A PROGRESSÃO DO REGIME E OS CRIMES HEDIONDOS.
Procurador de Justiça e Professor de Direito
Processual Penal na Universidade Federal de Santa Catarina
1. Algumas considerações sobre a Lei nº
8.072 de 25/07/90.
Já não há quem não saiba sobre algumas das razões que
levaram o legislador pátrio à edição da lei ora em comento:
ou seja, dar uma resposta jurídico-política ( o que na verdade,
não se constituiu numa resposta eficaz) à onde de sequestros
promovidos por grupos armados e tendo - preferencialmente - como
vítimas, personalidades do mundo empresarial e sócio-econômico nacional
( Sr. Roberto Medina, Sr. Abílio Diniz, entre outros).
Setores influentes da sociedade (empresarial, político,
etc.), clamavam junto ao governo e perante alguns escalões da
segurança nacional, a tomada de alguma posição legal, de
caráter enérgico e que pusesse - o quanto antes -, um paradeiro
à sequência de de sequestro de pessoas que ocupavam uma
posição de destaque na sociedade, bem como, igualmente, por
outro lado, pudesse inibir ou atenuar a crescente criminalidade
nos grandes centro populacionais que, a essa altura, em face de
suas proporcões inusitadas, expunham a constante perigo a vida
das pessoas de bem.
É nesse cenário de aparente intranquilidade social, que o
legislador editou a Lei dos Crimes Hediondos, classificando
através de seu art. 1º, determinados delitos como o de
homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V) , o
latrocínio, a exotrsão mediante sequestro e sua forma
qualificada, o estupro em combinação com o art. 223,
"caput"e parágrafo único, o atentado violento ao
pudor, igualmente com a aplicação do art. 223,
"caput"e parágrafo único, a epidemia com o resultado
morte, além do genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da
Lei nº 2.889 de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.
Por outro lado, também através de seu art. 2º, deixou consignado o legislador ordinário que os delitos hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e o terrorismo, seriam insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade
provisória e deveriam os agentes infratores de tais
delitos (os previstos no art. 2º por último mencionado)
cumprirem a pena que lhes fossem aplicada - integralmente - em
regime fechado.
Com tal procedeimento, entendo, pensou o legislador pátrio -
erroneamente - estar contribuíndo para a diminuição da
crescente criminalidade ou, pelo menos, quem sabe, pensou estar
criando um clima de medo junto à marginalidade criminosa o que,
na verdade, nenhuma uma e nem outra coisa aconteceu.
É entendimento já consolidado nos meios jurídicos, que a
criminalidade crescente em nosso país não será resolvida e
combatida com eficácia, tão-somente, criando-se diplomas legais
mais rígidos com a supressão de direitos e benefícios legais
previstos para os que delinquirem, mas sim, com a adoção de
políticas sociais (saúde, educação, emprego, etc.) de
caráter permanente e abrangente.
O que se viu, por conseguinte, foi o revérso justamente, ou
seja, os índices de criminalidade dos grandes centros
polulacionais não só não diminuiram como, realmente,
aumentaram, pondo em destaque o fracasso da política de
rigorismo legal para o combate à criminalidade.
2. A Lei de Execução Penal: Lei nº 7.210 de 11/07/84.
Através deste diploma legal, o legislador ordinário
estabeleceu uma política penitenciária para o cumprimento das
penas impostas aos condenados, tendo por base - fundamentalmente
- o sistema progressivo na execução da sanção imposta.
Isto implica em dizer que, o condenado que tenha cumprido com
bom comportamento um sexto (1/6) da pena no regime anterior (ou
seja, o regime fechado) , poderá progredir para o seguinte - semi-aberto
- até alcançar a liberdade de forma restrita (regime albergue
ou prisão albergue ) antes de conseguí-la através do instituto
do livramento condicional ou, até, eventualmente, mediante
indulto presidencial.
O sistema progressivo, face nossa tradição histórica no que
diz respeito à administração da sanção penal e, não
obstante a falência do sistema penitenciário como um todo,
ainda representa uma forma menos gravosa tendo em vista o
objetivo final que é a recuperação do indivíduo para a
sociedade ou seja, em outras palavras: a tão sonhada
ressocialização do apenado para a sua reinserção no todo
social.
