O PROCES. E O DESEMP.DO POD.JUDICIÁRIO

O PROCESSUALISMO E O DESEMPENHO DO PODER JUDICIÁRIO

HUGO DE BRITO MACHADO

Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Professor Titular de Direito Tributário da UFC

1. Introdução. 2. Nulidade e duplo grau de jurisdição. 3. Questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 3.1 Restrições ao cabimento. 3.2 Prequestionamento e embargos de declaração. 3.3 Intrução do agravo de instrumento 3.4. O julgamento injusto como pressuposto do recurso extraordinário. 4. A uniformização da jurisprudência no STJ. 5. O rigor na exigência dos requisitos da inicial. 5.1 A cedilha e o til. 5.2 Qualificação da União. 5.3 O nome da ação. 6. Maus tratos ao princípio da fungibilidade dos recursos. 7. As liminares e o novo regime do agravo. 8. Conclusão.

1. Introdução.

Todos reclamam da morosidade da Justiça e embora essa morosidade não aconteça apenas em nosso país, com certeza o desempenho do Poder Judiciário no Brasil está longe de ser satisfatório. Não apenas pela demora, mas pela freqüência com que questões idênticas são a final resolvidas de forma diferente. Aliás, a violação da isonomia constitui, com certeza, um mal muito maior do que a morosidade, porque é a negação da própria essência do Direito, na medida em que nesta reside o princípio isonômico, a propósito do qual prelecionou, com inteira propriedade, o eminente Ministro DJACI FALCÃO:

"Legisladores, administradores, juizes, todos nós dotados de razão e consciência, devemos procurar ser fieis a esse princípio fundamental, anterior e superior ao Estado, assegurado em todas as Cartas Políticas do mundo civilizado, para que impere a Justiça e seja melhor compreendida a vida temporal." 1

Entre as causas, geralmente apontadas, do mau desempenho do Judiciário brasileiro podem ser destacadas o exíguo número de juizes por habitante e o grande número de recursos permitidos por nossas leis processuais. Essas causas são significativas, mas acima delas, com muito maior significação, está o processualismo, entendido como tal o exagerado formalismo com que os julgadores de um modo geral tratam as questões.

Em qualquer tribunal brasileiro, com certeza bem mais de metade do tempo das sessões de julgamento é gasto no debate de questões processuais. E um número significativo de "julgados" não faz mais do que deixar de julgar, na medida em que não é apreciado o mérito das questões postas, que ensejam a renovação dos pleitos por outras vias processuais. E não são raros os casos nos quais triunfa quem não tem razão, mas tem o patrocínio de advogado hábil no manejo dos ritos.

Isto nos tem levado a definir o Processo como o ramo do Direito destinado a viabilizar a vitória em favor da parte que não tem razão. Definição que pode ser muito dura para os processualistas, mas tem sido confirmada pela prática nos tribunais, onde as disputas giram muito mais em torno do processo, do que em torno do direito material.

Entre muitos outros casos nos quais se instaura situação de extrema injustiça, graças ao exagerado formalismo, podem ser mencionados: a) a questão das nulidades e o duplo grau de jurisdição; b) algumas questões relativas aos recursos especial e extraordinário; c) a uniformização da jurisprudência no STJ; d) o rigor na exigência de requisitos da petição inicial; e e) os maus tratos ao princípio da fungibilidade dos recursos.

Examinemos essas questões.

2. Nulidade e duplo grau de jurisdição.

Tem predominado entre os magistrados o entendimento segundo o qual anulado que seja um julgado, deve o caso retornar ao órgão de jurisdição inferior, para que novo julgamento seja proferido. Os que assim entendem, fundam-se no argumento de que não se pode suprimir um grau de jurisdição.

É correta, sem dúvida, a tese segundo a qual não se deve suprimir um grau de jurisdição, entretanto, não ser adotada em todos os casos, porque nada é absoluto, toda regra comporta exceções. O duplo grau de jurisdição existe para propiciar um julgamento mais seguro. Tanto quanto possível mais adequado ao Direito. Não se deve, portanto, exigir essa providência naqueles casos em que a mesma se revela flagrantemente inútil, prestando-se exclusivamente para aumentar a demora, já intolerável, na prestação jurisdicional.

