INTIMAÇÃO PESSOAL DAS DECISÕES
Prerrogativa Irrenunciável do Ministério Público
(art. 41, IV, da Lei nº 8.625/93)
João Gaspar Rodrigues
promotor de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de
Boa Vista (RR)
- Até bem pouco tempo atrás o entendimento a
respeito da intimação do órgão do Ministério
Público se bifurcava em dois rumos: 1- o prazo
para recurso começava a fluir a partir da data
de remessa dos autos ao MP, sem qualquer
comprovação de efetivo conhecimento da decisão
pelo órgão ministerial; 2- o prazo só começa
a fluir a partir da inequívoca ciência por
parte do Ministério Público, através do
"ciente" datado e assinado pelo
respectivo órgão.
- É necessário bem delinear o problema para
melhor equacioná-lo. Assim, deve-se perscrutar a
intimação pessoal e a forma de efetivá-la,
como prerrogativa do Ministério Público, no
sentido de direito excepcional, que exorbita do
regime comum, conferido no interesse público e
não como privilégio que é concedido a alguém,
no seu próprio interesse.
- Basileu Garcia esclarece que "tomando
conhecimento da sentença, o órgão do
Ministério Público deve apor-lhe o seu
ciente, datado e assinado"
("Comentários ao Código de Processo
Penal", Rio de Janeiro, Forense, 1945, V.
III, p. 557).
- Por sua vez, leciona Eduardo Espínola Filho que
"ao Ministério Público, o escrivão
levará os autos pessoalmente, obtendo dele o
ciente, datado e assinado, o que
serve para assinalar o termo inicial do prazo de
recurso" ("Código de Processo Penal
Brasileiro Anotado", Rio de Janeiro, Borsoi,
1955, V. IV, p. 180).
- Ainda tratando do assunto, anota José Roberto
Baraúna que "a intimação do órgão do
Ministério Público é sempre feita
pessoalmente. Compreende-se que seja assim,
porque se trata de órgão de presença
obrigatória nos juízos criminais. O art. 390 do
CPP estabelece que o escrivão, dentro de três
dias após a publicação, dará conhecimento da
sentença ao órgão do Ministério Público. Da
data dessa intimação começarão a contar os
prazos para interposição de recursos (art. 800,
§2º)" ("Lições de Processo
Penal", São Paulo, Bushatsky, p. 188).
- Em outras palavras, isto significa que, para a
própria segurança do escrivão (livrar-se de
possível falta disciplinar, por negligência no
cumprimento do dever), faz-se necessária a
coleta da nota de "ciente" do Promotor
de Justiça, ficando patenteada sua intimação
pessoal.
- A certidão genérica, onde não conste o motivo
de eventual recusa do Promotor de Justiça de ser
intimado de decisão, é, desse modo,
insuficiente para que se considerem preenchidos
os requisitos para a perfeição do ato
intimatório.
- Vê-se, portanto, que o entendimento predominante
está jungido ao II item, ou seja, a intimação
do Ministério Público há de ser feita à
pessoa de seu órgão, e o prazo para o
respectivo recurso ou manifestação é de se
contar da data em que lança o "ciente"
do julgado.
- Não é a toa, que a Lei nº 5.869, de 11.01.73
(Código de Processo Civil), em seu art. 236,
§2º, já dispunha que:
- "A intimação do Ministério Público,
em qualquer caso, será feita pessoalmente".
- Na trilha da norma processual civil e visando
melhor esclarecer a prerrogativa ministerial, foi
que o legislador dispôs na Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei nº
8.625/93) que:
- "Art. 41 - Constituem prerrogativas dos
membros do Ministério Público, no exercício de
sua função, além de outras previstas na Lei
Orgânica:
- IV - receber intimação pessoal em qualquer
processo e grau de jurisdição, através da
entrega dos autos com vista".
- O STF, analisando hipótese que se encaixa na
nossa análise, assim se manifestou:
- "No tocante ao primeiro fundamento, a
ausência do ciente pelo órgão do Ministério
Público, em 10.1.75, não faz presumir que ele
se negou a apô-lo, pois, se assim fosse, o
escrivão teria de certificar esse fato, o que
não ocorreu - no documento à fl. 28, só se
lê, no espaço em branco deixado pelo carimbo de
praxe: intimei as partes dos termos da
sentença de fl. e fl.. E tendo em vista a
punição a que se refere o art. 390 do CPP o
normal é o escrivão exigir a aposição do
ciente, ou certificar a negativa de sua
aposição. A simples afirmação de intimação
não é bastante para assinalar o termo inicial
do prazo de recurso" (RHC 53.663-ES, 2ª T.,
Rel. Min. Moreira Alves, em 29.8.75, v.u., RTJ
75/442).
- No mesmo sentido já decidiu o Egrégio Tribunal
de Justiça de São Paulo:
- "Não constando dos autos a ciência da
sentença, mediante cota assinalada pelo promotor
de justiça, não prevalece a certidão do
escrivão para a contagem do prazo recursal"
(RT 533/317).
- Dirimindo qualquer dúvida, assim vem deliberando
o Pretório Excelso:
- "O prazo para recurso do Ministério
Público começa a fluir da data em que referido
órgão teve ciência da decisão recorrida.
- Não se contesta que o escrivão possa
certificar, nos autos, a intimação do órgão
do Ministério Público, e que dela decorra o
prazo recursal. Porém, para tanto, é
necessário que o escrivão certifique a
intimação específica e nominal do órgão do
MP, e também, que este tenha se recusado a apor
o ciente. Caso contrário, não
prevalece a certidão genérica e inespecífica,
contra o ciente do Ministério
Público" (HC 59.684-3-SP, 2ª T., rel. Min.
