócio é sempre o financiamento de investimentos produtivos." Todavia, logo em seguida, com respeito às relações obrigacionais faz a seguinte afirmação: "Sem dúvida, dentre as relações obrigacionais típicas que compõem o «leasing» predomina a figura da locação de coisa. Mas a existência de uma promessa unilateral de venda por parte da instituição financeira serve para extremá-lo não só da locação comum, como da venda a crédito."

Para o mestre Arnoldo Wald, em trabalho também pioneiro, cogita-se de um contrato pelo qual uma empresa "desejando utilizar determinado equipamento, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação, ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato." Acentua, ainda, que o arrendamento mercantil é uma "fórmula intermediária entre a compra e venda e a locação, exercendo função parecida com a da venda com reserva de domínio e com a alienação fiduciária, ..."(Revista dos Tribunais, n° 415, de 1970).

O advogado Luiz Mélega, em livro com o título de "O Leasing e o Sistema Tributário Nacional" (São Paulo, Co-edição IBDT e Ed. Saraiva, 1975) define o leasing, em sua forma ortodoxa, como um arrendamento, mas além de colacionar a opinião de vários juristas, dentre os quais, o já citado Fábio Konder Comparato, Benedito Garcia Hilário, com opinião igual a sua, menciona Sampaio de Lacerda, que considera o leasing uma típica operação financeira, Philomeno Costa e Thomas Benes Felsberg, para os quais o leasing não é uma operação financeira, mas uma operação comercial, onde o elemento financeiro é preponderante.

O Prof. Fran Martins considera complexa a natureza jurídica do arrendamento mercantil, "compreendendo uma locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição do bem pelo arrendatário) e, às vezes, um mandato, quando é o próprio arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem." ("Contratos e Obrigações Comerciais", 2ª edição, Rio, Forense, 1990, p. 547) (A referência ao mandado é influência da doutrina francesa que identifica esse contrato nas relações entre empresa arrendatária e sociedade financeira arrendadora, quando a aquisição do material é feita segundo a necessidade da primeira, atuando esta como mandatária do adquirente inicial do bem).

A lei brasileira (Lei n° 6.099/74, alterada pela Lei n° 7.132/85) assim define o leasing financeiro ou arrendamento mercantil : "considera-se arrendamento mercantil, para efeitos desta lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta."

Arnaldo Rizzardo, a comentar o dispositivo reproduzido, observa : "Não se trata de uma simples locação com promessa de venda, como à primeira vista pode parecer. Mas cuida-se de uma locação com uma consignação de promessa de compra, trazendo, porém, um elemento novo, que é o financiamento, numa operação específica que consiste na simbiose da locação, do financiamento e da venda. Em suma, é a figura em exame uma alternativa de financiamento para aquisição de qualquer tipo de veículo, máquina ou equipamento de fabricação nacional ou estrangeira, novo ou usado, incluindo, também, financiamento de imóveis."

Existem, no direito brasileiro, pelo menos, dois tipos de leasing distintos. O leasing financeiro ou arrendamento mercantil, que é realizado por empresa mercantil "com perfil equivalente ao das instituições financeiras"(Ives Gandra Martins, in "Instituições de ‘leasing’ têm tratamento legislativo pertinente às instituições financeiras - O IPMF é tributo inconstitucional - Parecer", na CEFIR Revista de Imposto de Renda, n° 239, 1994), e o leasing operacional, praticado pelo próprio produtor do bem ou empresa comercial especializada.

O primeiro é o leasing puro ou clássico, onde três pessoas se envolvem a arrendadora, a arrendatária e a empresa fornecedora do bem (esta na fase inicial do negócio), cujo contrato contém, obrigatoriamente a opção de compra, de renovação de contrato ou a devolução do bem.

Há uma outra modalidade, da mesma natureza, também claramente admitida na legislação (art. 9° da Lei n° 6.099/74), que é o lease back ou sale-lease back, onde não existe o terceiro fornecedor, pois o bem é da própria arrendatária, que o retira de seu ativo imobilizado, preliminarmente, para vendê-lo à arrendadora, e, posteriormente, recomprá-lo pelo valor residual.

A segunda espécie é o leasing operacional, assemelhado ao contrato de renting. Nesta modalidade o fornecedor ou produtor do bem é o próprio arrendador. Muito usado, nos Estados Unidos da América do Norte pelas grandes montadoras de veículos automotores, pelos fabricantes de computadores e de diversos equipamentos eletrônicos, eletrodomésticos, etc. Geralmente as coisas arrendadas têm vida curta, e não há obrigatoriedade de cláusula de opção de compra, sendo o risco de obsoletismo da arrendadora.

Tal espécie não tem regulamentação específica, sendo totalmente atípica.

É tempo de enfrentar os problemas anunciados de início, pois é este o objetivo deste trabalho, com a apresentação, tanto quanto possível, da posição dos tribunais do País, em especial, do Superior Tribunal de Justiça acerca das controvérsias.