É verdade que, nos tempos atuais, falar-se em ressocialização
do condenado ante as péssimas condições carcerárias de
nossos presídios de um modo geral e o descaso absoluto das autoridades
governamentais, chega a ser até risível e alvo de chacotas. O
problema carcerário e penitenciário como um todo, não tem tido
- pelos governantes em qualquer dos níveis políticos de atuação
- o respeito e atenção que se fazia mister, daí advindo, por
certo, o verdadeiro caos que se instalou nesse campo da
administração da pena ou, propriamente, na execução da
sanção penal.
Com base nesses pressupostos, então alinhados, é que, agora,
tecerei algumas considerações de caráter doutrinário e
jurisprudencial, sobre a pretensão do condenado por crime
hediondo ou a ele equiperado (caso do delito de tráfico de
drogas) em ser beneficiado com a progressão de regime, segundo
a Lei de Execução Penal.
3. A progressão do regime em crimes hediondos.
Tomando como exemplo teórico o crime de tráfico de drogas,
previsto no art. 12 da Lei nº 6.368/76, entendo que, não
obstante respeitáveis opiniões em contrário, deva ele ter
idêntico tratamento na execução da pena (sistema progressivo)
como qualquer outro condenado por outro delito.
Ora, à toda evidência, o critério pela natureza do delito -
o de tráfico de drogas -, utilizado pelo legislador ordinário,
por exemplo, para excluir o direito à progressividade da pena no
sistema penitencário é absolutamente inconstitucional,
porque atenta contra o princípio da individualização de
pena como também contra o princípio da humanidade da
pena, ambos previstos na Carta Política nacional.
É pelo primeiro que o juiz, em aplicando a pena, irá individuar,
separar, particurizar a sanção imposta à realidade pessoal
de cada infrator e, com isso, quando da execução, terá
condições concretas de aferir, examinar, obter dados sobre a
maneira sob a qual está sendo absorvida àquela pelo agente
condenado e quais serão as suas perspectivas de ressocialização.
Se ao condenado por crime hediondo ou a ele equiparado no caso
de tóxicos, nada lhe é oferecido pelo sistema punitivo e
carcerário (Estado como detentor do jus puniendi, ilusória
- por óbvio - é a preconizada ressocialização do condenado e vingativa se
apresenta a sanção imposta com inequívoco retorno ao
procedimento medieval já de há muito execrado do cenário jurídico
civilizado.
A expiação da culpa centrada na única finalidade repressiva
e de caráter retributivo atenta contra os princípios que
fundamentam os direitos humanos e, por outro lado, desserve aos
fins do Estado Moderno de Direito que, basicamente, tem na
proteção judciária ao indivíduo, seu fator exponencial.
Dissertando sobre a matéria e, em especial sobre a situação
do recluso sem acesso à progressão, o preclaro MANOEL PEDRO
PIMENTEL, in "Reforma Penal", Saraiva, págs.
55/56, assim se pronunciou, verbis:
"...persistirão os males da prisonização, aos quais se
somarão outros, como a etiquetagem e a estigmatização. Afixado
o rótulo de criminoso no sentenciado, este se torna
estigmatizado e, uma vez que é visto definitivamente como
criminoso, o desviante aprende a se ver como tal. Separado do
grupo que o rotulou, busca identificar-se com o outro grupo,
etiquetado como ele. Produz-se, assim, o que se chama de desvio
secundário, uma vez que os etiquetados passam a comportar-se do
modo que deles é esperado, tornando-se praticamente impossível
sua reabilitação".
No mesmo sentido, é o entendimento de ANTONIO LOPES MONTEIRO,
sobre a prescrição constante do § 1º, do art. 2º, in "Crimes
Hediondos - Textos, comentários e aspectos polêmicos", Saraiva,
pág. 115, verbis:
"Este dispositivo, embora seja lógico e decorra da
filosofica deste diploma legal, merece severas críticas, pois
não leva em conta toda uma política penitenciária, esquece a
psicologia forense e as peculiaridades de cada sentenciado,
sobretudo a adaptação a uma nova realidade social através do
trabalho e da convivência, proporcionados na progressão dos
regimes. Olvida-se o legislador de que o condenado nesta
situação nada tem a perder, e o passo seguinte é o fomento das rebeliões,
a fuga com reféns e a criação de verdadeiras quadrilhas,
planejando e comandando empreitadas criminosos de dentro dos
muros das casas de detenção e penitenciárias. Enfim, o que deveria
ser uma etapa de regeneração transforma-se numa escolade
aprimoramento da delinquência organizada".
