(JSTJ e TRF - Volume 85 - Página 244)
"HABEAS CORPUS" N. 3.355-8 - RJ (95.0014505-7)
Sexta Turma (DJ, 06.05.1996)
Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel
Impetrante: George Tavares
Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: Jorge Raymundo Martins
EMENTA: - PROCESSUAL PENAL. RÉU COM BENS INDISPONÍVEIS. INDULTO NATALINO.
I - Inteligência da expressão "condenado definitivamente" do inciso I do art. 8º do Decreto n. 1.242/94. Possibilidade de o paciente ser indultado e ressarcir a vítima (Previdência Social) após o trânsito em julgado da sentença condenatória. O indulto não tem o condão de limpar os efeitos civis da condenação. Apenas extingue a punibilidade.
II - Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas.
Decide a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, conceder a ordem de "habeas corpus", em face de empate, prevalecendo a decisão mais favorável ao paciente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votou de acordo o Sr. Ministro Vicente Leal. Votaram contra os Srs. Ministros Anselmo Santiago e Luiz Vicente Cernicchiaro.
Custas, como de lei.
Brasília, 5 de dezembro de 1995 (data do julgamento).
Ministro ADHEMAR MACIEL, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL: - O advogado George Tavares impetrou a presente ordem de "habeas corpus" em favor de Jorge Raymundo Martins. Aponta como autoridade coatora o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
2. O paciente foi condenado, no chamado "processo das fraudes contra o INSS", à pena de 4 anos de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 100 dias-multa, 3 salários mínimos cada, por infração do art. 312 do Código Penal. Por ser advogado, encontra-se recolhido em prisão especial.
3. Alega o impetrante já ter o paciente cumprido mais de um terço da pena privativa de liberdade que lhe foi imposta. Isso, nos termos do Decreto Federal n. 1.242/94, atenderia ao pressuposto objetivo para o indulto presidencial. Aduz, ainda, que não tendo sido o paciente definitivamente condenado, pois se encontram pendentes de julgamento recurso especial e extraordinário, não estaria obrigado ao ressarcimento do dano causado pelo crime.
4. Às fls. 383/386 estão as informações. Assevera a ilustre autoridade coatora Desembargador GAMA MALCHER que:
"O indulto é um "plus" em relação ao livramento condicional. Este está sujeito às condições predeterminadas. Aquele extingue a punibilidade. A simples leitura do art. 83, e seus incisos, e art. 107, inciso II, do Código Penal, deixam claro tal situação.
Assim, se para obtenção do livramento condicional, que também pode ser concedido em execução provisória, quando ocorre trânsito em julgado para a acusação, se exige reparação do dano causado (art. 83, IV do CP); com muito mais razão se faz necessária a satisfação do mencionado requisito para a concessão do indulto, que como se demonstrou tem efeitos mais amplos".
5. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Dr. WÁGNER NATAL BATISTA, opina pelo indeferimento do "writ". É imprescindível, para a concessão do indulto, que o condenado solvente haja reparado o dano causado pelo crime.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL (Relator): - Como acabamos de ouvir do relatório, o paciente foi condenado a 4 anos de reclusão e a 100 dias-multa por peculato. Recorreu de extraordinário e especial. Cumpriu bem mais da metade da pena privativa de liberdade imposta. Teve seus bens indisponíveis. Com base no Decreto n. 953/93, pediu a concessão do indulto natalino. Houve parecer favorável do Conselho Penitenciário, que recomendou que se aplicasse o disposto no art. 192 da LEP. O impetrado, num primeiro pedido, negou-lhe o benefício, ao argumento de que o paciente não havia reparado o dano "ex delicto" (Decreto n. 953/93, art. 7º, I). Essa decisão foi mantida pelo STJ, tendo como Relator o eminente Ministro VICENTE CERNICCHIARO. Na verdade, o art. 7º, I, do Decreto n. 953/93 impedia a concessão de indulto aos "condenados que, embora solventes, tenham deixado de reparar o dano causado pelo delito". Não ressalvou, porém, a hipótese em que o beneficiário não fosse um condenado em definitivo. Outra, porém, é a situação jurídica contemplada pelo Decreto n. 1.242/94, ora em foco, pois no inciso I do art. 8º ele fala em "condenado definitivamente".