Cordeiro Guerra, em 23.4.82, v.u., DJU de 4.6.82,
p. 5.460; cf. RDA 176/51).
- "Ministério Público. Intimação da
sentença. Em recentes julgados do E. Plenário
do STF, ficou entendido que a intimação do
Ministério Público deve ser pessoal, isto é,
há de ser feita à pessoa de seu representante,
e o prazo para o respectivo recurso é de se
contar da data em que lança o ciente
do julgado - e não daquela em que os autos são
remetidos pelo cartório ou secretaria do
Tribunal a uma repartição administrativa do
Ministério Público, encarregada apenas de
receber os autos, e não autorizada legalmente a
receber intimações em nome deste
(grifamos)" (STF, RE 111.550-5-SP - 1ª T.,
Rel. Min. Sydney Sanches, RDA 176/48).
- Como decorrência do disposto no CPC de que
"a intimação do Ministério Público, em
qualquer caso, será feita pessoalmente",
surgiu questão interessante a cerca da
intimação do Ministério Público quando agisse
na defesa da Fazenda Pública. Continuaria sendo
pessoal ou seria por meio de publicação em
órgão oficial, como as demais?
- Hélio Tornaghi, abordando a questão, assinalou:
- "Qualquer que seja a posição do
Ministério Público no processo, parte (art. 81)
ou interveniente (art. 82), deve ele ser citado
pessoalmente. Regra de prudência que evita aos
órgãos do Ministério Público o dispêndio de
tempo para a leitura de órgãos oficiais. O
advogado, por mais atarefado que seja, funciona
em número reduzido de causas e, por outro lado,
pode ter auxiliar com a função de ler
diariamente o órgão oficial para alertá-lo. Os
membros do Ministério Público não dispõem de
secretários ou assessores com essas
atribuições" ("Comentários ao
Código de Processo Civil", Ed. RT, Vol. II,
p. 204).
- À mesma conclusão chegou Pontes de Miranda,
verbis:
- "Os órgãos do Ministério Público
não são partes, de modo que têm de ser
intimados pessoalmente (2ª Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 27 de
novembro de 1945, RT 162/226).
- Pergunta-se: se o órgão do Ministério Público
atua como parte, tem-se de respeitar
o artigo 236, §2º?
- Sim, porque, aí, não se faz qualquer
distinção, entre a atividade fiscal ou de
assistência e a de parte. A lei foi clara:
em qualquer caso "
("Comentários ao Código de Processo
Civil", Tomo III, p. 301).
- O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de
se pronunciar a respeito da matéria, e decidiu
que quando o Ministério Público atue em defesa
de interesse da Fazenda Pública, como advogado,
a intimação deixa de ser pessoal e passa a ser
através do órgão oficial. Vejamos a ementa do
acórdão:
- "MINISTÉRIO PÚBLICO - INTIMAÇÃO
PESSOAL - EXIGÊNCIA LEGAL - INTELIGÊNCIA DA
NORMA - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 236,
§2º.
- Intimação. Dispõe o §2º do art. 236 do
Cód. De Proc. Civil: A intimação do
Ministério Público, em qualquer caso, será
feita pessoalmente. A regra assegura a
intimação pessoal única e exclusivamente ao
representante do Ministério Público quando atua
apenas como Ministério Público, em nome de um
interesse geral, e não quando defende a Fazenda
Pública, figurando como parte. Aí a sua
intimação se faz por meio de publicação no
órgão oficial. Recurso extraordinário não
conhecido" (RE n. 93.268/2, Rel. Min. Djaci
Falcão, j. 5/12/1980, in: Jurisprudência
Brasileira, Vol. 52, p. 106).
- No mesmo sentido, Recurso Extraordinário n.
91.728, relatado pelo Min. Leitão de Abreu, em
acórdão com a seguinte ementa:
- "Ação de Usucapião. Intervenção da
União. Questão não examinada pelo acórdão
local. Aplicação do princípio da Súmula 282.
2- Intimação do Ministério Público. Como
representante dos interesses da União em juízo,
aplica-se o caput do art. 236, não o §2º, do
CPC. 3- Recurso extraordinário não conhecido
(grifamos)" (in: Jurisp. Brasileira, Vol.
52, p. 109).
- Na mesma trilha: TFR, 4ª T., AC n. 47.160, Rel.
Min. Carlos Mário Velloso, j. 24/11/1980, JB
52/121.
- De fato, interpretar literalmente a norma do art.
236, §2º sem ver o aspecto teleológico, é,
sem dúvida, tratar desigualmente as partes, o
que violaria o princípio isonômico que a
Constituição Federal consagra e que o Código
de Processo Civil, art. 125, I, ordena que o juiz
pratique.
- Atualmente, a matéria encontra-se superada,
visto que, pela Constituição Federal, art. 127,
o Ministério Público só atua na defesa
"da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis". E pelo art. 129, inc. IX,
da CF, foi-lhe "vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas". Assim, já não funciona como
advogado da Fazenda Pública, sendo-lhe vedada a
defesa de interesses que não sejam os de
caráter geral, conforme expresso na Carta Magna.
- Por fim, é bom que se diga, que a intimação
pessoal com a entrega dos autos com vista
constitui prerrogativa processual do Ministério
Público (art. 41, inc. IV, da LONMP) e como tal,
inerente ao exercício de suas funções e
irrenunciável, sendo dever do membro velar pela
sua observância, sob pena, inclusive, de
cominação disciplinar.
E-mail do autor: gaspar@technet.com.br
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