Desse entendimento não diverge o douto JOÃO JOSÉ LEAL, in "Crimes
Hediondos - Aspectos Político-Jurídicos da Lei nº
8.072/90", São Paulo : Atlas, 1996, p.113, verbis:
"Ignorou o legislador que a execução de longas penas
privativas de liberdade em regime unicamente fechado representa
um castigo insuportável e que, por isso, desmotiva o preso para quem
desaparece qualquer perspectiva, qualquer esperança de retorno
à liberdade. Rigorosamente submetido ao cumprimento de uma longa
pena neste regime, o preso se transformará num rebelde, num
amotinado e num violento destemperado, ou entáo num despersonalizado
e desesperançado, sem vontade própria, sem dignidade e sem
razão de viver, ou seja, no protótipo de um autêntico
hipo-humano".
No mesmo diapasão, é o entendimento de JÚLIO FABRINI
MIRABETE, in "Crimes Hediondos, a Constituição
Federal e a Lei", São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993,
p. 66, verbis:
"Trata-se de regra em perfeita harmonia com os estudos de
penalogia que indicam a necessidade dessa progressão para os
condenados que apresentem sinais de recuperação e que a transferência
para regime semi-aberto e, posteriormente, aberto, facilita ou
pelo menos possibilita a reintegração progressiva do condenado
ao meio social".
E, ainda, em confortando o entendimento já expendido, merece,
por oportuno, a citação do posicionamento do preclaro Ministro
Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal que, a respeito,
disse:
"Tenho como relevante a arguição de conflito do § 1º,
do art. 2º, da Lei nº 8.072/90 com a Constituição Federal,
considerado quer o princípio isonômico em sua latitude maior,
quer o da individuzalição da pena previsto no nº XLVI do
art.5º, da Carta Política, quer, até mesmo, o princípio
implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar
tendo como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da
noção deste último a observância da dignidade da pessoa humana,
que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto
revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao
cumprimento da pena em regime menos regiroso.
Preceitua o parágrafo em exame que nos crimes hediondos definidos no art. 1º da citada lei, ou seja, nos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenamento de água potével ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, genocídio, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas ainfs e, ainda, terrorismo, a pena será cumprida integralmente em regime fechado.
No particular, contrariando-se consagrada sistemática abusiva
à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras
gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais,
distinguindo-se entre cidadãos não a partir das condições
sócio-psicológicas que lhes são próprias, mas do episódio
criminoso no qual, por isto ou aquilo, acabaram por se
envolver.Em atividade legislativa cuja normaliza;áo não exigiu
mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados
crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o
afastamento da humanização da pena que o regime de progressão
viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que
segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de
suas características pessoais e à vida continuada em ambiente
criado para atender a situação das mais anormais e que, por
isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada
ressocialização.
Tenho o regime de cumprimento da pena como algo que, no campo
da execução, racionaliza-a, evitando a famigerada idéia do
'mal pelo mal causado'e que sabidamente é contrário aos
objetivos do próprio contrato social. A progressividade do
regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que
acenando ao condenado com dias melhores, incentiva-o à
correção de rumo e, portanto, a empreender um comportamento
penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura
inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que,
antecipadamente, sabe de irrelevância dos próprios atos e
reações durante o período no qual ficará longe do meio social
e familiar e da vida normal que tem direito um ser humano; que
ingressa em uma penitenciária com a tarja de
despersonilização?
Sob este enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é em si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia-menos-dia receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isoto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. À ela não interessa o retorno de um cidadão, que enclasurou, embrutecido, muito embora o tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demosntrando, a mais náo poder, ser uma quase utopia. Por sinal, a Lei nº 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime. É que, pelo art. 5º, da Lei nº 8.072/90, foi introduzido no art. 83, do CP, preceito assegurando aos condenados por crimes hediondos pela prática de tortura ou terrorismo e pelo tráfico ilícito de entorpecedentes, a possibilidade de alcan;arem a lberdade condicional desde que náo sejam reincidentes em crimes de tal natureza - inciso V -. Pois bem, a Lei em comento impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional.