Começo pelas questões freqüentemente discutidas no tocante ao campo obrigacional e a primeira delas radica, para alguns, na forma de contratação do leasing, se mediante adesão ou não. Tenho pelo chamado contrato de adesão uma compreensão clássica, conforme elaborado pela doutrina francesa no começo do Século, inclusive pelos administrativistas. "...não basta que a relação jurídica se forme sem prévia discussão, aderindo uma das partes à vontade da outra. Muitos contratos se estipulam desse modo sem que devam ter essa qualificação. A predominância eventual de uma vontade sobre a outra e mesmo a determinação unilateral do conteúdo do contrato não constituem novidade. Sempre que uma parte se encontra em relação à outra numa posição de superioridade, ou, ao menos, mais favorável, é normal que queira impor a sua vontade, estabelecendo as condições do contrato. A cada momento isso se verifica, sem que o fato desperte a atenção dos juristas, justo porque essa adesão se dá sem qualquer constrangimento, pois a parte pode dispensar o contrato. O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, por isso que tem necessidade de dar satisfação a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido." São idéias de Orlando Gomes (in "Contratos", Rio, Forense, 1959, p. 132), com as quais estou de pleno acordo e lembro alguns exemplos contratos de adesão típicos, tais os contratos de fornecimento de energia elétrica e de água, nas cidades. Por isso, deixo à margem aquela definição contida no Código de Defesa do Consumidor ("...é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.", art. 54), até porque não tenho os contratos de arrendamento mercantil ou de leasing operacional, firmados entre pessoas jurídicas ou entre fornecedores, como sujeitos àquele Código (ressalvo o leasing operacional entre fornecedor e consumidor, de acordo com as definições dessas pessoas que se encontram nos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90, pela amplitude daquelas qualificações). Entretanto, os contratos de arrendamento são contratos semi-regulamentados, na medida em que a legislação impõe dele constem cláusulas mínimas ou essenciais, ou são contratos-tipo, como, aliás, o são a totalidade dos contratos bancários e muitos outros de locação, de fornecimento de artigos de informática, de vendas mercantis a prazo, de transportes, etc. As cláusulas impostas pela regulamentação do contrato de arrendamento mercantil, que, necessariamente, é escrito, dizem respeito à descrição do bem, ao prazo, que, do ponto de vista econômico, deve corresponder à vida útil do bem (não há arrendamento de prazo indeterminado), ao valor das prestações e sua forma de pagamento por períodos não superiores a seis meses, ao direito de opção de compra do bem ou renovação do contrato, devendo ser estabelecido o preço da coisa ou o critério utilizável para sua fixação, e outras pertinentes ao negócio e à coisa.

Do exposto, exsurge que as cláusulas e condições pré-estabelecidas não podem proporcionar vantagens descabidas à arrendadora, tais como uma posição privilegiada, na hipótese de demanda judicial, a faculdade de reconhecimento de dívidas ou a emissão de cambiais, através de mandatos conferidos direta ou indiretamente à própria arrendadora (v. Súmula n° 60 do STJ), ou seu enriquecimento sem causa. Cláusulas com tais vícios, leoninas, lesivas aos direitos da arrendatária, potestativas, vêm sendo repelidas pela Justiça. É de lembrar-se que, embora inaplicável, em regra, o Código de Defesa do Consumidor, seu elenco exemplificativo de cláusulas abusivas, despertou a consciência jurídica nacional para tais defeitos que afetam o equilíbrio e a comutatividade dos contratos. Daí a repulsa a práticas incorretas e abusivas nos contratos em geral.

 

 

 

MANDATO EM CAUSA PRÓPRIA

 

 

Com essas considerações introdutórias, nessa parte da exposição, lembro, de início, que a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP n° 1.641-RJ, julgado em 18.12.90, relator o Ministro Athos Carneiro, rechaçou cláusula de mandato, em contrato de arrendamento mercantil, conforme trecho da ementa que anuncio :

 

"ARRENDAMENTO MERCANTIL. Leasing de veículo automotor, fabricado no Brasil.

...........................................

Invalidade de cláusula, em contrato de adesão, outorgando amplo mandato ao credor, ou a empresa do mesmo grupo financeiro, para emitir título cambiário contra o próprio devedor e mandante. Ofensa ao artigo 115 do Código Civil."

 

Este é, aliás, atualmente, entendimento pacífico naquela Tribunal, tanto que sumulada a sua jurisprudência, nesse sentido, no concernente aos contratos de mútuo.

 

 

 

FORO DE ELEIÇÃO

 

 

Ainda a Quarta Turma, no julgamento do RESP n° 26.788-MG, em 17.11.92, relator Ministro Athos Carneiro, sobre cláusula de foro de eleição, manifestou o seguinte entendimento expresso na ementa do acórdão deste teor :

 

"COMPETÊNCIA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. LIMITAÇÕES À SUA APLICAÇÃO.

Em se tratando de contratos de adesão, relativos a negócios pactuados nos mais diversos pontos do território nacional por grande empresa que se dedica ao arrendamento mercantil (‘leasing’), sobre a cláusula de eleição de foro impressa e praticamente imposta ao pretendente ao arrendamento, devem prevalecer as regras de competência alusivas ao local do negócio e ao pagamento das prestações.

Caso em que, além disso, no lugar da avença, Belo Horizonte, ações cautelares de natureza jurisdicional, propostas pelo arrendatário, tramitam normalmente sem discussão quanto ao foro competente.

Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas ao qual se nega provimento."

 

Sobre a controvérsia, com a particularidade de não haver manifestação acerca da natureza do contrato, como se de adesão fosse, e ainda tendo em conta outra peculiaridade, a Terceira Turma, no RESP n° 39.280-RS, de 09.11.93, relator o Ministro Dias Trindade, assim resumiu seu pronunciamento na ementa:

 

"PROCESSUAL CIVIL. FORO DE ELEIÇÃO. RENÚNCIA TÁCITA.

A circunstância de haver o arrendador levado a protesto os títulos relacionados com o contrato de "leasing", no domicílio do arrendatário, importa em renúncia tácita ao foro de eleição e do local do pagamento."