Quando se está diante de uma questão exclusivamente de direito, e especialmente quando em torno dessa questão já existe jurisprudência absolutamente consolidada no órgão que decidiu pelo anulamento do julgado, devolver os autos ao órgão inferior é formalismo estéril, que apenas se presta para aumentar a morosidade da Justiça e, assim, contribuir para o descrédito do Poder Judiciário.

Ao anular o julgado, portanto, deve o órgão julgador proferir desde logo decisão de mérito, impulsionando o processo para a frente, e não para trás.

3. Questões relativas aos recursos especial e extraordinário.

3.1 Restrições ao cabimento.

São tantas as restrições ao cabimento dos recursos especial e extraordinário que em significativo número de casos o julgamento, no Superior Tribunal de Justiça, e no Supremo Tribunal Federal, respectivamente, trata apenas de saber se deve ser conhecido, ou não, o recurso.

Que deve haver um juízo de admissibilidade não há dúvida. O que se não entende é que um tribunal superior, ou supremo, deixe de conhecer um recurso ao mesmo interposto, apenas porque deixou de ser indicado um dispositivo de lei, ou o órgão oficial em que foi publicado o julgado apontado como divergente, quando o assunto questionado tornou-se do pleno conhecimento dos julgadores, e se sabe que o julgado recorrido está em franca desarmonia com a lei, ou com a jurisprudência. O tempo dos julgadores é gasto, mas a injustiça é prestigiada, por conta do formalismo.

Lamentavelmente, é significativo o número de casos nos quais termina prevalecendo um julgado contrário ao Direito, mesmo tendo sido interposto o apelo extremo, e discutida longamente a questão no STJ, ou no STF. Não se pratica a economia processual, não se evita a perda de tempo, mas o esforço dos magistrados é despendido inutilmente, apenas em homenagem ao formalismo.

Entre as restrições ao cabimento dos recursos especial e extraordinário merece destaque o problema do prequestionamento. Sustentam os formalistas que o prequestionamento é indispensável para evitar a supressão das instâncias ordinárias. Mais importante, porém, do que a preservação de tais instâncias é a prevalência do Direito material. Assim, é inadmissível prevaleça uma decisão que impõe maus tratos ao Direito, apenas porque alguma questão, importante para ensejar o cabimento do apelo extremo, não foi decidida nos graus ordinários da jurisdição.

3.2 Prequestionamento e embargos de declaração.

Quando o acórdão proferido por um Tribunal Regional Federal, ou Tribunal de Justiça, deixa de apreciar uma questão posta em apelação, o interessado é obrigado a interpor embargos de declaração, porque sem o exame da questão pelo Tribunal, o Superior Tribunal de Justiça não conhecerá do recurso especial, à míngua do prequestionamento. Ocorre que muitas vezes o Tribunal rejeita sumariamente os declaratórios. Mantém-se na omissão. E neste caso a questão não apreciada não pode ser levada a julgamento pelo STJ. Se o interessado quiser vê-la examinada na instância especial terá de interpor o recurso especial alegando negativa de vigência do art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil.

Conseguindo o recorrente demonstrar que efetivamente o acórdão recorrido deixou de apreciar questão posta perante o Tribunal a quo, o Superior Tribunal de Justiça conhecerá do recurso especial e anulará o acórdão, devolvendo o processo para ser a questão apreciada na instância ordinária. Julgado o caso, com apreciação daquela questão, novo recurso especial poderá ser interposto pela parte perdedora, e então aquela questão poderá ser apreciada pela instância especial.

Do ponto de vista de uma técnica processual formalista, como a até hoje vigente entre nós, a solução é perfeita. Não há dúvida, porém, de que a fórmula implica excessiva demora na apreciação definitiva do caso, além de exigir dos advogados grande conhecimento dos escaninhos do processo.

Melhor seria considerar-se ocorrido o prequestionamento com a colocação da questão pela parte. Examinada, ou não, poderia a questão ser colocada ao exame da instância especial. Essa fórmula teria pelo menos as seguintes vantagens: a) menos demorada seria a solução definitiva do caso, sem a penalização da parte por uma falta que é do julgador; b) estaria eliminada a extrema injustiça, que se consuma nos casos em que a jurisprudência do STJ, quanto ao mérito, é favorável à tese do recorrente, e seu recurso resta não examinado, à míngua de embargos de declaração; c) reduziria em cerca de cinqüenta por cento o número de recursos especiais nesses casos.

