Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de
dois a quatro anos, e multa.
1) introdução
Da mesma forma como se atribui à legislação
ordinária a tarefa de descrever os fatos que configuram
crime de violação de comunicação telefônica,
lhe é concedida a de disciplinar os casos em que se admite
a interceptação. Por isso, seguindo a orientação
de outras legislações, o art. 1º da Lei n.
9.296/96 permite, em determinados casos (art. 2º), a interceptação
telefônica, prevendo a autorização judicial
como causa excludente da tipicidade. E o art. 10, descrevendo
o tipo legal, contém elementos normativos que restringem
a incriminação. De modo que não são
alcançados pela norma penal os fatos em que o sujeito age
licitamente, autorizado pela Justiça.
2) vigência
O crime de interceptação telefônica não
se encontra mais descrito no art. 151, § 1º, II, parte
final, do CP e sim no art. 10 da Lei n. 9.296/96. Prescinde-se,
na análise do delito, do Código Brasileiro de Comunicações
(Lei n. 4.117, de 27.8.62).
3) diferenciação
O crime de violação de comunicação
telefônica, ao tempo em que era descrito no art. 151, §
1º, II, parte final, do CP, somente se aperfeiçoava
com a divulgação, transmissão ou utilização
abusiva da conversação, consumando-se nesse momento
(Damásio E. de Jesus, Código Penal anotado, São
Paulo, Ed. Saraiva, 6a. ed., 1996, p. 460). A simples interceptação
não constituía crime, sendo indispensável
a difusão do conteúdo da comunicação
(TACrimSP, HC 171.586, RJDTACrimSP, 2:212). O tipo do art. 10
da Lei n. 9.296/96, recuando no tempo a incriminação,
perfaz-se com a simples interceptação, independentemente
de posterior divulgação.
4) objetividade jurídica
O tipo protege a liberdade da comunicação telefônica,
funcionando o CP como sancionador da CF (JTACrimSP, 48:303). O
legislador tutela a privacidade: o direito de o cidadão
comunicar-se privativamente pelo telefone com alguém, sem
interferência de terceiro (sem que terceiro ouça
a conversação ou dela, de alguma forma, tome conhecimento).
Como dizem Celso Bastos e Ives Gandra Martins, "o sigilo
da comunicação deflui de outro, qual seja, o da
preservação da própria intimidade" (Comentários
à Constituição do Brasil, São Paulo,
Ed. Saraiva, 2:71). A pessoa tem direito de escolher o destinatário
da comunicação, o seu interlocutor, como ensina
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à
Constituição Brasileira de 1988, São Paulo,
Ed. Saraiva, 1989, p. 600). É um direito a ser exercido
com exclusividade, constituindo ilícito penal a indevida
interferência de terceiro.
5) sujeito ativo
Na primeira parte da norma incriminadora, que descreve a interceptação, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum). Na segunda figura típica, que define a quebra de segredo, o delito é próprio, só podendo ser cometido por quem tem obrigação de guardar o sigilo: Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, defensor, agente da concessionária de serviço público, escrivão ou escrevente (art. 7º desta Lei). Nesse caso, o crime do art. 10 absorve o delito de violação de sigilo funcional (Código Penal, art. 325).
6) sujeitos passivos
Os interlocutores, i.e., os pólos da comunicação
telefônica (crime de dupla subjetividade passiva). Havendo
consentimento de um dos sujeitos passivos, subsiste o delito.
7) condutas típicas
De acordo com norma incriminadora, configura delito o fato de
quem, sem autorização judicial ou com objetivos
não autorizados em lei, realiza interceptação
de comunicação telefônica, de informática
ou telemática, ou quebra segredo de justiça referente
à diligência (arts. 1º, caput
e 8º, caput, da Lei).
Realizar a interceptação significa ouvir a conversação
ou gravá-la. Cuidando-se de mensagem transmitida via Modem,
quer dizer dela tomar conhecimento, lê-la, vê-la (desenho)
ou captá-la.
No caso de "linhas cruzadas", não tendo o ouvinte
fortuito "realizado a interceptação",
inexiste crime, salvo se, percebendo o fato, continue tomando
conhecimento da comunicação.
8) elemento normativo do tipo
A ausência de autorização judicial configura
elemento normativo do tipo (José Frederico Marques, Curso
de Direito Penal, São Paulo, Edit. Saraiva, 1956, II/81).