 

Na verdade, no caso, as partes têm liberdade para a escolha do foro, pois não há nenhuma disposição legal em contrário. Preocupa, entretanto, àquele Tribunal Superior a dificuldade de acesso à Justiça derivada da eleição de foro, quando, por exemplo, a parte é domiciliada ou sediada no interior do Estado do Amazonas, onde cumpre suas obrigações e inclusive efetua os pagamentos de seus débitos, e a outra, com agências, sucursais ou representações em quase todo País, escolhe, para sua comodidade ou por conveniência, o Foro de São Paulo para solucionar suas pendências judiciais. É o que acontece, por exemplo nos contratos de consórcio. Trata-se de uma razão, com raízes constitucionais - do pleno acesso à Justiça -, que alicerça o entendimento freqüentemente adotado no STJ.

 

 

 

RESCISÃO CONTRATUAL

 

 

Poucos autores brasileiros têm se dedicado à questão da rescisão contratual, em especial aquele que pretendo focar, da rescisão por inadimplência do arrendatário. A maioria da doutrina fixa-se apenas no debate sobre a natureza do contrato, suas vantagens e desvantagens, nas suas espécies e acerca das obrigações tributárias das partes.

O magistrado Arnaldo Rizzardo, autor de umas das boas monografias existentes no Brasil sobre o assunto, faz estas observações, no que interessa:

 

"O locatário e o locador, se inadimplentes, dão margem à resolução do contrato de arrendamento.

Mas, adverte Oviedo: ‘No toda infracción contractual produce, sin embargo, la consecuencia necessária o facultativa de resolución del contrato: ello sólo acaecerá cuando así se prevea en el proprio contrato, o resultase en sua caso de un precepto legal aplicable y de caráter imperativo.’

A causa mais comum, no lado do locatário, para ensejar a resolução, é a falta ou o atraso de pagamento do aluguel convencionado, ou a sublocação a estranho, sem o consentimento do locador.

Acrescentam-se outros fatores, como o descumprimento de cláusulas atinentes à manutenção, ao emprego em atividade apropriada, ao pagamento de taxas e encargos públicos.

O rompimento do contrato acarreta sérias conseqüências ao arrendador. Conforme o caso e o tipo de bens locados, haverá grande dificuldade em recolocá-los no mercado."("O ‘leasing’-arrendamento mercantil-no direito brasileiro", São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1987, p. 139).

 

Ao final, tocante aos efeitos decorrentes da rescisão do contrato, transcreve opinião de autor argentino, nestes termos:

 

"O efeito natural é a devolução do equipamento, com a correspondente indenização. Como outras decorrências aparecem, aproveita-se a relação discriminada por Eduardo A. Barreira Delfino:

‘- restitución del bien contratado al dador o pago de una determinada indemnización en el supuesto de pérdida o extravío total del bien;

‘- cesación del curso de las cuotas periódicas o precio del leasing;

‘- pago al dador de la diferencia existente entre el precio de reventa del bien contratado prefijado en el contrato y el precio cotizado por la unidad a sua devolución, en la medida que éste sea menor;

‘- pago de las multas y punitorios estipulados contractualmente en la eventualidad que así correspondieren;

‘- secuestro inmediato del equipo contratado;

‘derecho del dador a cobrar daños y perjuicios al tomador cuando el contrato de leasing se resuelve por culpa de éste;

‘- derecho del tomador a percibir daños y perjuicios del dador cuando el leasing se hubiere resuelto por su culpa;

‘- habilitación para la iniciación de las acciones judiciales civiles o criminales que fueren pertinentes." (ob. cit., pp. 140/141).

 

Na rescisão unilateral do contrato de leasing financeiro por culpa do arrendatário, é meu entendimento, o arrendadador pode cobrar todas as prestações vencidas e vincendas, além dos juros e multas pactuados , e, se o valor do bem retomado posteriormente e vendido não for suficiente para repor seu capital e frutos, receber indenização correspondente ou, logo de início, reaver o bem, cobrar as prestações vencidas, os juros e as multas por força da mora, além de perdas e danos compensáveis pelo valor residual do bem, obtido na sua alienação. Retomar o bem, cobrar as prestações vencidas e vincendas, os juros e as multas pactuados ou alternativamente, não sendo previstas penas convencionais, pleitear indenização e vender o bem arrendado em seu prol é atitude incompatível com o direito. Por um lado, cláusula que impõe a rescisão do contrato no caso de atraso no pagamento de prestações e assegura ao arrendador a retomada da coisa, o direito às prestações futuras, a cobrança de penalidades indenizatórias ou perdas e danos, a perda para o arrendatário da faculdade de adquirir o bem, e, por fim, o direito do arrendador alienar o objeto do arrendamento em seu benefício, é cláusula leonina. É que não é justo, privado, mesmo por sua inadimplência, do uso da coisa, pague o arrendatário por um uso que não fez, nem irá fazê-lo, indenize o arrendador, perca as parcelas de preço acaso antecipadas e ainda perca o direito à aquisição da coisa. O arrendador, para não locupletar-se indevidamente deve optar por um ou outro caminho para reaver a totalidade do capital empregado e seus frutos, o que constitui direito seu inarredável, sem que a ausência imediata de ação para reaver a coisa importe em renúncia ao direito de propriedade.

Essa alternativa do arrendador não confere, por outro lado, qualquer direito ao arrendatário de pretender devolver a coisa e resilir unilateralmente o contrato, salvo se pagas todas as prestações do negócio e ressarcido o arrendador de todos os prejuízos sofridos.

