INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE AGRAVO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (*)
Gustavo Peres Sala
Quintanista da Faculdade Católica
de Direito de Santos (UniSantos), estagiário na Magistratura e Conciliador
no Juizado Especial Cível
Questão interessante é a respeito da possibilidade de se
admitir o recurso de agravo dentro do procedimento instituído pela
Lei n° 9.099/95, que criou os Juizados Especiais. Demonstraremos porque,
não obstante entendimentos em contrário, é inadmissível
tal recurso.
Ideologicamente, os Juizados Especiais surgiram em resposta à demora na distribuição da Justiça, imputada, em grande parte, ao cumprimento de solenidades processuais e à falta de estrutura do Poder Judiciário. O legislador preocupou-se também com a desigualdade econômica dos litigantes, criando limite de apreciação (40 salários-mínimos), visando conflitos entre consumidores e empresas, oriundos de acidentes de trânsito, etc, "pequenas controvérsias que, por suas peculiaridades, o atual sistema de administração da Justiça não conseguiu absorver" (1).
É procedimento informal, célere, oral e simples, aplicável às "causas simples de menor complexidade" (artigo 3°, Lei n° 9.099/95). Não podem seguir o procedimento do juizado as causas de natureza falimentar, relativas ao estado e à capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial, de acidentes do trabalho, e aquelas cuja própria estrutura veda essa possibilidade (criança e adolescente, por exemplo).
Princípios informativos são também verificados no procedimento, como efetividade, economia processual, simplicidade, informalidade, oralidade, contraditório e devido processo legal. Da mesma forma, inequívoco afirmar que, no juizado, existem decisões interlocutórias, algumas das quais podem causar gravame às partes. Na decisão que acolhe pedido de juntada de fotografia, como prova, a parte que se julgar prejudicada teria, em tese, os dois fundamentos para o agravo presentes (admissibilidade e mérito), podendo fazer uso deste, se previsto no rito especial da Lei n° 9.099.
Com efeito, o único recurso previsto na lei é aquele interposto contra a sentença, "recurso para o próprio Juizado" (artigo 41, caput). Não houve disposição expressa acerca do nome do recurso, mas a doutrina é pacífica ao admiti-lo como apelação, face o teor do artigo 513, do Código de Processo Civil.
O recurso, na lição de NELSON NERY JUNIOR, "é o remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, a fim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão de jurisdição hierarquicamente superior, em regra, àquele que a proferiu" (2).
Pois bem. O recurso de agravo é o remédio que cabe das decisões interlocutórias. Ocorre que a sistemática da lei dos juizados estabeleceu o princípio da irrecorribilidade das decisões, de modo a consagrar a celeridade processual neste procedimento informal. Assim, deve-se ter em mente que a aplicação subsidiária da norma processual não pode contrariar os princípios que informam a legislação dos juizados. A lei n° 9.099 rompeu com princípios que informam o Código de Processo Civil ao formular o procedimento sob a égide da informalidade, oralidade e concentração, do modo como o fez (J.S. FAGUNDES CUNHA, embora admita o agravo).
A interposição do agravo acabaria por tumultuar a lide e ensejar a convocação de julgamento no Colégio Recursal dispensável, pois que o suposto prejuízo causado pela decisão poderia, sem dúvida alguma, ser suscitado como preliminar numa eventual apelação. E nem se diga que, normalmente, na mesma audiência, todos os incidentes são resolvidos e a sentença é proferida de imediato, o que retiraria do agravante a utilidade do recurso - pois teria o mais, diga-se, a apelação.
A compressão procedimental e a relegação das decisões das questões para a sentença, como quer o artigo 29, da lei em comento, fazem do agravo figura de pouco alcance nesse novel procedimento (LUIZ FUX, ob. cit.). ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (3) entende da mesma forma:
"Nas causas que, sob procedimento sumaríssimo, tramitam perante os Juizados Especiais, previstos no art. 98, I, da Constituição Federal, são cabíveis somente embargos de declaração e, da sentença, recurso inominado ‘para o próprio juizado’ (...) As decisões interlocutórias, que pela própria estrutura do rito sumaríssimo muito poucas hão de ser, são irrecorríveis. Em consequência, a matéria versada em decisão interlocutória ‘não restará coberta pela preclusão, podendo ser reiterada na impugnação da sentença, com o escopo de sua reapreciação pelo órgão colegiado ad quem’ (ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas, Editora Saraiva, 1985, p. 247)."
JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, citado por J.S. FAGUNDES CUNHA (6), é categórico ao afirmar que toda a questão probatória, as matérias pertinentes às condições da ação e pressupostos processuais que não puderem ser resolvidas ab initio serão postergadas para análise futura, quando da realização da audiência e, dependendo do caso, analisadas na própria sentença, o que fulmina a utilidade do recurso de agravo.
É de se observar que o entendimento a respeito da inadmissibilidade do agravo no juizado não é novo. No sistema dos Juizados de Pequenas Causas, autores como CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (4) já sinalizavam nesse sentido. Comentando a ofensa ao princípio da celeridade, adverte que "não há porque admiti-lo [o agravo], mormente em face da inexistência de tempo para o seu processamento e da possibilidade da parte apresentar seu reclamo, interpondo recurso contra a sentença..." (5).
Não voltemos, entretanto, ao tempo de Justiniano, onde era absoluta a proibição de apelar contra as decisões interlocutórias. Muito remotamente, seria admissível o agravo apenas para evitar dano irreparável à parte e em caráter excepcional, como na decisão posterior que nega seguimento à apelação, pois eventuais prejuízos em razão de decisões interlocutórias, não havendo o perigo da preclusão, poderão ser, como dito, apresentados na forma de preliminares de recurso. Ilustrativamente, julgado citado por J.S. FAGUNDES CUNHA (ob. cit., p. 143):
Recurso contra decisão interlocutória. Só admissível para evitar evidente dano irreparável. É reclamação não prevista na Lei n° 7.244/84, mas indispensável para salvaguarda do direito da parte, em hipóteses restritas, cujo recebimento deve ser apreciado pela câmara recursal. Decisão: conheceram do recurso. Unanimidade. (Ag. de Instr. n° 01.190.732.352 - 3ª Turma Recursal do Juizado Especial de Pequenas Causas - Rel. Dr. Antônio Guilherme Tanger Jardim - j. 30.04.91 - TJRS, fasc. 2, p. 26)
De tudo ainda podemos tirar uma nova conclusão. O princípio da irrecorribilidade, o não cabimento do agravo e a ausência de outras garantias processuais, sustentam a corrente que afirma ser a observância da Lei n° 9.099/95 opção do autor. Este já sabe de imediato que, ao adentrar no juizado, estará abrindo mão de certas garantias que costuma ter no procedimento comum. Sabe que a informalidade e a oralidade, muitas vezes, acabam por prejudicar o due process of law. Sabe também que, necessitando de prova pericial, corre o risco de vê-la indeferida ou mesmo de ter que produzi-la imediatamente, mediante a apresentação de parecer técnico. E, por último, tema desta pesquisa, sabe que o recurso de agravo, provavelmente, não lhe será admitido.
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(*) Publicado em Tribuna do Direito, edição junho' 1997, p. 30
(1) FUX, Luiz; BATISTA, Weber Martins. Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal.
Editora Forense, 1ª edição, 1996. (2) NERY
JUNIOR, NELSON. Teoria Geral dos Recursos - Princípios Fundamentais.
Editora RT, 3ª edição, 1996. (3) CARNEIRO,
Athos Gusmão. O Novo Recurso de Agravo. Editora Forense,
2ª edição, 1997. (4) DINAMARCO, Cândido
Rangel. Manual das Pequenas Causas. Editora RT, 1986, n° 90.
(5) FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei de
Pequenas Causas. Livraria de Direito, 1995. (6) CUNHA, J.S.
Fagundes. Recursos e Impugnações nos Juizados Especiais
Cíveis. Juruá Editora, 1996.