3.3 Intrução do agravo de instrumento.

Tem entendido o Supremo Tribunal Federal que não deve ser conhecido o agravo de instrumento, interposto contra despacho que nega seguimento a recurso extraordinário, quando não instruído com o traslado do despacho agravado, da decisão recorrida, da petição de recurso extraordinário, ou de qualquer outra peça necessária à compreensão da controvérsia.

Digna de registro, a este propósito, é a manifestação do Ministro Carlos Mário Velloso, tanto no antigo Tribunal Federal de Recursos, como já no Supremo Tribunal Federal, fundada em valiosa doutrina, no sentido de que a ausência de peças cujo traslado é obrigatório deve ser suprida mediante a conversão do processo em diligência, tendo-se em vista que a parte não deve ser penalizada por uma falha do serviço da secretaria do tribunal recorrido. Curvou-se, todavia, aquele eminente magistrado, ao entendimento majoritário, limitando-se a ressalvar seu ponto de vista pessoal.

O excessivo rigor da exigência, em absoluto descompasso com o princípio da garantia de jurisdição, consubstancia formalismo inaceitável . Nem mesmo propósito, sem dúvida compreensível, de reduzir a carga de trabalho, sabidamente exagerada, da Corte Maior, justifica tamanho formalismo, porque tal propósito termina sendo frustrado, ao menos em parte, na medida em que os advogados aderem ao formalismo e passam a atender àquela exigência, premidos pela necessidade de obter a prestação jurisdicional.

  1. Prova da tempestividade do recursos extraordinário

Tem entendido o Supremo Tribunal Federal, que o agravo de instrumento interposto contra despacho que nega seguimento a recurso extraordinário não pode ser conhecido, se não instruído com a prova da tempestividado daquele recurso.

Se o despacho agravado nega seguimento a um recurso extraordinário pelo fato de considerar ser este intempestivo, certamente o documento reputado pelo agravante como prova da tempestividade é um elemento essencial à compreensão e ao deslinde da controvérsia. Não havendo, porém, sequer controvérsia a respeito da tempestividade do recurso extraordinário, a exigência da Corte Maior configura extremado formalismo, transbordante, data máxima vênia, dos limites da razoabilidade.

E tal formalismo presta-se simplesmente para criar situações flagrantemente contrárias ao princípio da isonomia, na medida em que enseja o trânsito em julgado de decisões contrárias à pacífica jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, quanto ao direito material.

  1. O julgamento injusto como pressuposto do recurso extraordinário

Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição.

Coloca-se, então, a questão de saber se uma decisão injusta, de única ou última instância, contraria a Constituição, e assim enseja a interposição de recurso extraordinário.

Não se venha argumentar com a dificuldade residente na questão de saber o que é uma decisão injusta, porque não é esta a questão que estamos colocando, na qual o ser injusta a decisão é um pressuposto que se tem como pacífico.

No juízo de admissibilidade de um recurso extraordinário, poderia um presidente de tribunal, ou um Ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmando que considera injusta a decisão atacada, mas nega seguimento ao apelo extremo porque a injustiça daquela decisão não lhe enseja a interposição ?

Essa é a questão que se está aqui propondo, e para a qual, salvo melhor juízo, uma resposta afirmativa se impõe, independentemente da postura jusfilosófica do interprete.

Realmente, segundo enunciado expresso da Lei Maior, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária., e dúvida não pode haver de que as decisões judiciais são elementos valiosos na edificação de uma sociedade. Assim, uma decisão injusta, contribui significativamente para a construção de uma sociedade injusta. Marcha, pois, em sentido diametralmente oposto ao apontado pela regra da Constituição.

Da mesma forma que uma lei injusta, no atual direito positivo brasileiro, é inconstitucional, porque contraria princípio fundamental albergado por norma expressa da Constituição, também uma decisão judicial deve ser considerada contraria à Constituição, prestando-se, pois, como fundamento para o apelo extremo.

Com este entendimento a Corte Maior restará colocada entre as instituições responsáveis pela realização dos objetivos fundamentais de nossa República.

Ou será que não constitui atribuição do Supremo Tribunal Federal, fazer justiça ?