Ao que me parece, é essa a orientação predominante que a jurisprudência dos tribunais, com sabedoria, vem proporcionando. Veja-se.

A Professora Maria Helena Diniz, em seu "Tratado Teórico e Prático dos Contratos" (São Paulo, Ed. Saraiva, 1993, vol. 2), registra dentre outros estes excertos da jurisprudência :

 

"Se o arrendador opta pela rescisão do contrato de leasing, em face da inadimplência do arrendatário, não lhe é lícito cumular a ação de reintegração de posse com a cobrança das prestações remanescentes. Deve ele optar por uma das vias: ou exigir o cumprimento do contrato, ou a sua rescisão com perdas e danos e reintegração na posse do bem (EI 354.618, 1° TACSP)."(ob. cit., p. 374)

 

"Eventual rescisão do contrato de leasing, pelo não-pagamento das mensalidades, implica a exigência das prestações vencidas até o instante em que o bem esteve em mãos do arrendatário, mais a recomposição de eventuais danos e multa contratual. Impor-se o pagamento de prestações futuras e ainda, do valor residual, implica bis in idem. Esse último, aliás, só é exigível nos casos de perda ou de aquisição do bem (AC 292.243, 1° TACSP)."(idem, p. 386).

 

Essa posição do Alçada especializado de São Paulo mereceu a chancela do Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator Ministro Athos Carneiro, no acórdão proferido no RESP n° 16.824-SP, de 23.03.93, assim ementado:

 

"ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR INADIMPLEMENTO DO ARRENDATÁRIO. CONSEQÜÊNCIAS. NÃO EXIGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES ‘VINCENDAS’.

O inadimplemento do arrendatário, pelo não pagamento pontual das prestações autoriza o arrendador à resolução do contrato e a exigir as prestações vencidas até o momento da retomada de posse dos bens objeto do leasing, e cláusulas penais contratualmente previstas, além do ressarcimento de eventuais danos causados por uso anormal dos mesmos bens.

O ‘leasing’ é contrato complexo, consistindo fundamentalmente num arrendamento mercantil com promessa de venda do bem após o término do prazo contratual, servindo então as prestações como pagamento antecipado da maior parte do preço.

No caso de resolução, a exigência de pagamento das prestações posteriores à retomada do bem, sem a correspondente possibilidade de o comprador adquirí-lo, apresenta-se como cláusula leonina e injurídica.

Recurso especial conhecido pelo dissídio, e provido."

 

 

 

PURGACÃO DA MORA

 

 

Interessante controvérsia diz respeito à possibilidade de purgação da mora na reintegração de posse pleiteada pela sociedade arrendadora. A Lei n° 6.099/74 é omissa. O Código Civil é que dispõe: "Purga-se a mora: I - Por parte do devedor, oferecendo esta a prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta...."(art. 959, I). É direito do devedor purgar a mora quando a lei ou o contrato confere-lhe essa faculdade. No sistema jurídico brasileiro, a lei confere ao devedor o direito de purgar a mora na locação (art. 62-II a V e par. ún. da Lei n° 8.245/91), no arrendamento rural (art. 32 do Dec. 59.566/66) em várias hipóteses de compromisso de compra e venda de imóveis e loteamento (art. 14 do Dec. 3.079/38, art. 1° do DL 745/69, arts. 32 e 33 da Lei n° 6.766/79), nos contratos relativos a unidades condominiais (art. 63, da Lei n° 4.591/64), em alguns contratos imobiliários (art. 1°- VI, da Lei n° 4.864/65, art. 8°, da Lei n° 5.741/71), nas cédulas hipotecárias (arts. 31, 34 e 37 do DL 70/66) e nas vendas a crédito com reserva de domínio (art. 1.071 do C.P.C.) e na alienação fiduciária em garantia (art. 3° do DL 911/69), as últimas quando o devedor já houver pago quarenta por cento do preço da coisa. O mais deve ser previsto no contrato.

Não é essa, todavia, a unanimidade da doutrina, e muito menos da jurisprudência.

A Professora Maria Helena Diniz, no seu "Tratado", já mencionado, expõe :

 

"Se o contrato de leasing não previa rescisão independentemente de notificação, havendo falta de pagamento dos aluguéis ou de qualquer outra obrigação assumida, mesmo que a arrendadora tenha promovido ação de reintegração de posse para obter a devolução do bem, a arrendatária poderá purgar a mora até a contestação da lide. Todavia, pode acontecer que não mais seja viável a emenda da mora, p. ex., se o pagamento da prestação apresentar-se, na época, inútil aos interesses da arrendadora ou se o contrato ou a lei contiverem disposição prescrevendo que o simples inadimplemento levará à resolução de pleno direito, sem necessidade de interpelação ou notificação, para constituição em mora."(p. 370).

 

ARNALDO RIZZARDO assim manifesta seu ponto de vista:

 

"Pergunta-se da possibilidade em purgar a mora enquanto não resolvido o negócio.

É evidente a resposta afirmativa quando o devedor é intimado em expediente próprio, noticiando a resolução se não satisfeita a dívida em um prazo concedido.

Entretanto, mesmo inocorrendo esta medida, admite-se a purga, já que o art. 959, I, da lei civil pressupõe a faculdade, autorizando o oferecimento da prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta.

Malgrado o silêncio da Lei 6.099 e os argumentos contrários de alguns, como de Paulo Restife Neto, sustentando que, ao permitir a lei a introdução no contrato, de cláusula resolutória expressa, com previsão da possibilidade do locador, uma vez caracterizada a mora do devedor, dar por rescindido o contrato extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto, está assentando não caber ao locatário o direito de emendar a mora, fortes razões justificam a admissão do direito.