Descabe a passagem do regime fechado para o semi-aberto,
continuando o incurso nas sanções legais a cumpir a pena no
mesmo regime. No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada
a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido
quantitativo superior a dois ter;os da pena. Conforme salientado
na melhor doutrina, a Lei nº 8.072/90 contém preceitos que
fazem pressupor não a observância de uma coerente política
criminal, mas que foi editada sob o clima da emoção, como se no
aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios
de afastar-se o elevado índice de criminalidade.
Por ela, os enquadráveis nos tipos aludidos são merecedores
de tratamento diferenciado daquele disciplinado no Código Penal
e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos não à regras
relativas aos cidadãos em geral, mas a especiais, despontando a
que, fulminando o regime de progressão da pena, amesquinha a
garantia constitucional da individualização.
Diz-se que a pena é individuzlizada porque o Estado Juiz, ao
fixá-la, está compelido, por norma cogente, a observar as
circunstâncias judiciais, ou seja, os fatos objetivos e
subjetivos que se fizerem presentes à época do procedimento
criminalmente condenável. Ela o é não em relação ao crime
considerado abstratamente, ou sjea, ao tipo definido em lei, mas
por força das circunstâncias reinantes à época da prática.
Daí cogitar o art. 59, do CP que o juiz, atendendo à culpabilidade,
aos antecedentes, à conduta social, à personlidade do agente,
aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem
como ao comportamento da vítima, establecerá, conforme seja
necesdsário e suficiente para reprovação e prevençào do
crime, não só as penas aplicáveis dentre as cominadas (inciso
I), como também o quantitativo (inciso II), o regime inicial de
cumprimento da pena privativa de liberdade - e, portanto,
provisório, já que passível de modificação até mesmo para
adotar-se regime mais rigoroso (inciso III) e a substituição da
pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena,
se cabível.
Dizer-se que o regime de progressão no cumprimento da pena
não está compreendido no grande todo que é a
individualização preconizada e garantida constitucionalmente é
olvidar o instituto, relegando a plano secundário a
justificativa socialmente aceitável que o recomendou ao
legislador de 1984.
Destarte, tenho como insconstitucional o preceito do § 1º,do
art. 2º, da Lei nº 8. 072/90, no qwue dispõesd qwue a pena
imposdta pela prática de qualquer dosd crimes nela mencionadasd será
cumprida, integralmente, no regime fechado.
Com isto, concedo parcialmente a ordem, não para ensejar ao
paciente qualquer dos regimes mais favoráveis, mas para
reconhecer-lhe, porque cidadão e acima de tudo pessoa humana, os benefícios
do insdtituto geral que é o da progressão do regime de
cumprimento da pena, providenciando o Estado os exames
cabíveis".
Comunga do mesgmo entendimento, o preclaro Ministro do
Superior Triubnal de Justi;a, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO que, ao
julgar o Recurso Especial nº 41.160-2-SP, deixou consingado:
"Como muito bem registra o acórdão, cujo trecho foi
lido no douto voto do Sr. Ministro relator, a individualiza;áo
da pena compreende três fases: cominação, aplicação e
execução. Não pode, portanto, lei ordinária, como é a lei
nº 8.072 de 1990, estabelecer, de forma rídiga e inflexível, que,
para os crimes alí definidos e especificados, haverá de ser
cumprido inteiramente em regime fechado.
Dava venia, não obstante o patrimônio jurídico, que é a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há equívoco de
constitucionalidade. Por isso, tenho insistido em meu ponto de
vista. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, atualmente, amenizou a
sua conclusão. De início fizera compreender que, no dispositivo
da chamada Lei dos Crimes Hediondos, os crimes capitulados nos
arts. 12, 13, 14 e 16. Em decisão recente, de mais ou menos
trinta dias, restringiu a sua jurisprudência ao art. 12,
referindo-se apneas ao tráfico. Vê-se, portanto, é
jurisprudencia que está, ainda, em fase de crstalização".
(RSTJ 681/381).
