Curso do Prof. Damásio - Artigos
CRIME DE INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA
NOTAS AO ART. 10 DA LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996
Autor: Damásio E. de Jesus

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

1) introdução

Da mesma forma como se atribui à legislação ordinária a tarefa de descrever os fatos que configuram crime de violação de comunicação telefônica, lhe é concedida a de disciplinar os casos em que se admite a interceptação. Por isso, seguindo a orientação de outras legislações, o art. 1º da Lei n. 9.296/96 permite, em determinados casos (art. 2º), a interceptação telefônica, prevendo a autorização judicial como causa excludente da tipicidade. E o art. 10, descrevendo o tipo legal, contém elementos normativos que restringem a incriminação. De modo que não são alcançados pela norma penal os fatos em que o sujeito age licitamente, autorizado pela Justiça.

2) vigência

O crime de interceptação telefônica não se encontra mais descrito no art. 151, § 1º, II, parte final, do CP e sim no art. 10 da Lei n. 9.296/96. Prescinde-se, na análise do delito, do Código Brasileiro de Comunicações (Lei n. 4.117, de 27.8.62).

3) diferenciação

O crime de violação de comunicação telefônica, ao tempo em que era descrito no art. 151, § 1º, II, parte final, do CP, somente se aperfeiçoava com a divulgação, transmissão ou utilização abusiva da conversação, consumando-se nesse momento (Damásio E. de Jesus, Código Penal anotado, São Paulo, Ed. Saraiva, 6a. ed., 1996, p. 460). A simples interceptação não constituía crime, sendo indispensável a difusão do conteúdo da comunicação (TACrimSP, HC 171.586, RJDTACrimSP, 2:212). O tipo do art. 10 da Lei n. 9.296/96, recuando no tempo a incriminação, perfaz-se com a simples interceptação, independentemente de posterior divulgação.

4) objetividade jurídica

O tipo protege a liberdade da comunicação telefônica, funcionando o CP como sancionador da CF (JTACrimSP, 48:303). O legislador tutela a privacidade: o direito de o cidadão comunicar-se privativamente pelo telefone com alguém, sem interferência de terceiro (sem que terceiro ouça a conversação ou dela, de alguma forma, tome conhecimento). Como dizem Celso Bastos e Ives Gandra Martins, "o sigilo da comunicação deflui de outro, qual seja, o da preservação da própria intimidade" (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Ed. Saraiva, 2:71). A pessoa tem direito de escolher o destinatário da comunicação, o seu interlocutor, como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Ed. Saraiva, 1989, p. 600). É um direito a ser exercido com exclusividade, constituindo ilícito penal a indevida interferência de terceiro.

5) sujeito ativo

Na primeira parte da norma incriminadora, que descreve a interceptação, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum). Na segunda figura típica, que define a quebra de segredo, o delito é próprio, só podendo ser cometido por quem tem obrigação de guardar o sigilo: Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, defensor, agente da concessionária de serviço público, escrivão ou escrevente (art. 7º desta Lei). Nesse caso, o crime do art. 10 absorve o delito de violação de sigilo funcional (Código Penal, art. 325).

6) sujeitos passivos

Os interlocutores, i.e., os pólos da comunicação telefônica (crime de dupla subjetividade passiva). Havendo consentimento de um dos sujeitos passivos, subsiste o delito.

7) condutas típicas

De acordo com norma incriminadora, configura delito o fato de quem, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, realiza interceptação de comunicação telefônica, de informática ou telemática, ou quebra segredo de justiça referente à diligência (arts. 1º, caput e 8º, caput, da Lei).

Realizar a interceptação significa ouvir a conversação ou gravá-la. Cuidando-se de mensagem transmitida via Modem, quer dizer dela tomar conhecimento, lê-la, vê-la (desenho) ou captá-la.

No caso de "linhas cruzadas", não tendo o ouvinte fortuito "realizado a interceptação", inexiste crime, salvo se, percebendo o fato, continue tomando conhecimento da comunicação.