A começar pela semelhança com institutos afins, como a venda com reserva de domínio e a alienação fiduciária, nos quais é imperativa a necessidade de protesto do título, e conseqüentemente a permissão de seu resgate, presumem-se a necessidade da notificação e a faculdade em se purgar a mora.

Os fundamentos vêm mais explicados num acórdão do 1° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, cuja ementa proclama:

 

‘Ação de reintegração de posse de bem móvel, locado mediante arrendamento mercantil. Natureza jurídica do contrato de leasing’"(ob. cit., pp. 149/150).

 

O acórdão referido foi proferido na AC n° 324.228-SP, julgada em 14.08.84.

Paulo Restife Neto, com efeito, salienta ser uma das características do leasing, que o fazem distinto da locação, a "permisibilidade de introdução de cláusula resolutória expressa no contrato, com previsão de possibilidade do locador, uma vez caracterizada a mora do devedor, dar por rescindida a avença extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto da locação;" ("Locação Questões Processuais", 3ª. ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.12). Dessa particularidade, salienta logo em seguida o autor citado, decorre não assistir ao locatário o direito de emenda da mora, ao contrário do que acontece nos contratos tradicionais de locação, e averba sem hesitação: "...,não incidem nas locações de leasing imobiliário regras de ordem pública ou de direito cogente que se superponham à vontade e interesse particular das partes no campo das disponibilidades de caráter privatístico e que limitam o poder e a atividade das partes no campo da locação predial urbana." (p.12).

Maria Helena Diniz anota outras ementas no mesmo sentido, mas reproduz esta, sem indicação de data, na AC 417.386-4, do mesmo Tribunal:

 

"Não se enquadrando o leasing entre as vendas a crédito com reserva de domínio, cujo processo é disciplinado no CPC (art. 1.070 e segs.), inexiste qualquer mandamento legal que imponha a obrigação de se abrir oportunidade ao arrendatário de, na própria ação de reintegração de posse, purgar a mora". (Ob. e vol. cits., p.377).

 

Em uma oportunidade o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, unanimemente (RESPs n°s 9.219-MG, de 19.06.91), relator ainda o Ministro Athos Carneiro, assim firmou seu entendimento acerca da questão :

 

"ARRENDAMENTO MERCANTIL - ‘LEASING’. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA PELO ARRENDATÁRIO.

Tendo em vista a natureza e os objetivos do contrato de arrendamento mercantil, com a opção concedida ao arrendatário para a compra do bem, a possibilidade de purgação da mora preserva os interesses de ambas as partes e mantém a comutatividade contratual.

Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas ao qual se nega provimento."

 

A verdade é que, em tema de mora, há um conflito na legislação brasileira.

O Código Comercial (arts. 138 e 205) se filia à doutrina que exige a interpelação, salvo se, na avença, se convencionar, de forma expressa, incorrer o devedor em mora pela mera fluência do prazo. É a cláusula resolutiva.

O Código Civil segue a regra dies interpellat pro homine, claramente estampada no seu art. 160, deste teor : "O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor." Veja-se, entretanto, o parágrafo único do art. 119, onde se lê: "A condição resolutiva da obrigação pode ser expressa, ou tácita; operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo."

Aí estão as duas vertentes a vigorar até que se faça um código de obrigações unitário. Uma a adotar a mora ex persona, outra, a mora ex re.

In casu, cogitando-se de obrigação comercial (arrendamento mercantil), entendo que o sistema a aplicar-se é o do velho Código Comercial, ou seja, como não existe nenhuma lei a dispor em contrário, o contrato de leasing pode conter cláusula resolutiva expressa, a prever sua rescisão na falta de cumprimento de qualquer obrigação pelas partes, em especial, pelo não-pagamento dos valores estipulados, a título de pagamento pelo arrendamento, a cargo do arrendatário.

Inexistindo cláusula resolutória, a pessoa arrendatária deve ser interpelada para o cumprimento da obrigação, a fim de ser constituída em mora. Nesse caso, havendo, como necessariamente deve haver, um prazo para o cumprimento da obrigação, pode a mora vir a ser emendada.

Lembre-se, finalmente, como sublina o Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior, que "a simples mora não é causa de resolução, e isso porque a própria lei somente permite ao credor enjeitar a prestação, ofertada após o vencimento e a constituição da mora, se essa prestação se tornar inútil (art. 126, parágrafo único do C. Civil)". ("Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor (Resolução)", Rio de Janeiro, Aide ed., 1991, p. 120). Em nota de rodapé (236), acrescenta o autor que, apesar de algumas opiniões em contrário, a maioria da doutrina estrangeira concorda com a insuficiência da mora para a resolução, "exigindo que ela afete de maneira grave o interesse do credor".

Agostinho Alvim faz uma percuciente observação a respeito. Diz o autor no seu livro "Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências" (São Paulo, Ed. Saraiva, 1949): "Podem as partes pactuar que a prestação, fora de tempo, ou em desacordo com o combinado, será havida como inútil. É preciso não confundir o prazo fatal para o cumprimento da obrigação, isto é, a convenção de que o não cumprimento, em certa data, implica inutilidade da prestação, com a regra dies interpellat pro homine, adotada pelo nosso Código. Se o devedor não cumpre a obrigação na data aprazada, incide em mora, só por isso. Mas a mora purga-se, e o devedor, uma vez que se proponha a fazê-lo, poderá forçar o credor a receber a prestação, salvo se se tornou inútil. Ao passo que a convenção de que a prestação se reputa inútil, se não efetuada no tempo convencionado, impede o devedor de purgar a mora (cf. Bevilaqua, obs. nº. 2, ao art. 956 do Cód. Civ.; Dernburg, ob. cit., vol. II, § 41, última alínea; Barassi, Instituzioni di diritto privato, pág. 269)." (p.58).