4. A uniformização da jurisprudência no STJ.

O Superior Tribunal de Justiça foi criado especialmente para realizar a uniformização do direito federal de nível infraconstitucional, antes atribuição do Supremo Tribunal Federal. Para alcançar esse objetivo lhe foi atribuída competência para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais, quando a decisão recorrida der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.(Art. 105, inciso III, alínea "c").

O princípio da isonomia, que prescreve igual tratamento para situações iguais, integra a própria essência do Direito. Nada justifica, portanto, que uma lei federal seja interpretada de um modo por um Tribunal Regional Federal, ou por um Tribunal de Justiça estadual, e de outro modo por outro tribunal. Admití-lo seria admitir a anti-isonomia, patrocinada pelo Poder Judiciário, o que seria um absurdo sob todos os aspectos.

Infelizmente, porém, o Superior Tribunal de Justiça não está conseguindo alcançar esse nobilíssimo objetivo. Em quase todas as importantes questões jurídicas que tem enfrentado instaurou-se divergência de entendimento entre suas Turmas. Mesmo em questões sobre as quais não ocorre divergência na instância ordinária, suas Turmas divergem, de sorte que a unidade do Direito federal está muito longe de ser alcançada.

Na realidade em todo Tribunal com órgãos fracionários existem divergências. O que se tem, na prática, é a anti-isonomia instaurada sob o patrocínio do Judiciário, que sofre grave prejuízo em sua credibilidade.

As divergências na interpretação das leis são inevitáveis. Há de haver, todavia, no sistema jurídico, um caminho para superá-las, e esse caminho está no art. 476, inciso II, do Código de Processo Civil, a dizer que compete a qualquer juiz, ao dar seu voto em órgão fracionário, solicitar o pronunciamento prévio do Tribunal quando esteja a apreciar recurso contra decisão que tenha adotado interpretação diversa da já adotada por outro órgão fracionário do mesmo Tribunal.

Essa norma é importante para qualquer Tribunal, mas para o STJ ela não é apenas importante. É essencial. Por isto é que, enquanto em relação a outros Tribunais é razoável entender-se que a norma do art. 476 do CPC atribui uma faculdade ao Juiz, no STJ, que tem como função mais relevante a uniformização do Direito nacional, deveria prevalecer o entendimento de que tal norma atribui ao Juiz, não uma faculdade, mas um dever. E assim, antes de apreciar pela primeira vez, em Turma, uma tese jurídica, o Ministro do STJ cuidaria de conhecer possível manifestação de outro órgão fracionário daquela Corte sobre a mesma tese. Se não lhe parecesse correta aquela manifestação, em vez de simplesmente votar, dela divergindo, suscitaria o incidente de uniformização.

O STJ tem decidido que "a suscitação do incidente de uniformização de jurisprudência em nosso sistema constitui faculdade, não vinculando o juiz, sem embargo do estímulo e do prestígio que se deve dar a esse louvável e belo instituto."

Não tenho dúvida, porém, de que essa norma é o melhor caminho para a realização da isonomia pelo Poder Judiciário. É o melhor caminho para a superação da grave patologia que faz letra morta o art. 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal, que de forma eloqüente consagram o princípio da isonomia. Por isto é que o instituto da uniformização da jurisprudência é louvável e belo e a ele se deve dar estímulo e prestígio. Mas a melhor forma de reconhecer suas virtudes, de lhe dar estímulo e prestígio, é praticá-lo, e o Superior Tribunal de Justiça tem em suas mãos as condições para tanto. E até para impor aos demais Tribunais do país que o façam.

5. O rigor na exigência dos requisitos da inicial.

5.1 A cedilha e o til.

Mesmo para quem conhece o formalismo exagerado de muitos juizes, é surpreendente a saída processual de um ilustre magistrado, que extinguiu o processo, sem julgamento de mérito, porque o autor não colocara na inicial a acentuação gráfica, o til e o cedilha.

Não, não é brincadeira. Está na pág. 66 do Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de fevereiro de 1994, acórdão do TRF da 3ª Região, que acolheu recurso "para anular a sentença monocrática com a volta dos autos à primeira instância, a fim de que S.Exa. dê regular andamento ao feito, determinando as emendas que entender necessárias."

É certo que segundo o art. 156, do Código de Processo Civil, "em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo." Entretanto, também é certo que, segundo o art. 154, do mesmo Código, "os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial."

