Aplicação, ao processo do lançamento
tributário de ofício, de princípios
que regem o Processo Judicial
(*) Ênio Ávila Correia
1) Como é sabido, o crédito tributário das Fazendas Públicas (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) é constituído pelo procedimento administrativo denominado de lançamento tributário, principalmente na sua forma contenciosa, o lançamento tributário de ofício, ato exclusivo do Fisco, em face da inércia do contribuinte ou da insuficiência de pagamento daquilo que for devido.
2) Tal procedimento, sem a menor dúvida, é um processo administrativo fiscal sujeito aos princípios constitucionais, particularmente os do contraditório e da ampla defesa.
3) E o crédito tributário, constituído por esse procedimento, inscrito em dívida ativa do respectivo Poder Tributante, goza da presunção de liquidez e certeza, que só poderá ser ilidida, na fase judicial, na ação de embargos à execução e a cargo do contribuinte interessado.
4) Portanto, exatamente para que venha, efetivamente, a gozar de tal liquidez e certeza, o respectivo procedimento administrativo fiscal há de cercar-se da mais absoluta regularidade, com a fiel observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, esta exercida por todos os meios que lhe sejam inerentes, como consta da parte final do inciso LV, do artigo 5º.
5) Vejamos os dispositivos constitucionais citados:
"Art. 1º - A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:"
"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:" ..........."LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes:"
"Art. 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:" (Destaques, em negrito e/ou sublinhado, são do signatário).
6) Não obstante, tradicionalmente no Brasil, pode o contribuinte sob lançamento tributário de ofício, que se inicia por notificação ou por auto de infração, defender-se por escrito, em peças que, conforme a legislação de cada esfera de poder ou tributo, pode dominar-se "defesa", "impugnação", etc.
6.1) E essa peça, bem como as suas razões e/ou argumentos, podem ser subsidiados e comprovados por documentos diversos, inclusive declarações de terceiros etc. Mas, também tradicionalmente, no processo administrativo fiscal nunca se admitiu que o contribuinte se valesse de determinadas formas de prova, em direito civil admitidas, como a diligência e as provas testemunhal e pericial.
7) Mas agora, cerca de 8 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1.988, parece já pacificado o entendimento de que todos os princípios que regem o processo judicial civil, no que couber, são aplicáveis ao processo administrativo fiscal, por força do disposto na citada Constituição, pelo que, a nosso ver, a ele hão de ser aplicados, também, todos os meios de prova em direito admitidos, sem qualquer exceção.
8) Aliás, até mesmo a distinção que antes se fazia, de denominar o lançamento tributário de ofício de "procedimento" e não de "processo", expressão esta reservada para o processo judicial, já não mais existe, em face do disposto no transcrito inciso LV.
9) Por outro lado, se já se reconhece que ao processo de lançamento tributário de ofício aplicam-se todos os princípios que regem o processo judicial civil, entendemos que é de se lhe aplicar, também, o salutar princípio da sucumbência, evitando-se que o fisco, como muito freqüentemente ocorre hoje, inicie o lançamento "para ver no que dá", obrigando o contribuinte a gastar tempo e dinheiro com defesas e recursos administrativos, sem a previsão legal de nenhum ressarcimento em caso dos lançamentos tributários de ofício improcedentes.
10) Estamos certos de que essas medidas, ou seja, a da ampliação dos meios da prova, bem como a aplicação da sucumbência, aprimorariam, e muito, o processo do lançamento tributário de ofício, principalmente sob os seguintes aspectos: a) desestimularia os Fiscos de tentar lançamentos temerários, que, hoje, não trazem para a administração pública nenhuma conseqüência, além do custo do processo em si; b) por outro lado, desestimularia o contribuinte lançado de oferecer resistência meramente protelatória; c) daria muito maior robustez e confiabilidade à liquidez e certeza do crédito finalmente constituído; d) por tudo isso, certamente reduziria, e muito, a quantidade de ações executivas fiscais, bem como os respectivos embargos à execução.
11) E isso em termos de Brasil (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e com muito mais razão, no Estado de São Paulo, onde sua Constituição, em seu artigo 4º, reza: "Art. 4º - Nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados".
12) CONCLUSÃO: Nos termos dos dispositivos constitucionais transcritos, devem ser aplicados ao processo administrativo do lançamento tributário de ofício todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive o testemunhal, a diligência e o pericial, bem como o princípio da sucumbência.
(*) Ênio Ávila Correia - Advogado Tributarista em Ribeirão Preto (SP). É Agente Fiscal de Rendas, do Estado, aposentado na função de Inspetor Fiscal e foi Secretário Municipal da Fazenda, de Ribeirão Preto, no período de maio/83 a dezembro/88.