O eminente Presidente do TJRJ, em suas informações, ponderou:
"Porém, o cerne da controvérsia não é, "data venia", este. O art. 8º, inciso I, do Decreto de Indulto exclui "o CONDENADO DEFINITIVAMENTE que, embora solvente, tenha deixado de reparar o dano causado pelo crime".
Sr. Presidente, não obstante as considerações de ordem doutrinária do eminente Presidente do TJRJ, Desembargador GAMA MALCHER, sempre valiosas, penso que o recorrente não deixa de ter razão. O Decreto n. 1.242/94 tem redação diferente em relação ao Decreto n. 953/93. Esse último, vale dizer, o Decreto Natalino de 1993, dispunha em seu art. 7º:
"Este decreto não beneficia:
I - os condenados que, embora solventes, tenham deixado de reparar o dano causado pelo delito". Já o indulto natalino do ano passado, como se verá mais abaixo, fala em "condenado definitivamente".
O "indulto" - tal como o "livramento condicional" - tem por escopo devolver, antes da hora e sob determinadas condições, o condenado à comunidade da qual ele foi segregado por ofensa a bens ou interesses penalmente tutelados. Mas, ambos os institutos têm conotações diferentes e não permitem comparações ainda que com altos propósitos exegéticos. Nem sempre o "indulto", que extingue a punibilidade, é um "plus" em relação ao livramento condicional, que apenas difere o cumprimento da pena. Por exemplo, a própria Constituição Federal (art. 5º, inciso XLIII) proíbe que se indultem os condenados por tráfico de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos. Tais apenados, todavia, podem-se prevalecer, embora sob condições mais severas, do livramento condicional.
No caso concreto, o paciente, que por força de medida cautelar está com seus bens patrimoniais indisponíveis, teve seu pedido de indulto negado sob o fundamento de que terá, primeiro, que reparar o dano.
O Decreto n. 1.242/94 dispõe:
"Art. 8º Este Decreto não beneficia:
I - o condenado definitivamente que, embora solvente, tenha deixado de reparar o dano causado pelo crime;
II - o condenado pelos seguintes crimes, tentados ou consumados, ainda que em cumprimento da pena unificada, observado o disposto no art. 4º deste Decreto:
a) homicídio doloso qualificado, mediante paga ou promessa de recompensa, em conformidade com o art. 121, § 2º, inciso I, primeira parte, do Código Penal;
b) tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, quando reconhecido na sentença a condição de traficante;
c) considerados hediondos, ainda que cometidos anteriormente à Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990;
d) relacionados com a prática de tortura;
e) relacionados com a prática de terrorismo".
Ora, Sr. Presidente, o "condenado definitivamente" do inciso I, "supra", é aquele que teve sua sentença transformada em caso julgado. Em outras palavras, é aquele que não mais tem como recorrer da condenação. No caso dos autos, como já se disse, pendem recursos especial e extraordinário. A sentença transitou em julgado só para a acusação. Assim, não se pode falar em "condenado definitivo". O paciente, embora esteja cumprindo pena, é um preso provisório. E o benefício natalino é estendido ao preso provisório, pois o art. 3º dispõe expressamente:
"O disposto nos arts. 1º e 2º é aplicável ainda que da sentença condenatória tenha sido interposto recurso pela defesa, sem prejuízo do julgamento da instância superior".
Esse dispositivo consagra picada aberta pela doutrina e pela jurisprudência. A propósito, leciona Mirabete:
"Como o indulto pressupõe penas impostas, discute-se se é possível a sua incidência nos casos de sentenças recorríveis. A melhor solução é a de que estará indultado o sentenciado quando a decisão tiver transitado em julgado para a acusação, hipótese em que não é possível o aumento da pena e a conseqüente exclusão dessa causa de extinção da punibilidade. Na jurisprudência tem-se admitido o indulto mesmo que o réu tenha recorrido da decisão condenatória, não impedindo ele o conhecimento da apelação" ("Manual de Direito Penal", Atlas, 7ª ed., I/367).
Sr. Presidente, creio que o próprio art. 3º, mais acima transcrito, reforça a tese do impetrante de que ele não foi pego pela malha das exceções do decreto presidencial: sua condenação não se tornou, ainda, definitiva, isto é, irrecorrível. Logo, faz jus ao benefício, mesmo sem reparar o dano. Tal interpretação, por outro lado, se harmoniza com o art. 143 do CPP, que diz que "passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou seqüestro remetidos ao Juiz do cível (art. 63)".
