(JSTJ e TRF - Volume 79 - Página 258)
RECURSO ESPECIAL N. 58.519-8 - DF (94.0040904-4)
Primeira Turma (DJ, 17.04.1995)
Relator: Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha
Recorrentes: José Severino dos Santos e cônjuge
Recorrido: Distrito Federal
Advogados: Drs. Arturo Buzzi e outros e Francisco Agrício Camilo e outros
EMENTA: - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANO PATRIMONIAL. DANO MORAL.
I - Em família de poucos recursos, o dano patrimonial resultante da morte de um de seus membros é de ser presumido.
II - A satisfação de um dano moral deve ser paga de uma só vez, de imediato.
III - Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.
Custas, como de lei.
Brasília, 20 de março de 1995 (data do julgamento).
Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Presidente - Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA: - Os recorrentes promoveram ação sumaríssima de indenização contra o recorrido postulando ressarcimento por danos morais e patrimoniais por eles sofridos, em razão da morte de seu filho, de vinte e seis anos, solteiro, residente com os pais, Agente Policial da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, decorrente de acidente de veículo dirigido por preposto do recorrido.
A título de indenização por danos patrimoniais postularam o correspondente aos ganhos percebidos pela vítima, desde a data do acidente fatal e a vigorar enquanto os recorrentes estiverem com vida, observando-se as atualizações na proporção do aumento do salário mínimo.
Como ressarcimento por danos morais, requereram a importância de Cr$ 100.000.000,00 (cem milhões de cruzeiros), paga de uma só vez, além das verbas referentes a jazigo perpétuo, luto e funeral, juros, honorários e custas processuais.
A ação foi julgada, em primeira instância, parcialmente procedente, sendo indeferido o pedido no atinente aos danos patrimoniais, "por falta de amparo legal, já que por ocasião do falecimento do filho dos autores, estes perceberam a remuneração especial e também a pensão vitalícia" (fl. 221), do mesmo Distrito Federal, de quem a vítima, como Agente Policial, era servidor.
A postulação referente a danos morais foi acolhida no valor correspondente a 2/3 do Salário Mínimo, pelo período de 39 (trinta e nove) anos de sobrevida da vítima, correspondente a 468 meses, totalizando em pecúnia Cr$ 71.759.376.000,00.
Inconformadas, as partes apelaram.
Os autores pugnando pelo deferimento da indenização referente aos danos patrimoniais, "no correspondente aos ganhos percebidos pela vítima, observando-se as atualizações de acordo com os aumentos proporcionais da função de Agente de Polícia, não afastadas as prováveis promoções por antigüidade" (fls. 232/233), bem como pela elevação da verba arbitrada com danos morais, que deveria ser estipulada também pelo valor integral dos danos da vítima, além de a verba honorária ser elevada para 20% sobre o montante da indenização.
O Distrito Federal, em confuso petitório, apelou pedindo a reforma da decisão monocrática para afastar a sua responsabilidade pelo pagamento de qualquer indenização tendo em conta a inexistência de elementos comprobatórios da dependência dos autores referentemente à vítima, bem como sendo esta servidor do Distrito Federal já teria deixado pensão por morte e especial, no âmbito administrativo, solicitando, ademais, a sua redução "ao percentual mínimo" (fl. 240).
O Eg. Tribunal "a quo" deu parcial provimento ao recurso oficial e do Distrito Federal, apenas "para o fim de fixar a sucumbência em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a liquidação efetiva mais doze prestações vincendas" (fl. 311).
Já o apelo dos autores foi negado, tendo em conta, no que tange aos danos patrimoniais, não o fato de os autores já perceberem as pensões previdenciária e especial, pois que seriam acumuláveis com a indenização pretendida, mas porque os autores não comprovaram ser economicamente dependentes da vítima, o que se fazia indispensável pelo caráter alimentar da indenização por danos patrimoniais (fl. 306).
Os danos morais foram mantidos nos termos fixados pela sentença porque "o arbitramento foi módico o suficiente para evitar enriquecimento indevido" (fl. 310).
Inconformadas, cada parte agitou recurso especial. O do Distrito Federal teve o seu seguimento obstado na origem, e negado o agravo de instrumento agitado contra tal "decisum".
O dos autores foi admitido, sendo o que ora se aprecia, e teve fincas nas letras a e c do permissivo constitucional, por alegada ofensa aos seguintes preceitos legais:
a) arts. 128 e 517 do Código de Processo Civil (em face de a decisão hostilizada ter fundamentado a negação da indenização dos danos patrimoniais pela inexistência de comprovação da dependência econômica, o que não poderia ter ocorrido porque tal obstáculo não teria sido alegado pelo réu na contestação);
b) arts. 15, 159 e 1.537 do Código Civil, e 37, § 6º da Constituição Federal, uma vez que desnecessária seria a comprovação da dependência econômica cogitada para cabimento dos danos patrimoniais, além do que essa dependência econômica milita em favor dos autores, não tendo sido provada a sua inexistência.