Tranqüila na jurisprudência a questão da restituição do empréstimo compulsório, o Tribunal bem podia ter, desde logo, julgado a ação, determinando a restituição pretendida. Devolver os autos à primeira instância, em casos assim, é também uma expressão do processualismo. Menos exagerada, é certo, do que a extinção do feito sem exame de mérito, à míngua de sinalização gráfica, til e cê-cedilha. Não menos equivocada, porém, porque fruto do mesmo processualismo que atropela o direito material negando vigência a normas de qualquer nível hierárquico, para prestigiar as leis de sua majestade o processo.

5.2 Qualificação da União.

Igualmente ridículo foi o julgado de um ilustre Juiz Federal que indeferiu a petição inicial porque a ação fora proposta contra a União, e Sua Excelência entendeu que deveria a inicial conter o nome completo da ré, que em seu entender é União Federal.

Ação proposta contra a União, para haver desta a restituição de empréstimo compulsório pago na aquisição de automóvel, ou de combustível. Assunto inteiramente pacífico na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que já declarara inconstitucional a exigência da malsinada exação.

Fui relator do caso no TRF da 5ªRegião, quando a apelação foi provida e reformado o julgado, dando-se pela procedência da ação.

Curioso foi o voto do Juiz CASTRO MEIRA, companheiro de Turma, que se manifestou assim: "Acompanho o voto de Vossa Excelência, com fundamento em todos os artigos da Constituição, em nenhum dos quais encontrei a União com o qualificativo federal."

5.3. O nome da ação.

O Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de novembro de 1995, divulga ementa assim redigida:

"Declaratória - Objetivo - Declaração de inexistência de relação jurídica tributária - ISS - Afastada a alegação de cerceamento de defesa - Hipótese que não configura simples ação declaratória, mas ação desconstitutiva com implícita postulação de anulação de débito fiscal constituído - Ação anulatória como medida cabível - Carência decretada - Apelação não provida." Ac un da 6ª C Especial de julho/95 do 1º TAC SP - AC 553.403-8 - Rel. Juiz Jorge Farah - j. 28.08.95 Apte.: Fibra Serviços de Segurança S/C Ltda.; Apda: Municipalidade de São Paulo - DJ SP I 03.10.95, p. 70 - ementa oficial).

Com os esclarecimentos constantes dos trechos do voto do Juiz Relator, transcritos em "Observações IOB", entende-se que a apelante havia promovido ação declaratória contra a Fazenda Pública Municipal, sendo considerada carecedora de ação ao entendimento segundo o qual uma vez efetuado o lançamento tributário já a declaratória não seria cabível. Apelou, e o Tribunal, embora admitindo a declaratória, manteve a sentença. A ação, segundo o acórdão, conteria pedido implícito de desconstituição do lançamento. Assim, mesmo ainda que possível a conversão da ação em anulatória, como não fora feito o depósito, nem suscitada a inconstitucionalidade do art. 38, da Lei n.º 6.830, de 1980, subsistira a carência.

O decisório, data máxima vênia, incorre em alguns equívocos: a) empresta relevo ao nome da ação; b) vislumbra pedido implícito de anulamento quando o pedido fora simplesmente de declaração; c) entende exigível depósito mesmo quando já ocorreu o pagamento do tributo.

Os nomes anulatória, declaratória, repetição do indébito, ou qualquer outro, que à ação o autor atribua, são inteiramente irrelevantes. A ação caracteriza-se pelo pedido. Não pelo nome, que se eventualmente a este não corresponder não criará obstáculo ao exame da pretensão posta em Juízo.

A ação declaratória de inexistência de relação jurídica pode ser promovida mesmo quando já efetuado o lançamento tributário, porque é admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito. (CPC, art. 4º, parágrafo único), e isto não quer dizer deva ocorrer conversão da declaratória em ação anulatória ou desconstitutiva.

Se o contribuinte promove ação contra a Fazenda, e pede simplesmente a declaração da inexistência de relação jurídica tributária, não se há de ver pedido de anulamento implícito pelo fato de já haver sido feito o lançamento. Se já foi o tributo lançado, e o contribuinte pede apenas a declaração de inexistência da relação jurídica, deve o Juiz apreciar o pedido como formulado.