 

Acontece que, no atual estádio da civilização há uma nítida aproximação dos grandes sistemas jurídicos, proliferando a regulamentação de atos e negócios jurídicos, assim como de outros institutos, nos países que adotam a common law, e o recurso aos princípios do stare decisis e da construction, na aplicação do direito, principalmente nas soluções das controvérsias judiciais, nos países cujo sistema é o da civil law.

René David, na sua obra "Os grandes sistemas do direito contemporâneo" (Trad. de Hermínio A. Carvalho, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1993), faz estas observações : "A common law conserva hoje a sua estrutura, muito diferente da dos direitos romano-germânicos, mas o papel desempenhado pela lei foi aí aumentado e os métodos usados nos dois sistemas tendem a aproximar-se; sobretudo a regra de direito tende, cada vez mais, a ser concebida nos países de common law como o é nos países da família romano-germânica. Quanto à substância, soluções muito próximas, inspiradas por uma mesma idéia de justiça, são muitas vezes dadas às questões pelo direito nas duas famílias de direito."(p. 20).

Creio que o extraordinário desenvolvimento alcançado pelos meios de comunicação é o responsável por essa indiscutível aproximação.

Por outro lado, há entre os tribunais superiores brasileiros, uma firme convicção da possibilidade de serem construídos precedentes judiciais que funcionam como regras para controvérsias cuja solução não encontra resposta adequada na lei, quer por sua omissão, desatualização ou incongruência.

Por isso não se afaste a possibilidade de aquele pronunciamento do STJ, acerca da possibilidade de purgação da mora, pelo menos quando o arrendatário já tiver pago quarenta por cento (40%) do valor do contrato, vir a ser predominante na jurisprudência, consolidando-se, no arrendamento mercantil, a adoção das mesmas regras relativas à venda a prazo com reserva de domínio e à alienação fiduciária em garantia. De mais a mais a analogia, consoante os tribunais têm fundados suas decisões, nessa matéria, é regra juridicamente de plena aceitação. A reparação da mora surgiu como medida de eqüidade para evitar as graves conseqüências sofridas pelo devedor, desde os primórdios do direito creditório entre os romanos.

 

 

 

RESPONSABILIDADE CIVIL

 

 

Uma outra questão a merecer algumas considerações diz com a responsabilidade da empresa arrendadora, em decorrência de atos ilícitos praticados pelos detentores da coisa, no seu uso, principalmente em se tratando de veículos automotores ou maquinário industrial.

Na responsabilidade civil pela prática de ato ilícito o elemento subjetivo, ou seja, o dolo ou a culpa, é condição essencial para caracterizar o dever de indenizar.

No arrendamento mercantil, se a arrendadora não contribuiu, de qualquer modo, para o ilícito, nenhuma obrigação de indenizar a vítima dele deriva, não se aplicando a esse contrato, até por sua natureza diversa, a súmula do Supremo Tribunal Federal contida no verbete 492, segundo o qual "a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado."

A questão parece-me não proporcionar muita divergência nos pretórios, mas conheço algumas decisões divergentes. Lembro julgado do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, na Ap. 62.848, decidida em 16.09.87, em cuja ementa se encontra uma dissidência do entendimento majoritário:

 

"Responsabilidade civil. Se o veículo que se afirma causador do acidente é objeto de contrato de leasing, a arrendadora é solidária com a arrendatária na obrigação de indenizar e, conseqüentemente, parte legítima para integrar o polo passivo da relação processual na ação de reparação de dano proposta por terceiros." (ADCOAS 116358/88).

 

Pacífica no Superior Tribunal de Justiça é a matéria. Recordo os primeiros precedentes, julgados em outubro de 1990 pela Terceira Turma, do qual fui relator, e pela Quarta Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, nos RESPs. nºs 5.508-SP e 4.187-MG, respectivamente com as seguintes ementas:

 

"ARRENDAMENTO MERCANTIL (‘LEASING’). ARRENDADORA. RESPONSABILIDADE. TEORIA DO RISCO. INAPLICABILIDADE.

A arrendadora não é responsável pelos danos provocados pelo arrendatário. O ‘leasing’ é operação financeira, na qual, o bem em regra objeto de promessa unilateral de venda futura, tem a sua posse transferida antecipadamente. A atividade, aliás, própria do mercado financeiro, não oferece potencial de risco capaz de por si acarretar a responsabilidade objetiva, ainda que a coisa arrendada seja automotor.

Recurso especial conhecido e provido."

 

"Arrendamento mercantil (leasing). Danos causados por preposto da arrendatária. Inocorrência de responsabilidade objetiva. Recurso conhecido e provido.

- A arrendante, no contrato de leasing, não responde objetivamente pelos danos causados pela arrendatária, diretamente ou por seu preposto."

 

No meu voto no primeiro acórdão penso haver demonstrado não se aplicar a Súmula 492 à espécie, por se cuidar de contratos diferentes, o leasing e a locação, e manifestei minha crítica àquele verbete porque os precedentes que a justificaram não adotaram a teoria do risco; ao contrário, se fundamentam em modalidade clássica da culpa, qual a negligência.