Com tais considerações, concedo a ordem.
Ao voto "supra", proferido quando o Exmo. Sr. Ministro CERNICCHIARO era o Presidente da Turma, quero acrescentar mais doutrina sobre o indulto.
Antônio José Miguel Feu Rosa, em "Direito Penal", RT, p. 548, diz:
"Ao contrário da anistia, o indulto não restabelece a primariedade. Para sua concessão "não se exige o trânsito em julgado da sentença condenatória. A obtenção deste benefício não impede o conhecimento da apelação", na forma de decisão do Supremo ao julgar o Recurso de "Habeas Corpus" n. 508.771, do qual foi Relator o Ministro BILAC PINTO".
Outro não é o magistério de Paulo José da Costa Jr. ("Comentários ao Código Penal", Saraiva, 3ª ed., p. 485):
"A anistia opera "ex tunc" rumo ao passado, extinguindo o crime. Cessam todos os efeitos penais. O delinqüente retorna à primariedade. Subsistem apenas os efeitos civis do delito, que ensejam sempre o ressarcimento do dano, já que a medida não poderá abranger direitos estranhos ao Estado".
Heleno Cláudio Fragoso:
"Ao passo que a anistia extingue o próprio crime, fazendo-o desaparecer, a graça e o indulto extinguem apenas a punibilidade. Subsistem, assim, os efeitos penais da condenação não atingidos pela extinção penal.
................................
"Deve o indulto ser concedido a condenações definitivas. Não se exclui, no entanto, que venha beneficiar quem ainda não foi definitivamente condenado. Os Tribunais têm entendido que nesses casos o indulto não prejudica o julgamento da apelação" ("Lições de Direito Penal", Forense, 1991, 13ª ed., p. 402 e seg.).
Com essas considerações, pedindo vênia ao Exmo. Sr. Ministro CERNICCHIARO, concedo a ordem. Embora seja o óbvio, ressalto que o paciente continua adstrito a indenizar a vítima, mesmo indultado.
É como voto.
EXTRATO DA MINUTA
HC n. 3.355-8 - RJ - (95.0014505-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel. Impetrante: George Tavares. Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Paciente: Jorge Raymundo Martins (réu preso). Sustentação oral: Sustentaram, oralmente, a Dra. Katia Tavares, pelo paciente e o Dr. Wágner Natal Batista, Subprocurador-Geral da República.
Decisão: Após o voto do Exmo. Sr. Ministro Relator concedendo a ordem de "habeas corpus", pediu vista o Exmo. Sr. Ministro Anselmo Santiago. Aguardam os Exmos. Srs. Ministros Vicente Leal e Luiz Vicente Cernicchiaro.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: - Trata-se de "habeas corpus" requerido em favor de Jorge Raymundo Martins, condenado à pena privativa de liberdade de 4 anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 312 do Código Penal. Impugna o impetrante ato do eminente Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro indeferitório de indulto ao paciente, que, embora solvente, deixara de reparar o dano causado pelo crime.
O eminente Relator, Ministro ADHEMAR MACIEL, defere a ordem à fundamentação, em resumido, de que não se tratando de condenado definitivamente, eis que pende de recurso o decreto condenatório, ilegítima se revela a exigência.
O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. WÁGNER NATAL BATISTA, lembra, em seu parecer, anterior impetração, em prol do mesmo paciente, perante esta Corte, com base no Decreto n. 953/93, cujo pedido foi denegado, merecendo o "decisum" confirmação do Colendo Supremo Tribunal Federal. Destaco do pronunciamento do douto órgão do Ministério Público Federal as passagens seguintes (fls. 389/393):
"O impetrante já havia deduzido pedido idêntico à concessão de indulto, com base no Decreto n. 953/93, elencando as mesmas razões ora em testilha como aptas a ensejarem a concessão da ordem. O pedido foi, tanto em sede de pedido originário perante o STJ, como em grau de recurso ordinário perante o STF, denegado.