Já o entendimento jurisprudencial, embora dominante no
sentido de negar a progressão, comporta parcela considerável no
sentido de acolher o pedido de deferir a progressão como se pode observar
pela observação de alguns acórdãos ora colacionados, verbis:
"Crimes hediondos. Tráfico ilícito de entorpecentes. Regime fechado.
A Constituição da República consagra o princípio da
individualização da pena. Compreende três fases: cominação,
aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena
cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da
infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível,
por isso, legislação ordinária impor (desconsiderando os dados
objetivos e subjetivos) regime único e inflexível"(STJ- RE
- 19.420-0- Rel. Min.Vicente Cernicchiaro - DJU, 7.6.93, p.11.276)".
"Regime de cumprimento de pena. Inteligência do § 1º,
do art. 2º, da Lei nº 8.072/90/ Inconstitucionalidade frente ao
princípio da individualização da pena exigida no art. 5º,
XLVI da Carta Magna". (TJDF - AC 11.745 - Rel. Hermenegildo
Gonçalves ).
"Regime prisional semi-aberto. Crime hediondo. O regime
prisional será o semi-aberto, consideradas a primariedade do
acusado e a inconstitucionalidade da Lei nº 8.072/90, quando estabelece
o regime fechado integral. O ilustre Procurador de Justiça de
São Paulo, Dr. Jacques de Camargo Penteado, em artigo publicado
na RT 674/286 ("Pena Hedionda") concluiu que é inconstitucional
o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 porque impede a
individualização da pena constitucionalmente
garantida"(TJSP - AC - Rel.Celso Limongi - RJTJSP 138/444).
Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, por decisão da 2a. Câmara Criminal, em acórdão da
lavra do eminente Des. Álvaro Wandelli, proferido no Recurso de Agravo
nº 369, da capital, deixou manifesta a sua inclinação pela
admissibilidade da progressão em tais casos e, em face de sua
clareza, permíto-me transcrever os tópicos mais importantes do aludido
julgado, verbis:
"Recurso de agravo - Narcotraficância - Crime hediondo -
Possibilidade de progressão do regime fechado para o
semi-aberto. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
nº 8.072/90 frente ao princípio da individuzalização da pena
- Art. 5º, XLVI, da Carta Magna - Recurso provido.
A Constituição da república consagra o princípio da individualização da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordeinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único e inflexível"(STJ - RE nº 19.420-0- Rel. Vicente Cernicchiaro - DJU, de 7.6.93, pág. 11.2.76). (Ementa)
E no corpo do acórdão, lê-se:
"A Lei nº 8.072/90, em seu art. 2º, § 1º, determina o
cumprimento integral da pena privativa de liberdade em regime
fechado, nos crimes hadiondos, na prática de tortura, no
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e no
terrorismo. Discutível, contudo, a constitucionalidade desse dispositivo,
em face do princípio da individualização da pena, previsto
entre os Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º, XLVI, da
CF).
É inegável que parte dominante da jurisprudência, inclusive
do nosso Tribunal, entede ser incabível a progressão do regime
fechado para o semi-aberto, em se tratando de crime hediondo,
sendo que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela
constitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90,
com a seguinte ementa:
"À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro
dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a
individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs,
no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma
constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será
no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em
relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade
ao juiz na fixação do regime prisional"( HC, nº 69.603-
Plenário, j. em 18.12.92, DJU, 23.4.93, pág.6.922).
Em sentido contrário, partidário da tese da
inconstitucionalidade do referido artigo, doutrina Jacques
Camargo Penteado:
"Há muito nos afastamos da pena tarifada. Uma coisa é
fixar limites amplos para determinação do regime inicial de
cumprimento da pena. Outra, bem diversa, é impedir progressão
ao regime menos rigoroso depois de descontado certo período e
apurado mérito do reeducando. 'A individualização repele
qualquer tentativa de catalogação dos réus. Isto já seria uma
medida de cunho generalizante, contrária à intenção
individualizadora do Texto Constitucional'(Ives e Bastos, ob.
cit., pág. 237). Pena individualizada é a fixada pelo Poder
Judiciário com determinação da forma inicial e acompanhamento
do progresso para, saindo do regime original, aproximar o reeducando
da liberdade gradativamente"(Pena hedionda, in RT 674/286).