8) elemento normativo do tipo

A ausência de autorização judicial configura elemento normativo do tipo (José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, São Paulo, Edit. Saraiva, 1956, II/81). A conduta do sujeito, advertia Magalhães Noronha, "há de ser non jure, ilícita ou ilegítima" (Direito Penal, São Paulo, Edit. Saraiva, 1980, II/197, n. 425). Como dizia Aníbal Bruno, em lição aplicável à lei nova, "o dispositivo", referindo-se ao antigo inciso II, parte final, do § 1º do art. 151 do CP, "exige expressamente que a ação seja contrária ao direito. Diversas circunstâncias podem tornar legítima a atuação do sujeito", "sendo freqüentes os casos em que o agente atua no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever" (Direito Penal, Parte Especial, Rio de Janeiro, Edit. Forense, 1966, IV/405, 408 e 409). Integrando o tipo, a falta de autorização judicial, antes de refletir-se no campo da antijuridicidade, elimina a tipicidade do fato, excluindo o próprio crime (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., p. 265 e nota 266; RF, 286/270 e RT, 491/303). Trata-se de "tipo aberto". O comportamento penalmente relevante, ensinava Heleno Cláudio Fragoso, "depende da transgressão de normas a que a incriminação do fato se refere e que devem ser necessariamente consideradas pelo juiz para estabelecer a tipicidade do comportamento do agente" (Lições de Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro, Edit. Forense, 1985, p. 189, n. 159; Parte Especial, São Paulo, 1978, I/262, n. 249). O complemento da figura aberta se encontra nos preceitos constitucionais (art. 5º, XII, da CF) e da legislação ordinária (arts. 1º e ss. da Lei n. 9.296/96), que dispõem sobre os requisitos objetivos e subjetivos da interceptação (para fins de investigação criminal ou prova em processo penal etc.). De modo que não há crime, por ausência de fato típico, quando a interceptação telefônica é legalmente permitida. Assim, não constitui violação de telecomunicação o conhecimento da conversa telefônica dado ao juiz competente, mediante autorização deste e para os fins legalmente previstos (art. 1º desta Lei).

9) divulgação

Não é necessária.

10) elementos subjetivos do tipo

O primeiro é o dolo, vontade de interceptar a comunicação telefônica ou quebrar o segredo de justiça. O tipo exige outro, contido na exigência de que o sujeito realize o fato para fins diversos dos estabelecidos pela lei (investigação criminal ou prova em processo penal).

11) momento consumativo

Ocorre no instante em que o sujeito está iniciando a gravação da conversação ou começa a ouvi-la. Tratando-se de mensagem ou documento transmitidos via Modem, quando principia a captá-los ou deles tomar conhecimento. Havendo divulgação do conteúdo da comunicação não surge delito novo, tratando-se de simples exaurimento, salvo eventual crime de calúnia, difamação etc.

12) qualificação doutrinária

Trata-se de crime de mera conduta, perfazendo-se com o simples comportamento do sujeito, independentemente de qualquer resultado.

13) tentativa

É possível na hipótese de o sujeito vir a ser surpreendido no momento em que vai começar a ouvir a conversação ou gravá-la; ou a captar ou tomar conhecimento da mensagem ou documento transmitidos via Modem.

14) ação penal

É pública incondicionada.

15) irretroatividade da norma

A disposição do art. 10, descrevendo modalidade nova de crime, uma vez que pune, ao contrário da legislação antiga, a simples interceptação telefônica ("novatio legis" incriminadora), não tem efeito retroativo, sendo inaplicável aos fatos cometidos antes de 25 de julho de 1996 (CF, art. 5º, XL; CP, art. 2º, parágrafo único). Nesse sentido: Luiz Flávio Gomes, Lei n. 9.296/96 e o direito intertemporal, Enfoque Jurídico cit.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A Lei entrou em vigor no dia 25 de julho de 1996.

Irretroatividade: a Lei não retroage para convalidar interceptações telefônicas ou autorizações anteriores à sua vigência. Suas normas, salvo a do art. 10, que descreve crime, são de aplicação imediata (CPP, art. 2º). Significa que pode ser realizada interceptação telefônica relacionada com crime cometido antes de 25 de julho de 1996. Nesse sentido: Luiz Flávio Gomes, Lei 9.296/96 e direito intertemporal, Enfoque Jurídico cit.

Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.