C P M F
C P M F (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) HUGO DE BRITO MACHADO Professor Titular de Direito Tributário da UFC O Congresso Nacional acaba de aprovar Emenda Constitucional que "outorga competência à União, para instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira." Acrescenta o art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A companha publicitária mostrando a falência dos hospitais públicos prestou-se para neutralizar a opinião pública, que certamente seria contrária à instituição de mais um tributo, quando já temos uma carga tributária exagerada, mas a ruína dos hospitais públicos não resulta de insuficiência de contribuições para a seguridade social. A aceitação do argumento segundo o qual o orçamento da seguridade social é deficitário está a depender de cabal demonstração de que o Tesouro Nacional está repassando para a Seguridade o que arrecada a título de COFINS e de Contribuição Social sobre os Lucros. Examinei os balanços gerais da União e constatei que as contribuições de seguridade correspondiam, em 1989, a cerca de 34% da receita tributária da União, e depois da instituição da COFINS e contribuição sobre os lucros, passaram a representar, de 1990 a 1994, cerca de 110 a 120% da receita tributária da União. Além de injustificada, do ponto de vista financeiro, a instituição da CPMF cria alguns problemas jurídicos, entre os quais os de saber se: (a) pode dar-se através de lei ordinária, ou seria necessária uma lei complementar ? (b) a CPMF pode ser cumulativa ? (c) Pode ter fato gerador idêntico ao de outro imposto ? (d) pode ser cobrada sem obediência ao princípio da anterioridade ? A Constituição, em princípio, não cria tributo. Apenas outorga competência à União, aos Estados, ou aos Municípios, para fazê-lo. A criação do tributo, que envolve a descrição da hipótese de incidência da norma tributária, dos critérios para a determinação do valor do tributo, e para identificação do contribuinte respectivo, é objeto da lei ordinária, ou, excepcionalmente, da lei complementar. A Emenda Constitucional de que se cuida, aliás, é expressa no sentido de que apenas outorga competência à União, para instituir a CPMF. Não obstante estabeleça a Emenda Constitucional em exame que à CPMF não se aplica o art. 154, I, da Constituição, que contém exigências para o exercício da competência residual, penso que aquelas exigências não podem ser afastadas por Emenda Constitucional, por força do que estabelece o art. 60, § 4º, da Constituição. Assim, só por lei complementar pode a CPMF ser instituída. Não poderá ser cumulativa, nem poderá ter fato gerador nem base de cálculo idênticos aos dos impostos elencados na Constituição. Nem poderá ser cobrada no mesmo exercício em que for publicada a lei que a instituir. Note-se que a C P M F , não obstante tenha o nome de contribuição, na verdade é um imposto, e como não está entre os elencados pela Constituição, sua instituição configura exercício de competência residual. Aliás, isto restou induvidosamente reconhecido pelos próprios elaboradores da Emenda, com a afirmação de inaplicabilidade do art. 154, I, da Constituição. E não podia ser diferente, pois, como diz expressamente o art. 4º do Código Tributário Nacional, a natureza jurídica específica de um tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la a denominação e demais características formais adotadas pela lei, bem como a destinação legal do produto de sua arrecadação. Ressalte-se, finalmente, que o Supremo Tribunal Federal, apreciando ação de inconstitucionalidade da Emenda nº 3, e da Lei Complementar nº 77, que, fundada naquela, instituíra o IPMF, já afirmou as limitações do poder de emendar a Constituição, no que tange aos direitos e garantias constitucionais do contribuinte, e a impossibilidade do afastamento do princípio da anterioridade. Não é razoável esperar-se que a Corte Maior, apenas porque o imposto mudou de nome, desconheça o precedente, valiosíssimo na edificação do Estado de Direito.