Ademais, o r. aresto hostilizado teria divergido dos julgados que indica, a saber:
a) REsp n. 1.999/SP, Relator o Eminente Ministro ATHOS CARNEIRO, que fixara o entendimento segundo o qual "em família de poucos recursos, o dano resultante da morte de um de seus membros é de ser presumido, máxime se residente no lar paterno". No mesmo sentido o RE n. 84.319, Relator Eminente Ministro MOREIRA ALVES;
b) REsp n. 3.604/SP, Relator o Eminente Ministro ILMAR GALVÃO, segundo o qual "o Estado é responsável pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, devendo a indenização cobrir danos morais e materiais";
c) REsp n. 6.553/SP, Relator o Eminente Ministro ILMAR GALVÃO, em razão do qual "a indenização (satisfação de um dano moral) deve ser paga de uma só vez, de imediato".
Respondidos tempestivamente, os autos vieram-me conclusos em 7 de fevereiro de 1995, tendo sido o feito indicado para pauta no dia 2 do mês seguinte, dispensada a manifestação da douta Subprocuradoria-Geral da República.
É o relatório.
VOTO
EMENTA: - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANO PATRIMONIAL. DANO MORAL.
I - Em família de poucos recursos, o dano patrimonial resultante da morte de um de seus membros é de ser presumido.
II - A satisfação de um dano moral deve ser paga de uma só vez, de imediato.
III - Recurso parcialmente provido.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): - De logo observo que não tenho por divergente a decisão tomada no REsp n. 3.604/SP, Relator o Eminente Ministro ILMAR GALVÃO, segundo o qual "o Estado é responsável pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, devendo a indenização cobrir danos morais e materiais", eis que esta matéria já está superada nesta altura do feito, visto que o r. acórdão objurgado não nega essa assertiva. Só não condenou o réu também no pagamento dos danos patrimoniais visto não ter sido comprovada a dependência econômica.
Também não conheço do recurso pela alegada ofensa ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, pois a tanto não se presta a via do especial.
Mas dele conheço pelas motivações restantes trazidas pelos recorrentes.
Não tenho como afrontados os arts. 128 e 517 do Código de Processo Civil, eis que, sem apreciar por enquanto o seu mérito, a decisão hostilizada poderia ter fundamentado a negação da indenização dos danos patrimoniais na inexistência de comprovação da dependência econômica, visto que a matéria foi alegada pelo réu na contestação (fl. 107, 4º parágrafo) e na apelação (fl. 239).
Com relação ao dano moral, o que se cogita, nesta fase do processo, é única e exclusivamente se a indenização deve ser paga de uma só vez, de imediato, ou se em parcelas mensais, como consignou a decisão hostilizada.
Questão da mais tormentosa é a que se refere à fixação da reparação do dano moral, quando o bem a ser indenizado é a vida de um filho.
Não há, em verdade, modo de aferir-se aludida perda, pois nada será capaz de reconduzir o direito lesado ao "statu quo ante", não se encontrando estimação perfeitamente adequada que possa reparar o sentimento de pesar íntimo dos pais ofendidos.
Não se cuida, aqui, de reparar a mágoa de qualquer carpideira, mas de minorar a dor da saudade e da pena sentidas pelos pais ao arrumarem o quarto do filho que já morreu, como nos tristes versos de Chico Buarque.
Nem por causa dessa dificuldade, contudo, a indenização deve deixar de ser fixada, pois "não se trata de suprimir o passado, mas de melhorar o futuro", na colocação de Cunha Gonçalves.
Ademais, o efeito didático dela decorrente reclama a sua fixação, visto que - a lição é ainda de Cunha Gonçalves - "maior, mais clamorosa injustiça é negar aos lesados, com tão fútil pretexto, toda e qualquer reparação, estimulando com a impunidade novos prejuízos, novos acidentes, novas mortes".
Assim - arremata o mestre - "é mil vezes preferível uma solução imperfeita à permanência da injustiça não reparada".
Observo, contudo, que na reparação do dano moral não se tem em mira a prestação de alimentos, posto disso cuidar o dano patrimonial.
Com efeito, não se presta a tal indenização o critério adotado para o ressarcimento do dano patrimonial, por isso mesmo que "a indenização (satisfação de um dano moral) deve ser paga de uma só vez, de imediato", como bem consignado pelo Eminente Ministro ILMAR GALVÃO no REsp n. 6.553/SP.
Para esse efeito, dou provimento ao recurso, mantendo o valor fixado na sentença.
Analiso agora a questão referente ao dano patrimonial.
Não comungo do entendimento retratado no v. aresto guerreado segundo o qual seria necessária a comprovação de que os autores viviam sob dependência da vítima para que fizessem jus à indenização agora cogitada.