Trago, ainda sobre o tema, outro aspecto da questão: provocado sobre a necessidade de registro do contrato de leasing, para conhecimento público, o STJ, por sua Quarta Turma, relator o Ministro Fontes de Alencar, decidiu no RESP nº 51.232-MG, em 25.10.94:

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. LEASING.

Desnecessidade de registro do contrato de leasing para que a empresa lessee responda por dano resultante de acidente com o veículo arrendado.

Unânime."

 

In casu, o Tribunal de Alçada de Minas condenara a empresa arrendadora, porque, embora anterior ao acidente causado por preposto da arrendatária, o contrato de arrendamento não estava arquivado no registro de títulos e documentos, para conhecimento de terceiros, sendo, assim, em princípio, a arrendadora também responsável. O Superior, entretanto, afastou a necessidade daquele registro para que a empresa arrendatária responda pelo dano.

 

 

 

INDEXAÇÃO E VARIAÇÃO CAMBIAL DAS PRESTAÇÕES DO CONTRATO.

 

 

Indiscutível a possibilidade de indexação dos valores estipulados no contrato de arrendamento mercantil, quer para as prestações, quer para o valor residual de compra do bem arrendado. A indexação através de índices oficiais ou de entidades sem vínculo com a arrendadora parece-me não comportar discussão na doutrina e na jurisprudência.

O mesmo não aconteceu quanto ao repasse do risco cambial em operações com recursos obtidos no exterior, contestado em algumas decisões judiciais.

Mas, antes da Lei nº 8.880/94, a doutrina já averbava:

 

"Quanto ao reajuste, este pode ser feito em função da variação cambial do dólar, quando comprovado pela arrendadora que o bem objeto do leasing foi comprado com recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira." ("O Contrato de ‘leasing’", de Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca, in Novos Contratos Empresariais, coord. por Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 105).

 

Atualmente, em vista do disposto no art. 6o. daquela lei, a normatizar o "plano real", que consagra expressamente a validade do repasse do risco cambial em contratos de arrendamento mercantil com recursos oriundos do exterior, penso não haver mais dúvida acerca da validade de cláusulas que versem sobre o assunto.

 

 

 

PROBLEMAS TRIBUTÁRIOS.

 

 

As questões tributárias relativas ao arrendamento mercantil pertinem ao objeto, às pessoas que participam do negócio e ao contrato em si.

Em linhas gerais, se o objeto adquirido for coisa móvel da espécie mercadoria, ocorrerá o fato gerador do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços-ICMS, na aquisição, tributo que será pago pelo vendedor da mercadoria. Quer dizer o preço de um bem adquirido por uma empressa lessor vem acrescido sempre do ICMS, assim como do Imposto sobre Produtos Industrializados, pois as coisas móveis, objeto de contrato de leasing, são sempre produtos industrializados. Caso o bem móvel seja importado, em tese, ocorrerão os fatos geradores do imposto de importação, além dos impostos sobre a produção e a circulação já indicados, pois, no caso do primeiro, basta a entrada do produto estrangeiro no território nacional para que tal aconteça.

Passando o bem a integrar o ativo fixo da arrendadora, no meu entendimento, deixa de ser mercadoria, e, conseqüentemente, não se há de pensar em ICMS na sua saída, a título de arrendamento para a arrendatária, porquanto aí não há sequer a operação relativa à circulação, nem na sua venda futura pelo valor residual, pois, mercadoria não mais existe, mas, apenas, uma coisa usada. Caso muito interessante, concernente a bem importado ou fabricado, provavelmente, para ser objeto de leasing operacional, foi examinado em parecer pelo douto advogado Geraldo Ataliba, cujas conclusões estão assim resumidas na ementa de seu trabalho:

 

"ICMS. Não incidência na ativação de bens de fabricação própria. Inexistência de operação mercantil consigo mesmo. Não configuração de circulação. Não existência de mercadoria.

É inexigível ICMS à consulente quando incorpora bens importados ou de fabricação própria ao seu patrimônio.

Só é devido ICMS sobre a importação, cuja suspensão cessa com a destinação." (Revista de Direito Tributário, nº 52, pp. 73/85).

 

Outro problema a merecer destaque é o da entrada no País de coisa objeto de contrato de leasing firmado no exterior. A operação é permitida pela legislação brasileira, que, a propósito do imposto de importação, dispõe, no art. 17, da Lei nº 7.132/83:

 

"A entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, e se sujeitará a todas as normas legais que regem a importação."

 

Aliás, em contrato de subarrendamento de bem arrendado no exterior há uma exceção a respeito da cláusula de opção de compra. Ela pode ser dispensada, mediante as " condições que estabelecer o Conselho Monetário Nacional", consoante estabelece o § 5º do art. 16, da Lei nº 6.099/74, com a redação dada pela Lei nº 7,132/83, o que permite raciocinar que o bem deverá retornar ao lugar de origem, não permanecendo, portanto, no País.

Com relação ao ICMS, e respeitante à entrada no País de aeronave arrendada no exterior, há expressivo precedente da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP nº 22.299-SP, em 20.10.93, relator Ministro Cesar Rocha, cujo acórdão tem esta ementa:

 

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). MERCADORIA IMPORTADA.

Não é lícita a exigência de ICMS na importação de aeronave, em face de contrato de arrendamento mercantil (leasing) celebrado no exterior.

Recurso provido."