Esse posicionamento encontra ressonância no art. 112, da Lei de
Execução Penal, verbis: "A pena privativa de será executada
em forma progressiva, com a transferência para o regime menos
rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu
mérito indicar a progressão".
"...O cumprimento da pena em regime fechado, sem
possibilidade de progressão, sem dúvida, conduz à antiga
concepção da sanção como finalidade unicamente repressiva,
com um caráter exclusivamente expiatório e retributivo,
contrária à moderna concepção de função socializadora da
pena, que consiste em oferecer ao delinquente o máximo de
condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem
praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com
o dever-ser jurídico-penal, visando a preven;áo da
reincidência atrav[es da colabora;áo voluntária e ativa
daquele. O sistema progressivo, al[em de compat[ivel com o
consagrado princípio da individualização da pena, tem
caráter reeducativo e possibilita ao condenado, de acordo com o
mérito demonstrado durante a execução, promoção a regime
menos rigoroso, antes de atingir a liberdade. Por isso, a
progressão constitui importante estímulo à ressocialização, o
que náo ocorre se a pena tiver de ser cumprida em regime
integral fechado. Nesse último caso, como diz Jaques Camargo
Penteado, "se o virtuoso aguarda recompensa pelo
sacrifício, não é lícito esperar regeneração do infrator
que náo terá apreciado seu mérito eventual". ("Pena Hedionda",
ob. cit.). Consoante leciona Alberto Silva Franco, "A
individualização da pena, mercê do regime prisional
progressivo, insere-se no tronco comum do processo
individualizador que se inicia com a atuação do legislador,
passa pela ação do juiz e finda-se, ao atingir o nível máximo
de concreção, na execução penal. Destarte, excluir,
legalmente, o sistema progressivo, é impedir que se faça valer,
na sua fase final, o princípio constitucional da
individualização. Lei ordinária que estabeleça, portanto,
regime prisional único, sem possibilidade de nenhum tipo de
progressão, atenta contra tal princípio e revela expressa
ofensa ao preceito constitucional. Mas não é só. A exlcusão
legal do sistema progressivo conflita também com o princípio
constituciional da humanidade da pena que, na expressão de
Jescheck ("Tratado de Derecho Penal", pág. 23, 3a. ed.,
1993), 'converteu-se no pensamento reitor da execução penal'.
Pena executada, com um único e uniforme regime prisional,
significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário
racional e progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de
obter a liberdade antes do termo final do tempo de sua
condenação e, portanto, náo exerce nenhuma influência psicológica
positiva no sentido de seu reinserimento social; e, por fim,
desampara a própria sociedade na medida em que o devolve à vida
societária após submetê-lo a um processo de reinserção às
avessas, ou seja, a uma dessocialização"("Leis Penais
Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial", São
Paulo, Ed. RT, 1995, pág.426).
Acentua ainda, o v. acórdão:
"...Cumpre ressalta, finalmente, que, pela legislação
vigente, somente o condenado em regime semi-aberto pode
frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de istruçào
de segundo grau ou superior (art.35, § 2º, do CP). Tal
possibilidade, vedada aos que cumprem pena em regime fechado,
constitui fator primordial na prevenção dos crimes e
recuperação dos delinquentes. Isto porque a formação
profissional proporciona melhores oportunidades no mercado de
trabalho e, como consequência lógica, diminui os efeitos do
fenômeno da estigmatização do egresso, contribuindo para sua
ressocialização. Certamente, preocuapada com esses aspectos, a
Lei de Execução penal, em seu art. 17, dispôs que a
assistência educacional compreende a instrução escolar e a
formação profissional do preso ou internado. Como se conclui
pela Exposição de Motivos da referida lei, tal assistência,
entre outras previstas, constitui dever do Estado "visando a
previnir o delito e a reincidência e a orientar o retorno ao
convívio social". Sem a possibilidade de progredir ao
regime semi-aberto, perde o condenado o direito à frequência a cursos
profissionalizantes, importante fator no processo reeducacional.
O que se deve ter em mente, e é exatamente este o alcance que se
deve empregar à garantia constitucional da individualização da
pena, compatível com o atual estágio do Direito Penal, é que a
segregação pura e semples do homem do convívio social tem
aspecto de mero castigo, quando, hodiernamente, tem-se que o
objetivo principal da sanção criminal é a recuperação do delinquente,
e isso só pode ser conseguido através de emprego inteligente de
processos de reeducação, e não apenas isolando-o completamente
da sociedade, sem esperança nenhuma até o termo final do tempo
de sua condenação."