Ao revés, perfilho-me na mesma linha exposta pelo Eminente Ministro ATHOS CARNEIRO no REsp n. 1.999/SP, de que ressalto os seguintes trechos:
"Em hipótese semelhante - filho solteiro, que nem morava com os pais, e apenas ajudava nos estudos de um irmão, a Eg. 1ª Turma do Excelso Pretório (RE n. 72.679, RTJ 61/818, ac. de 13.12.71, Rel. o Eminente Ministro DJACI FALCÃO) decidiu pela concessão de indenização, sob a seguinte ementa: "O dano resultante da morte de uma pessoa ligada a outra por vínculo de sangue é presumido. Daí, o direito à indenização. RE provido". O voto do Eminente Relator reporta-se à anterior decisão, no RE 59.358 ("in" RTJ 42/219), onde fora salientado que a referência a "alimentos", no art. 1.537 do CC, servia apenas "como índice matemático para o cálculo da reparação, e não como fundamento jurídico da própria reparação". Afirma, após, que o dano se presume desde que haja a relação de parentesco: "um filho que perde o pai sofre dano, sem necessidade de discussão, sem necessidade de prova, e o pai que perde o filho sofre dano, sem necessidade de prova de que prestava alimentos". No voto do RE n. 72/679, o Relator ainda salienta, e este parece-me ser o "punctum dolens" da construção pretoriana, que "na verdade, nas famílias de poucos recursos, o dano resultante da morte de um de seus membros é de se presumir, não se fazendo mister exigência de prova pelos benefícios"" (fls. 335 e 337).
No mesmo diapasão é o ensinamento do Ministro AFRÂNIO ANTONIO DA COSTA, de que dá conta o RE n. 21.235, de onde recolho a seguinte passagem:
"Em nossa organização familiar, felizmente, ainda predomina o espírito de assistência mútua e permanente, fazendo que pais, filhos, irmãos e mesmo parentes em linha transversal prestem-se assistência. Esse interesse, esse amparo, traz a dependência econômica contínua, principalmente entre pais e filhos. Não é a posição de aparente folgança ou afastamento que traduz por si só a falta de dependência econômica. Quanto mais humildes as famílias, mais se acentua essa preocupação, que por entranhada nos moldes e costumes de nosso povo, não pode ser ignorada do legislador nem dos Juízes. A presunção é de que a indenização é sempre necessária, e a prova para destruí-la deve ser convincente" (fl. 374).
No caso, não cuidou o réu, como era de seu dever, de infirmar a colocação dos autores de que viviam sob a dependência do filho, do que é lícito inferir pela veracidade da afirmação dos recorrentes.
Destarte, tenho também por devida a obrigação do recorrido de indenizar os recorrentes pelos danos patrimoniais sofridos em face da morte de seu filho, e tendo em conta tudo quanto pode ser ponderado dos autos, também neste ponto dou provimento ao recurso para impor ao recorrido o dever de indenizar os recorrentes, meio-a-meio, no valor mensal correspondente a 1/3 (um terço) do que o recorrente perceberia se vivo estivesse, acrescido da parcela de 13º salário, perdurando dita obrigação enquanto vivos forem os recorrentes ou até a data em que a vítima completaria sessenta e cinco anos de idade, prevalecendo o termo que primeiro ocorrer, sendo certo que o falecimento de um dos recorrentes fará reverter ao supérstite a respectiva quota que o primeiro falecido percebia.
Anoto, ademais, que as parcelas atrasadas, bem como o valor correspondente a ressarcimento a danos morais, devem ser pagas de uma só vez, acrescidas de juros de mora e correção monetária, contados da data do evento, por se tratar de ato ilícito.
Com base nesses pressupostos, dou parcial provimento ao recurso.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: - Sr. Presidente, a questão, como o Eminente Ministro Relator realçou, no concernente aos danos morais, traz acesas discussões diante da dificuldade da fixação do "quantum". Todavia, tem sido superada pela jurisprudência. A dificuldade reside em encontrar a fundamentação objetiva para solucionar uma questão rigorosamente subjetiva: qual o preço da dor?
A doutrina ainda está debatendo os critérios mais razoáveis, delineando que a indenização por danos morais não constitui reparação, mas compensação. Com efeito, se a dor não tem preço, é muito difícil que seja reparada integralmente. Mas a compensação pela dor pode ser razoavelmente estabelecida, até como solução de eqüidade.
Outro ponto tormentoso - o da cumulatividade dos danos patrimoniais e morais - ficou resolvido pela nossa Súmula n. 37.
Acompanho, pois, o voto do Sr. Ministro Relator.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 58.519-8 - DF - (94.0040904-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha. Recorrentes: José Severino dos Santos e cônjuge. Recorrido: Distrito Federal. Advogados: Drs. Arturo Buzzi e outros e Francisco Agrício Camilo e outros.
Decisão: A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso (em 20.03.95 - 1ª Turma).
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro DEMÓCRITO REINALDO.