Diz o art. 293 do Código de Processo Civil que os pedidos devem ser interpretados restritivamente. Deve ser o pedido implícito admitido naqueles casos em que o seu atendimento é indispensável ao atendimento daquilo que foi pedido expressamente. Assim, por exemplo, na ação de repetição do indébito tributário está sempre implícito o pedido de anulação do lançamento respectivo. Infelizmente, porém, são freqüentes as manifestações judiciais pela impossibilidade de atendimento de certas pretensões à míngua de pedido expresso.

Talvez por isto mesmo é comum ver-se ação anulatória de lançamento fiscal cumulada com pedido de restituição, quando a rigor basta o pedido de restituição, cujo atendimento pressupõe o anulamento do procedimento administrativo precedente ao pagamento indevido.

No caso em tela, o julgador entendeu existente "implícita postulação de anulação de débito fiscal constituído", como se a anulação do lançamento fosse condição indispensável para a declaração de inexistência da relação tributária. Na verdade, porém, a declaração pretendida pelo autor independe da anulação do procedimento administrativo. Pode haver interesse do contribuinte apenas na declaração. Com ela poderá exercer o direito à compensação prevista no art. 66 da Lei n.º 8.383/91. E defender-se embargando a execução que porventura a Fazenda venha a promover contra ele.

Decisões como a de que se cuida autorizam a definição do Direito Processual como o ramo da Ciência Jurídica em cujo escopo está a viabilização de resultado favorável a quem não tem direito. Nas questões tributárias o processualismo tem ensejado vitórias do contribuinte, sem razão. E muitas vitórias da Fazenda Pública, em questões nas quais o direito do contribuinte é induvidoso.

6. Maus tratos ao princípio da fungibilidade dos recursos.

É razoável sustentar-se que o excessivo número de recursos existente em nosso sistema processual contribui para a demora na solução definitiva dos litígios. Não há dúvida, porém, de que a extinção dos recursos é providência que aponta para o totalitarismo do julgador, que é plenamente alcançado com a abolição de todos os recursos, chegando-se ao sistema de jurisdição em grau único. A virtude, com certeza e como sempre acontece, não está nos extremos. Nem é desejável o sistema que contempla recursos em quantidade capaz de ensejar intolerável demora no julgamento definitivo, nem tão pouco o sistema de jurisdição sem recursos, em grau único, ou sistema do juiz ditador.

Seja como for, o certo é que o juízo de admissibilidade de um recurso, sempre e em qualquer caso, deve ser do órgão para o qual se recorre, e não daquele prolator da decisão contra a qual o recurso é interposto. A razão disto é evidente: deixar a cargo do órgão prolator da decisão admitir, ou não, um recurso contra a mesma interposto, é conferir a este o intolerável poder de resolver se suas decisões devem ser, ou não, submetidas ao órgão judiciário superior.

A questão se complica quando a dúvida de quem quer recorrer está em saber se é cabível um recurso dirigido a um órgão, ou um outro, dirigido a órgão diverso. É o que ocorre, por exemplo, diante de um despacho de Presidente de Tribunal de Justiça, ou de Tribunal Regional Federal, que inadmite um recurso especial, ou um recurso extraordinário, dirigidos, respectivamente, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, ou se cabível é um agravo regimental, dirigido ao Plenário do próprio Tribunal presidido pelo prolator do despacho.

Os regimentos dos Tribunais geralmente estabelecem o agravo regimental como o recurso cabível contra decisões de seus juízes, inclusive de seu Presidente, para o órgão colegiado. E na jurisprudência do STJ e do STF, tem prevalecido o entendimento segundo o qual os recursos especial, e extraordinário, respectivamente, só são cabíveis contra decisão de única ou de última instância. Isto quer dizer que se ainda é cabível algum recurso no âmbito do Tribunal de Justiça, ou Regional Federal, não é cabível o especial, nem o extraordinário, o que torna aquela dúvida mais dramática, pois se o interessado interpõe o especial, ou o extraordinário, quando ainda seria cabível o agravo regimental, seguramente o apelo extremo não será conhecido.