4. A interpretação da lei (penal e processual penal).
Segundo a melhor doutrina, interpretar uma lei é
prescrutar-lhe o seu sentido, o seu fim, aquilo que a norma - na
sua finalidade - quis ou pretendeu dizer.
JÚLIO FABRINI MIRABETE, in "Processo Penal",
2a. ed., São Paulo : Atlas, 1992, p.70, preleciona, verbis:
"A interpretação é o processo lógico que procura estabelecer a vontade da lei, que não é, necessariamente, a vontade do legislador. A lei deve ser considerada coo entidade objetiva e independente e a intenção do legislador só deve ser aproveita como auxílio ao intérprete para desvendar o verdadeiro sentido da norma jurídica".
(Grifei).
E ainda, do mesmo autor:
"Na interpretação da lei, deve-se atender äos fins
sociais a que ela se dirige a às exigências do bem
comum"(art.5º da LICC). Deve-se, porém, ter em vista na
interpretação da lei processual penal que a tutela da
liberdade individual está compreendida nos imperativos do bem comum
e que o fim da pena é promover a integração social do
condenado (art.1º da LEP)". (Destaquei).
Nesta conformidade e tendo em mira esses princípios, o juiz,
quando se deparar com uma norma que lhe pareça inconstitucional
ou que atente contra os princípios por ela mesma traçados, deverá
como tal considerá-la na primeira hipótese ou, na segunda,
deverá deixar de aplicá-la e, desse modo, aplicará a
disposição que lhe pareça mais justa ante o caso concreto que
lhe é submetido.
O julgador, portanto, é antes de tudo verdadeiro intérprete
da vontade do legislador expressa na norma, mas, evidentemente,
não ficará adstrito a tal vontade quando essa afrontar a
consciência social ou os direitos fundamentais da pessoa humana
assegurados no texto magno.
A desobediência a uma norma pré-fixada (considerada injusta
ou inconstitucional), não implica, necessariamente, no
rompimento ou esfacelamento do ordenamento jur[idico porque, na
essência, o próprio fim preconizado pela norma agendi é
a realização do Direito, esse o fim último da ciência
jurídica.
O legislador ordinário, entendo, ao fixar o cumprimento
integral da pena em regime fachado, atentou - sem sombra de
dúvidas - contra o princípio maior - porque previsto na
Constituição Federal - da individualização da pena, além de
ferir os princípios que regem a própria aplicação e execução
da norma legal devendo por isso, a disposição proibitiva, ser
declarada de forma incidental - inconstitucional - com a
sua não aplicação ao caso vertente, decorrendo, em consequência,
o deferimento da progressão almejada caso o recorrente atenda os
demais requisitos legais para a obtenção daquela.
Por outro lado, é oportuno ainda registrar a incoerência e
açodamento do legislador ordinário na elaboração apressada da
disposição restritiva, pois, dispondo logo depois sobre a
possibilidade do agente criminoso em tais circunstâncias, obter livramento
constitucional desde que cumpridos dois terços (2/3) da
pena, não sendo reincidente, permitiu o mais
quando proibiu o menos. Nesse sentido, constata-se
que, o legislador nacional, apercebendo-se do seu lamentável equívoco
na edição da aludida norma draconiana, quis abrandar o seu
rigorismo fazendo inserir no texto legal a nova disposição
atenuadora e permissiva.
As leis, como um dos instrumentos de controle social, têm
caráter abrangente (ou seja, destinam-se à sociedade como um
todo ) e são legítimas e juridicamente aceitáveis quando não resultantes
de clima passional de determinada época e, só serão
juridicamente válidas e aceitáveis, enquanto persistir a
existência dos mesmos fatos sociais que lhe derem origem.
Com base nessa visão é que entendo que a disposição inserta no § 1º, do art. 2º da Lei nº 8.072/90, por ser disposição absolutamente inconstitucional, não revogou a previsão constante do art. 112 da Lei nº 7.210 de 11/07/84 que trata da progressão do regime da pena imposta.
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