A conduta do sujeito, advertia Magalhães Noronha, "há
de ser non jure, ilícita ou ilegítima"
(Direito Penal, São Paulo, Edit. Saraiva, 1980, II/197,
n. 425). Como dizia Aníbal Bruno, em lição
aplicável à lei nova, "o dispositivo",
referindo-se ao antigo inciso II, parte final, do § 1º
do art. 151 do CP, "exige expressamente que a ação
seja contrária ao direito. Diversas circunstâncias
podem tornar legítima a atuação do sujeito",
"sendo freqüentes os casos em que o agente atua no exercício
de um direito ou no cumprimento de um dever" (Direito Penal,
Parte Especial, Rio de Janeiro, Edit. Forense, 1966, IV/405, 408
e 409). Integrando o tipo, a falta de autorização
judicial, antes de refletir-se no campo da antijuridicidade, elimina
a tipicidade do fato, excluindo o próprio crime (Ada Pellegrini
Grinover, op. cit., p. 265 e nota 266; RF, 286/270 e RT, 491/303).
Trata-se de "tipo aberto". O comportamento penalmente
relevante, ensinava Heleno Cláudio Fragoso, "depende
da transgressão de normas a que a incriminação
do fato se refere e que devem ser necessariamente consideradas
pelo juiz para estabelecer a tipicidade do comportamento do agente"
(Lições de Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro,
Edit. Forense, 1985, p. 189, n. 159; Parte Especial, São
Paulo, 1978, I/262, n. 249). O complemento da figura aberta se
encontra nos preceitos constitucionais (art. 5º, XII, da
CF) e da legislação ordinária (arts. 1º
e ss. da Lei n. 9.296/96), que dispõem sobre os requisitos
objetivos e subjetivos da interceptação (para fins
de investigação criminal ou prova em processo penal
etc.). De modo que não há crime, por ausência
de fato típico, quando a interceptação telefônica
é legalmente permitida. Assim, não constitui violação
de telecomunicação o conhecimento da conversa telefônica
dado ao juiz competente, mediante autorização deste
e para os fins legalmente previstos (art. 1º desta Lei).
9) divulgação
Não é necessária.
10) elementos subjetivos do tipo
O primeiro é o dolo, vontade de interceptar a comunicação
telefônica ou quebrar o segredo de justiça. O tipo
exige outro, contido na exigência de que o sujeito realize
o fato para fins diversos dos estabelecidos pela lei (investigação
criminal ou prova em processo penal).
11) momento consumativo
Ocorre no instante em que o sujeito está iniciando a gravação
da conversação ou começa a ouvi-la. Tratando-se
de mensagem ou documento transmitidos via Modem, quando principia
a captá-los ou deles tomar conhecimento. Havendo divulgação
do conteúdo da comunicação não surge
delito novo, tratando-se de simples exaurimento, salvo eventual
crime de calúnia, difamação etc.
12) qualificação doutrinária
Trata-se de crime de mera conduta, perfazendo-se com o simples
comportamento do sujeito, independentemente de qualquer resultado.
13) tentativa
É possível na hipótese de o sujeito vir
a ser surpreendido no momento em que vai começar a ouvir
a conversação ou gravá-la; ou a captar ou
tomar conhecimento da mensagem ou documento transmitidos via Modem.
14) ação penal
É pública incondicionada.
15) irretroatividade da norma
A disposição do art. 10, descrevendo modalidade
nova de crime, uma vez que pune, ao contrário da legislação
antiga, a simples interceptação telefônica
("novatio legis" incriminadora), não tem efeito
retroativo, sendo inaplicável aos fatos cometidos antes
de 25 de julho de 1996 (CF, art. 5º, XL; CP, art. 2º,
parágrafo único). Nesse sentido: Luiz Flávio
Gomes, Lei n. 9.296/96 e o direito intertemporal, Enfoque Jurídico
cit.
Art.
11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
A Lei entrou em vigor no dia 25 de julho de 1996.
Irretroatividade: a Lei não retroage para convalidar
interceptações telefônicas ou autorizações
anteriores à sua vigência. Suas normas, salvo a do
art. 10, que descreve crime, são de aplicação
imediata (CPP, art. 2º). Significa que pode ser realizada
interceptação telefônica relacionada com crime
cometido antes de 25 de julho de 1996. Nesse sentido: Luiz Flávio
Gomes, Lei 9.296/96 e direito intertemporal, Enfoque Jurídico
cit.
Art.
12. Revogam-se as disposições em contrário.