É certo que o despacho do Presidente, acima aludido, é atacável pelo agravo de instrumento, porque assim dispõe norma específica, cuja aplicação não é afastada pela norma genérica referente ao cabimento de agravo regimental. Para um Professor de Direito Processual Civil, ou um advogado experto em nosso complicado sistema de recursos, não pode haver dúvida. O recurso cabível é o agravo de instrumento e não o agravo regimental. Mesmo assim, se em vez deste é interposto um agravo regimental, deve o Presidente, prolator do despacho atacado, determinar o processamento do recurso como agravo de instrumento, determinando as providências cabíveis para a adequação procedimental. E se não o faz, preferindo submeter a questão ao Colegiado, deve este determinar aquele processamento, de sorte a que o recurso seja a final submetido ao órgão Superior, seja o STF ou o STJ, que conhecerá, ou não, do recurso, decidindo a questão de saber se houve erro grosseiro do recorrente, ou se ao caso é aplicável o princípio da fungibilidade.

Pode parecer aos processualistas, geralmente apaixonados pela ritualística, que no exemplo citado ocorre erro grosseiro. A estes até pode parecer que adotar a solução que preconizamos significa inventar, porque temos lei, e a lei deve ser aplicada pelo magistrado.

Preferimos, com Arnaldo Vasconcelos, acreditar na insuficiência do Direito como simples conjunto de normas, em face da incapacidade, que lhe é inerente, de expressar por si mesmo, através do próprio círculo semântico das palavras, as exigências axiológicas indispensáveis à plenificação de seu conteúdo. Por isto não temos dúvida de que a melhor solução consiste em dar sempre oportunidade a que suas decisões sejam reexaminadas por um órgão Superior.

Nossa tese certamente não é ortodoxa. Seguramente, porém, ela não contribui para fortalecer o autoritarismo, cuja presença não se compadece com o Estado de Direito Democrático, cuja edificação nos cabe fazer, ainda que para tanto seja preciso inventar.

  1. As liminares e o novo regime do agravo

O art. 5º, inciso II, da Lei nº 1.533, de 31.12.51, diz que não se dará mandado de segurança quando se tratar de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. Esse dispositivo, com base no qual durante muito tempo foram rejeitados os mandados de segurança contra atos judiciais, terminou sendo interpretado de forma a afastar o cabimento do writ somente nos casos em que os efeitos do ato judicial impugnado ficam suspensos pela interposição do recurso cabível.

Restou predominante na jurisprudência o entendimento segundo o qual o mandado de segurança é cabível contra atos judiciais, tanto para atacar diretamente o ato considerado ilegal ou abusivo, situação excepcional, como para dar efeito suspensivo a recursos, como acontece na maioria dos casos.

Em se tratando de ato de ilegalidade flagrante, ato teratológico, o cabimento do mandado de segurança independe da interposição de recurso. Ataca-se o ato diretamente, pedindo-se o seu desfazimento. Em se tratando de ato cuja ilegalidade não se revele flagrante, ato não teratológico, o mandado de segurança é cabível apenas para dar efeito suspensivo ao recurso a tempo e modo interposto. A interposição do recurso, neste caso, é indispensável ao cabimento do mandado de segurança.

Tem admitido a jurisprudência, em muitos casos, a impetração de mandado de segurança contra ato judicial negativo, vale dizer, contra decisão que denega o provimento requerido. Em tais casos, evidentemente, mesmo tendo sido interposto o recurso cabível, não se pode dizer, sem grave impropriedade, que o mandado de segurança se destina a dar efeito suspensivo ao recurso. Na verdade, dar efeito suspensivo ao recurso interposto contra uma decisão negativa, como, por exemplo, a que denega medida liminar em ação cautelar, ou em mandado de segurança, ou indefere a produção de determinada prova em ação de procedimento ordinário, é suspender o nada.

Quem impetra mandado de segurança contra decisão que denega medida liminar em outro mandado de segurança, ou em ação cautelar, não deve pedir seja dado efeito suspensivo ao recurso acaso interposto. Deve, isto sim, atacar diretamente aquela decisão, apontando sua ilegalidade, e pedir do Tribunal "ad quem" uma decisão substitutiva daquela, que lhe conceda a medida liminar desejada.

A questão que se coloca, em tais casos, está em saber se tal mandado de segurança é cabível apenas quando a ilegalidade da decisão atacada seja flagrante, quando aquela decisão seja teratológica, ou se o cabimento do mandado de segurança independe dessa circunstância excepcional.

O mandado de segurança contra ato judicial tem, em regra, natureza cautelar. Devem estar presentes, a justificar sua impetração, a aparência do bom direito, e o perigo da demora, consubstanciado na possibilidade de ineficácia da decisão que, em apreciando o recurso correspondente, venha a reformar, ou anular, o ato judicial impugnado.