Diz que, agora, com o advento do Decreto n. 1.242/94, a hermenêutica do artigo que trata das hipóteses de exclusão da benesse para os condenados que não repararam o dano, estaria modificado, com a inclusão em seu texto do termo "definitivamente". Assim, apenas os condenados por sentença transitada em julgado que não repararam o dano causado pelo crime estariam excluídos da concessão do indulto. Por conseqüência, aquele condenado que tivesse algum recurso pendente de julgamento não estaria desde logo obrigado a proceder à reparação, fazendo, por conseqüência, jus à concessão do benefício.
Cremos não ser esta a interpretação mais concernente com o escopo do dispositivo.
Se, por um lado, é certo que o recorrente ainda não é obrigado a reparar o dano, porquanto não há condenação em decisão irrecorrível, por outro, se almeja a concessão do benefício, deve satisfazer os pressupostos legais. Fica ao seu talante, optar pela solução mais conveniente: reparar o dano e obter o indulto ou aguardar pela absolvição na qual tanto confia.
Neste sentido, entendemos que as decisões tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal sobrevivem à singela modificação do texto legal.
Em voto bastante elucidativo, assim se manifestou o Ministro ILMAR GALVÃO, ao apreciar o recurso do paciente ("Habeas Corpus" n. 71.400/RJ, Ementário 1.760-3, DJU 30.09.94):
"A pretensão do recorrente, no sentido de afastar a incidência do requisito do ressarcimento do dano sob a alegação de que sua exigência depende do trânsito em julgado da decisão condenatória, pressupõe uma coercitividade que a disciplina do indulto, nas espécies condicionadas, não comporta.
O indulto, antes de ser um direito público subjetivo do acusado, é uma faculdade que, em nosso regime republicano, sempre foi conferida ao Presidente da República, (...) que por isso mesmo, detém o Juízo da conveniência e da oportunidade em concedê-lo, fixando os seus requisitos.
O condicionamento do indulto é prática que fez escola entre nós, como ressalta Aloysio de Carvalho Filho ("Comentários ao Código Penal", vol. IV/186-89, Forense, 1958) e da qual resulta logicamente, a impossibilidade de o acusado vir a ser beneficiado com a medida, caso não possa ou não aceite cumprir os requisitos estabelecidos. O cumprimento do requisito constitui, assim, uma opção do acusado, que tem o direito de não agravar sua situação ou a expectativa que conserva diante de um desfecho favorável e iminente quanto ao processo. (...).
Na espécie, evidente que o descumprimento do requisito objetivo visa a preservar o patrimônio do recorrente, o que não deixa de ser pretensão compreensível, à qual, no entanto, correspondem efeitos jurídicos.
Se é certo que o ressarcimento do dano constitui um dos efeitos naturais da condenação transitada em julgado (art. 91, I, do CP), não é menos certo que a composição dos prejuízos causados pelo delito, mesmo antes do seu julgamento definitivo, é estimulada em nosso sistema penal.
É o que ocorre nos casos de arrependimento posterior, onde a reparação do dano antes do recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, importa diminuição da pena numa eventual condenação (art. 16). Ou, ainda, para efeito de incidência da atenuante a que se refere o art. 165, III, c, do Código Penal.
Mas, de maior interesse para a solução deste caso é o que ocorre no crime de peculato culposo, onde se condiciona, tal como no indulto ora examinado, a extinção da punibilidade ao ressarcimento do dano antes da superveniência da sentença irrecorrível (art. 312, § 2º, do CP).
Na redação anterior da Parte Geral do Código Penal, do art. 108, IX, era expresso em estabelecer o ressarcimento do dano como uma das causas especiais de extinção da punibilidade, efeito este mantido em nossa atual legislação apenas por força do dispositivo da Parte Especial.
Na legislação do início do século, o benefício tinha maior extensão, prevendo que, mesmo no crime de peculato doloso, o ressarcimento integral e anterior ao julgamento isentava da aplicação da pena corporal e da multa, sem prejuízo da perda do emprego público com inabilitação temporária para o exercício de outra função pública. E, no que se refere ao peculato culposo, a reparação do dano afastava a incidência das penas previstas (Lei n. 2.110, de 30.09.09). Com o Decreto n. 4.780, de 27.12.23, a reparação passou a produzir efeito apenas em relação ao peculato culposo, em orientação que persiste até nossos dias.