 

Os fundamento dessa decisão radicam no desnível hierárquico entre Lei Complementar e o Convênio ICM nº 66/88, na prevalência das regras contidas no CTN e no Decreto-Lei nº 406/68, recepcionados pela nova ordem constitucional, naquilo em que são compatíveis com as normas do diploma maior de 1988, e na conseqüente desvalia do inciso V, do art. 2º da Lei nº 6.347/89, do Estado de São Paulo, bem assim que a exação sobre operações de arrendamento mercantil é de competência municipal.

O precedente foi reafirmado pela mesma Turma, relator Ministro Milton Luiz Pereira, no RESP nº 24.756-SP, julgado em 15.08.94, cujo acórdão porta este sumário :

 

"Tributário - ICMS - Arrendamento Mercantil (leasing) - Importação de Aeronave - Art. 155, I, "a" e IX, "a", C.F. - ADCT, art. 34, § 8º - Lei Complementar nº 56/87 (item 79, Lista de Serviços) - art. 8º, CTN - Decreto-Lei 406/68 (art. 8º, parágrafo 1º). Lei Paulista nº 6.374/89 Convênio ICM 66/88-

1. Examinado juridicamente, tendo por objeto a importação de aeronave, o contrato de arrendamento mercantil (leasing), a exigência fiscal do ICMS não tem alcatifa na seara da legalidade.

2. Precedente jurisprudencial.

3. Recurso provido."

 

Ainda quanto à coisa arrendada. Cuidando-se de bem imóvel há, sem dúvida, a incidência do imposto sobre a transmissão da propriedade imobiliária, tanto na aquisição do bem, como na sua posterior revenda. Nesse sentido existe precedente do Supremo Tribunal Federal, no RE no. 107.979-MG, Primeira Turma, Relator Ministro José Néri da Silveira (RTJ 137/1301-1309).

Quanto ao imposto de renda, em sendo operações normais, sem qualquer intuito de fraudar a lei tributária, em princípio, é direito da arrendadora considerar como despesa o custo das cotas de depreciação da coisa contabilizada em seu ativo fixo, assim como é direito da arrendatária deduzir para efeito de apuração do lucro tributável as despesas de pagamento da contraprestação do arrendamento. Evidentemente, se o negócio for desnaturado isso importará em glosa de despesas e conseqüente alteração do lucro oferecido à tributação.

A questão seguinte diz com a tributação da operação em si.

Do ponto de vista meramente doutrinário seria mais lógico que a operação tivesse na legislação tratamento absoluto como operação financeira, muito embora o negócio não se subsuma na hipótese de incidência que figura na Constituição ("operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários"), do tributo conhecido como imposto sobre operações financeiras.

A matéria, no momento, não comporta mais o debate passado acerca da inclusão ou não do leasing no item 52 da lista de serviços do DL no. 406/68, sujeita ao Imposto sobre Serviços - ISS, como locação de bens móveis. É que a Lei Complementar nº 56/87 inseriu o leasing, atualmente, no item 79, ao lado da locação de bens móveis.

Daí as decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nºs 341-SP, de 08.11.94 e 5.438-SP, de 25.04.95, relatores, respectivamente, Ministros Humberto Gomes de Barros e Peçanha Martins, cujos acórdãos estão assim ementados :

 

"TRIBUTÁRIO - ARRENDAMENTO MERCANTIL - NATUREZA JURÍDICA - LEI Nº 6.099/74 - LC Nº 56/87 - INCIDÊNCIA DO ISS.

Contrato misto, em sua origem, o Leasing tornou-se, entre nós, um negócio típico, nominado e autônomo: a ‘locação mercantil’ definida e regida pela Lei nº 6.094/74.

Não faz sentido, atualmente, a pesquisa em torno de qual contrato prepondera na formação deste novo instituto.

A prática de ‘arrendamento mercantil’, antes de 1º de janeiro de 1988, não constituía fato gerador de ISS.

A partir daquela data - quando se tornou eficaz a Lei Complementar nº 56/87, o ISS passou a incidir sobre o arrendamento mercantil."

 

"TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ‘LEASING’. INCIDÊNCIA. TRIBUTO. LC Nº 56/87. PRECEDENTES.

1. Pacificou-se o entendimento jurisprudencial das 1ª e 2ª Turmas do STJ em torno da incidência do ISS nos contratos de ‘leasing’ que se subordinam às regras do arrendamento mercantil.

2. Inexistente, até 01.01.88, norma definidora do fato gerador do tributo em casos que tais, o que só veio a ocorrer com a edição do LC 56/87, o ISS não incide nas operações de arrendamento mercantil anteriores àquela data.

3. Embargos de divergência parcialmente recebidos."

 

Verifica-se que, antes da mencionada lei complementar, predominava, no STJ, o entendimento de cuidar-se o leasing de operação financeira, inconfundível com a locação pura e simples.

É de referir-se, finalmente, que o tema já está sumulado no verbete nº 138, deste teor :

 

"O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis."

 

Uma questão ficou em aberto na súmula. O leasing de imóvel.

Dir-se-ia que o item da lista de serviços tributa a operação de arrendamento mercantil, sem distinção quanto ao objeto, móvel ou imóvel.

Em contraposição objetar-se-á que o imóvel não é coisa mercantil, ou seja, não é mercadoria, razão por que a compra e venda de imóveis é sempre um contrato civil e, por outro lado, uma interpretação sistemática da lei tributária conduz à conclusão de que o item 79 da lista de serviços trata somente da locação e arrendamento de coisas móveis, não estando a locação de imóveis ou seu arrendamento mercantil sujeito ao tributo municipal. É a minha opinião.