Nos casos em que a writ pretende apenas o efeito suspensivo para o recurso essa natureza cautelar é evidente. Assim também é nos casos em que, por se tratar de decisão negativa, não se pede efeito suspensivo para o recurso, mas uma decisão substitutiva. É que a decisão substitutiva reforma o ato impugnado mas assume a natureza deste, vale dizer, é provisória, como seria o provimento do Juízo "a quo".

Apenas nos casos em que o mandado de segurança ataca diretamente o ato judicial, de ilegalidade flagrante, teratológico, contra o qual não foi interposto recurso, podem surgir situações nas quais o writ não tem natureza nitidamente cautelar.

Com a Lei nº 9.139, de 30 de novembro de 1995, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil pertinentes ao agravo de instrumento, a questão do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial está sendo reexaminada.

Agora o agravo de instrumento é dirigido diretamente ao Tribunal "ad quem", através de petição com os requisitos legalmente enumerados, podendo o Relator do caso atribuir efeito suspensivo ao recurso.

Não é razoável, portanto, admitir-se mais o mandado de segurança cuja finalidade seja apenas dar efeito suspensivo ao recurso regularmente interposto.

Diversamente, cabível segue sendo a impetração de mandado de segurança contra atos judiciais de ilegalidade flagrante, atos teratológicos, posto que com esta se pretende, diretamente, invalidá-los. O impetrante, em tais casos, não pretende dar efeito a recurso, e pode até não o interpor.

Leva problema, porém, saber se nos casos em que o ato atacado é negativo, vale dizer, naqueles casos em que o impetrante pede uma decisão substitutiva, segue sendo cabível o mandado de segurança.

Os literalistas, em face do que a lei expressamente estabelece, já estão decidindo pela impossibilidade do deferimento, pelo Relator, da liminar substitutiva. Assim, no âmbito do mandado de segurança, pelo menos, prestam homenagem ao autoritarismo, ao deixarem desprotegidos aqueles aos quais é negada a medida liminar. Só o Poder Público, então, terá um agravo de instrumento útil, com a possibilidade de efeito suspensivo do despacho concessivo de liminar.

Esse entendimento, porém, não é razoável. O art. 527, inciso II, do CPC, na redação que lhe deu a Lei nº 9.139/95, não deve ser interpretado literalmente, mas com especial atenção para o elemento teleológico. A finalidade da alteração do regime jurídico do agravo foi precisamente tornar desnecessário o uso do mandado de segurança contra atos judiciais, com a amplitude já consagrada na jurisprudência. Assim, o elemento teleológico sugere que se veja naquela norma uma autorização para o Relator atender, provisoriamente, a pretensão do agravante, para evitar a necessidade de impetração de mandado de segurança.

Por outro lado, se o interessado tem justo receio de que um magistrado vai prolatar despacho lesivo a direito líquido e certo seu, poderá impetrar o mandado de segurança preventivo. Não pode, evidentemente, recorrer preventivamente. Por isto mesmo não lhe pode ser negado o cabimento do writ, única via processual disponível para evitar a lesão a seu direito. Negar esse direito à prevenção é amesquinhar o mandado de segurança, e em conseqüência prestigiar o arbítrio.

8. Conclusão.

Os poucos exemplos aqui examinados são suficientes para demonstrar que o formalismo no trato das questões é um fator significativo de descrédito do Judiciário, tanto porque aumenta consideravelmente a demora na solução dos litígios, como e especialmente porque enseja soluções diversas para casos absolutamente iguais do ponto de vista do direito material, violentando flagrantemente o princípio da isonomia, e isto as pessoas em geral não podem assimilar.

E o que é pior, o formalismo contamina e praticamente inutiliza, ou reduz a utilidade das medidas com as quais se tenta melhorar o desempenho do Poder Judiciário, como se vê, por exemplo, no caso no novo regime jurídico do agravo de instrumento.

Por tal razão, parece-nos que o ponto de partida para uma solução compatível com os desafios do final deste século está especialmente no combate ao formalismo, emprestando-se aos julgados maior conteúdo axiológico, e especialmente maior atenção aos fins do Direito, e ao caráter apenas instrumental do Processo.