Em todas estas hipóteses, não se cogita da reparação do dano como uma obrigação imposta por força de uma condenação recorrível ou não, mas apenas de um requisito para o gozo de um benefício ou vantagem que, no caso do indulto, é posta à disposição da parte no sentido de que, estando resguardada a situação dos que sejam insolventes (art. 7º, I), os demais, a seu Juízo, podem, por conveniência, recusá-lo simplesmente deixando de cumprir as condições fixadas para o seu gozo.
Se, como acima se pretendeu demonstrar, a fixação da reparação não destoa de nosso sistema, sendo prevista em várias situações que prescindem do trânsito em julgado da condenação, o que resulta é que o afastamento deste requisito objetivo não pode ser acolhido, pois importaria alterar a manifestação de vontade da autoridade constitucionalmente competente (art. 84, XII), que, exercendo uma faculdade, deduziu sobre que bases seria conveniente e oportuna a "clementia principis".
Não me antecipo a afirmar que a formulação deste Juízo seja absolutamente infenso ao controle jurisdicional, mas apenas que, na espécie, não verifico sinal de ilegitimidade na fixação e de tal requisito para a concessão do indulto".
Também bastante oportuna foi a observação do Exmo. Sr. Ministro VICENTE CERNICCHIARO, ao julgar o pedido originário, quando se buscava a concessão da ordem com base no Decreto n. 953/93 ("Habeas Corpus" n. 2.380-3/RJ):
"Certo, até agora não há o "status" de condenado. Não se promove a execução forçada.
De outro lado, a recusa do Paciente é fato impeditivo da concessão do indulto. Aliás, ele se coloca em posição muito cômoda: reclama todos os benefícios, mas se recusa a suprir o ônus. Não se pode, no contexto atual, obrigá-lo a reparar os danos (certa ou erradamente) narrados no v. acórdão condenatório. A omissão, em contrapartida, retira subsídio indispensável para a concessão da ordem".
A tese exposta, da imposição da reparação do dano "ex delicto" como condição indispensável à concessão do indulto antes do trânsito em julgado da condenação, é refutada pelo preclaro Relator, forte na normatividade do art. 3º do Decreto n. 1.242/94, que permite a concessão do benefício natalino, ainda quando da sentença condenatória tenha sido interposto recurso pela defesa, sem prejuízo do julgamento da instância superior. Conclui S. Excelência, a partir desse enunciado legal, que, se a condenação do paciente não se tornou definitiva, isto é, irrecorrível, faz ele jus à "indulgentia principis generalis", mesmo sem reparar o dano.
Certo, o decreto presidencial, assimilando o magistério da doutrina e da jurisprudência, admitiu a concessão do indulto na pendência de recurso do réu. O conteúdo material da norma pertinente, apenas - e tão-só - assegura ao condenado o direito de ver julgado o seu recurso, independentemente da aceitação do indulto, pelo evidente interesse moral que tem o recorrente em se ver absolvido.
Foi por esta razão que decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal no RECrim n. 87.819/RJ, Relator Ministro MOREIRA ALVES, que redigiu para o acórdão respectivo a seguinte ementa (RTJ 85/1.038), "verbis":
"INDULTO. APELAÇÃO QUE VISA À ABSOLVIÇÃO DO INDULTADO.
I - A concessão do indulto não torna prejudicada a apelação que visa à absolvição do réu que vem a ser indultado, uma vez que permanece seu interesse no julgamento dela.
II - Recurso extraordinário conhecido e provido".
Em outra assentada, dando interpretação a dispositivo virtualmente igual ao aqui invocado (art. 3º), a que corresponde também o art. 3º do Decreto n. 953/93, proclamou aquela Egrégia Suprema Corte:
"A concessão do indulto não prejudica o julgamento da apelação do réu. Entendimento, explicitado no art. 3º do Decreto n. 78.800/76 (Recurso Criminal n. 90.080-2/RJ, Relator Ministro DÉCIO MIRANDA, RT 538/464).
Essa orientação, subjacente de norma legal de tudo em tudo semelhante à do Decreto n. 1.242/94, com o respeito que merece as doutas opiniões em contrário, não autoriza concluir-se pela dispensabilidade da satisfação, por parte do condenado, dos requisitos impostos pelo ato decretual específico para a obtenção do indulto, entre os quais figura a reparação pecuniária do dano causado pelo crime.
Nessa perspectiva, penso que os ilustrados votos proferidos no "habeas corpus" anterior, pelos eminentes Ministros LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (neste Tribunal) e ILMAR GALVÃO (no Supremo Tribunal), transcritos no parecer da Subprocuradoria-Geral da República, bem equacionaram a questão e lhe deram adequada solução.
Dessa sorte, "data venia" do eminente Relator, a quem muito estimo e respeito a autoridade intelectual, denego a ordem de "habeas corpus".
É como voto.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: - Sr. Presidente, o decreto que concedeu o indulto, parece que de 1992, estabelece que, havendo o trânsito em julgado, deverá ser efetuado o ressarcimento de danos. Esse dispositivo há de ser interpretado lógico, sistematicamente. Não pode ser analisado fria, isolado do sentido, principalmente quanto à natureza jurídica do indulto.
Hoje, a jurisprudência dos Tribunais, parece-me corretamente, ocorrendo extinção da punibilidade, cessa o interesse de agir do Ministério Público ou do querelante e, por isso, se extingue o processo. Se não levarmos este pormenor em conta, chegar-se-ia, "data venia", ao seguinte absurdo, no sentido jurídico do termo, isto é, contemplar situação não pensada pela norma jurídica. Quando se fala, havendo trânsito em julgado, ficará obrigado, está a evidenciar que se impõe compulsório, desde que verificada a existência da infração penal. O eventual beneficiário, o anistiado, já ostenta o "status" de condenado. Quando, entretanto, está sendo processado, e o princípio da presunção de inocência lhe garante toda a proteção de não sofrer a sanção penal, como julgado no caso anterior, fica a seu critério reparar ou não o bem. Se não for dada essa interpretação, chegar-se-ia ao seguinte ponto - aqui sim, seria um absurdo, repito no sentido jurídico do termo - seria beneficiado pela extinção da punibilidade e, conseqüentemente, o seqüestro existente perderia a sua causa, ser-lhe-iam restituídos os bens e não haveria nenhuma conseqüência jurídica. Então, a interpretação do eminente Ministro ANSELMO SANTIAGO parece-me escorreita, indiscutível. Quando está definitivamente condenado, só obterá o indulto se reparar o dano. No caso em que está sendo processado, se quiser reparar o dano, será beneficiado; caso contrário, seria uma situação totalmente anômala. Extingue-se o processo, e, conseqüentemente, a medida constritiva ao patrimônio do paciente. Em sendo assim, "data venia", do eminente Ministro Relator, acompanho o douto voto do Ministro ANSELMO SANTIAGO.
EXTRATO DA MINUTA
HC n. 3.355-8 - RJ - (95.0014505-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel. Impetrante: George Tavares. Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Paciente: Jorge Raymundo Martins (réu preso).
Decisão: Prosseguindo no julgamento votaram os Exmos. Srs. Ministros Anselmo Santiago e Luiz Vicente Cernicchiaro denegando a ordem de "habeas corpus" (em 05.09.95 - 6ª Turma).
Aguardar-se-á a presença do Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal para conclusão do julgamento.
Ausente, por motivo justificado, o Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro ADHEMAR MACIEL.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE LEAL: - Jorge Raymundo Martins, advogado, condenado à pena de 4 anos de reclusão, em regime fechado com prisão especial, e à pena pecuniária de 100 dias-multa, 3 salários mínimos cada, pela prática do crime de peculato, teve negado o pedido de indulto pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao fundamento de que o réu não teria ressarcido o dano, a teor do disposto no Decreto n. 953/93.
Por via de "writ", postula o apenado a concessão de indulto, ao argumento de preencher os requisitos inscritos no Decreto n. 1.242/94 vez que teria cumprido mais de um terço da pena imposta no "decisum" de primeiro grau. Sustenta que não estaria obrigado ao ressarcimento do dano causado pelo crime, em razão de estarem pendentes de julgamento os recursos especial e extraordinário, acentuando que, por isso, não haveria decisão definitiva, geradora do referido ressarcimento.
O Presidente do Tribunal "a quo" negou o benefício ao fundamento de que o réu não teria preenchido os requisitos inscritos no art. 7º, inciso I, do Decreto n. 953/93, seja, o ressarcimento do dano "ex delicto".
Nestes termos, a "quaestio juris" emoldurada no presente "habeas corpus" reside em saber se o benefício de indulto concedido em 1994 pode ser deferido no caso de réu que, embora solvente, não tenha efetuado o ressarcimento do dano "ex delicto", diante da ausência de trânsito em julgado da sentença para a defesa.
Sr. Presidente, Vossa Excelência é o Relator. No seu douto voto, após transcrever o art. 8º do Decreto n. 1.242/94, que preconiza não beneficiar o mesmo "o condenado definitivamente que, embora solvente, tenha deixado de reparar dano causado pelo crime", acentuou, "in litteris":
"Ora, Sr. Presidente, o "condenado definitivamente" do inciso I, "supra", é aquele que teve sua sentença transformada em caso julgado. Em outras palavras, é aquele que não mais tem como recorrer da condenação. No caso dos autos, como já se disse, pendem recursos especial e extraordinário. A sentença transitou em julgado só para a acusação. Assim, não se pode falar em "condenado definitivo". O paciente, embora esteja cumprindo pena, é um preso provisório. E o benefício natalino é estendido ao preso provisório, pois o art. 3º dispõe expressamente:
"O disposto nos arts. 1º e 2º é aplicável ainda que da sentença condenatória tenha sido interposto recurso pela defesa, sem prejuízo do julgamento da instância superior".
Esse dispositivo consagra picada aberta pela doutrina e pela jurisprudência. A propósito, leciona Mirabete:
"Como o indulto pressupõe penas impostas, discute-se se é possível a sua incidência nos casos de sentenças recorríveis. A melhor solução é a de que estará indultado o sentenciado quando a decisão tiver transitado em julgado para a acusação, hipótese em que não é possível o aumento da pena e a conseqüente exclusão dessa causa de extinção da punibilidade. Na jurisprudência tem-se admitido o indulto mesmo que o réu tenha recorrido da decisão condenatória, não impedindo ele o conhecimento da apelação" ("Manual de Direito Penal", Atlas, 7ª ed., I/367).
Sr. Presidente, creio que o próprio art. 3º, mais acima transcrito, reforça a tese do impetrante de que ele não foi pego pela malha das exceções do decreto presidencial: sua condenação não se tornou, ainda, definitiva, isto é, irrecorrível. Logo, faz jus ao benefício, mesmo sem reparar o dano. Tal interpretação, por outro lado, se harmoniza com o art. 143 do CPP, que diz que "passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou seqüestro remetidos ao Juiz do cível (art. 63)".
Tenho que a posição de V. Exa. não merece reparos.
À luz do texto do Decreto n. 1.242/94, é de se concluir que o mesmo se aplica ao caso "sub examen", a teor do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, insculpido na Carta Magna em seu art. 5º, inciso XL.
Em tal contexto, razão assiste ao ora impetrante.
De fato, o inciso I, do Decreto n. 1.242/94 somente considera motivo impeditivo da concessão de indulto que o réu tenha sido condenado por sentença com trânsito em julgado, o que não ocorre na hipótese vertente, de vez que está pendente de julgamento os recursos especial e extraordinário, não havendo, portanto, condenação definitiva.
Isto posto, acompanho o voto do Ministro Relator.
É o voto.
EXTRATO DA MINUTA
HC n. 3.355-8 - RJ - (95.0014505-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel. Impetrante: George Tavares. Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Paciente: Jorge Raymundo Martins (réu preso).
Decisão: Após o voto do Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal, acompanhando o Relator, o próprio Exmo. Sr. Ministro Relator, baseado em precedentes desta Turma, pediu vista dos autos para melhor reexaminar a tese contrária, uma vez que antes da proclamação do resultado, pode o Relator mudar ou não o seu ponto de vista (em 23.10.95 - 6ª Turma).
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro ADHEMAR MACIEL.
EXTRATO DA MINUTA
HC n. 3.355-8 - RJ - (95.0014505-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel. Impetrante: George Tavares. Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Paciente: Jorge Raymundo Martins (réu preso).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após os votos dos Exmos. Srs. Ministros Relator e Vicente Leal concedendo ordem de "habeas corpus" e os votos dos Exmos. Srs. Ministros Anselmo Santiago e Luiz Vicente Cernicchiaro denegando a ordem, em face do empate, prevalecera decisão mais favorável ao paciente. Assim, concedida a ordem de "habeas corpus" (em 05.12.95 - 6ª Turma).
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro ADHEMAR MACIEL.