Recorrente: Companhia União de Seguros Gerais

Recorrente: Companhia União de Seguros Gerais

Recorrida: Telecomunicações do Rio de Janeiro S/A. - TELERJ

Advogados: Drs. Mário Eduardo del Peloso de Castro e outros e Francisco Deiro Couto Borges e outros

EMENTA: - RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO COM VEÍCULO REGULARMENTE ESTACIONADO. FATO DE TERCEIRO. "FECHADA". ESTADO DE NECESSIDADE. LICITUDE DA CONDUTA DO CAUSADOR DO DANO. AUSÊNCIA DE CULPA DEMONSTRADA. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO REPARATÓRIA (ARTS. 160, II E 1.520, CC). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I - O motorista que, ao desviar de "fechada" provocada por terceiro, vem a colidir com automóvel que se encontrava regularmente estacionado, responde perante o proprietário deste pelos danos causados, não sendo elisiva da obrigação indenizatória a circunstância de ter agido em estado de necessidade.

II - Em casos tais, ao agente causador do dano assiste tão-somente direito de regresso contra o terceiro que deu causa à situação de perigo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Dias Trindade, convocado nos termos do art. 1º da Emenda Regimental n. 3/93 e Fontes de Alencar. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Antônio Torreão Braz.

Custas, como de lei.

Brasília, 22 de fevereiro de 1994 (data do julgamento).

Ministro FONTES DE ALENCAR, Presidente - Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

EXPOSIÇÃO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: - Cuida-se de "ação regressiva de ressarcimento" proposta por Companhia União de Seguros Gerais contra a TELERJ - Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro, e um dos motoristas desta.

Afirmou-se na inicial que o motorista, dirigindo veículo da companhia telefônica de que empregado, veio a colidir com diversos veículos que se encontravam regularmente estacionados, dentre os quais o automóvel "chevette" de propriedade de um dos segurados da autora, havendo esta sido obrigada, por força do contrato de seguro, a desembolsar o valor dos prejuízos materiais resultantes da colisão, disso decorrendo a pretensão de reembolso.

Em contestação, a TELERJ atribuiu integral culpa pelo acidente a terceiro que, ao tentar imprudentemente fazer ultrapassagem pela direita, teria, para evitar choque frontal com caminhão estacionado na sua trajetória, ingressado abruptamente na faixa pela qual trafegava o veículo dirigido pelo seu preposto, que, em razão de tal "fechada", haveria colidido com uma árvore e após com o automóvel segurado.

O MM. Juiz, conquanto reconhecendo ter havido prova no sentido de que "o furgão da ré fora fechado por outro auto não identificado", julgou procedente o pedido, considerando que o condutor de referido furgão, ao não frear, "preferindo desviar-se em velocidade e ainda mais em esquina", agiu com imperícia e imprudência. Aduziu, em acréscimo, que,

"... ainda que o Juízo não reconhecesse a culpa do preposto da ré..., não colhem suas teses" do fato de terceiro como excludente ou da "falta de culpa do preposto" (fls. 59 e 60 - I, II, IV e VII).

Compulsando o "Aurélio da Responsabilidade Civil", a conceituada obra de Aguiar Dias - "Da responsabilidade Civil", 6ª ed., sabe-se:

1º) Para se falar em excludente por fato de terceiro, preciso seria que o evento se desse "por causa estranha ao devedor", isso porque nosso sistema dá sinal de que o fato de terceiro não exclui responsabilidade, "mas apenas enseja direito de regresso - v. art. 1.520, Código Civil" (pp. 351-2, n. 218).

2º) Sob o segundo enfoque (falta de prova de culpa do preposto), diz o mestre: "A circulação de automóveis criou um risco social próprio, que é preciso atender, estabelecendo a responsabilidade na base dos princípios objetivos" (p. 54, n. 170, "op. e loc. cits.")".

Interpostas apelações por ambas as partes, a Segunda Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro proveu a da TELERJ, declarando, via de conseqüência, prejudicado o apelo da autora, que objetivava alterar o termo "a quo" de incidência da correção monetária. O acórdão restou assim ementado:

"A AÇÃO DE REEMBOLSO DA SEGURADORA, SUB-ROGADA NOS DIREITOS DO SEGURADO, CONTRA TERCEIRO, CAUSADOR DO DANO. SENDO DE NATUREZA AQUILIANA, A CULPA IMPUTADA AO CAUSADOR DO DANO, HÁ DE RESULTAR DEMONSTRADA, DE FORMA INCONTROVERSA, SEM O QUE IMPROCEDE A PRETENSÃO INDENIZATÓRIA".

Oferecidos embargos declaratórios, em que a autora acenou com ausência de pronunciamento explícito da Câmara Julgadora acerca do disposto no art. 1.520, CC e da orientação assentada no Enunciado n. 187 da Súmula/STF, restaram rejeitados.

Inconformada, a seguradora manifestou recurso especial, alegando que "o v. acórdão recorrido deixou de aplicar corretamente o art. 1.520 do Código Civil e a Súmula n. 187 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, além de se colocar em hostilidade com decisões" de Tribunais paulistas. Sustenta que, mesmo inexistindo culpa do autor do dano, tendo sido o acidente provocado por fato de terceiro, aquele fica obrigado a indenizar o prejuízo causado, assistindo-lhe apenas direito de regresso contra referido terceiro.

Apresentadas contra-razões, foi o apelo inadmitido na origem, ao argumento de ausência de prequestionamento da matéria versada na impugnação recursal, subindo os autos por força de agravo a que dei provimento.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): - Quanto à suscitada falta de prequestionamento, é de ponderar-se que, malgrado realmente não tenha a Câmara Julgadora feito referência explícita ao art. 1.520, CC, a disciplina de tal norma legal, que já restara expressamente mencionada na sentença, conforme se atesta do excerto que fiz transcrever no relatório, restou também abordada, embora implicitamente, no aresto impugnado, do qual constou entendimento no sentido de que "não há como agasalhar-se a pretensão indenizatória... se..., como ocorre na hipótese "sub censura", há provas de que a eclosão do sinistro foi provocada por fato de outrem".

Assim, havendo o órgão julgador de segundo grau considerado que somente incumbe ao causador do prejuízo indenizar o dono da coisa danificada quando demonstrado haver concorrido com culpa para ocorrência do evento lesivo, não se lhe sendo possível carrear tal responsabilidade reparatória nos casos, como o de que se cuida, em que atribuível tal ocorrência a fato de terceiro, pronunciou-se inequivocamente sobre a matéria tratada pelos arts. 160, II e 1.520, CC, o que se afigura suficiente ao atendimento do pressuposto do prequestionamento.

Superado esse óbice, resta analisar os demais aspectos concernentes à admissibilidade do apelo extremo.

No que diz com a invocada divergência jurisprudencial, embora quando da análise do agravo (05.91) a tenha vislumbrado, vejo-me na contingência de, revendo tal entendimento, ajustar-me à evolução da orientação jurisprudencial desta Corte em torno do tema, que culminou por fixar-se no sentido de que

"Simples transcrição de ementas, relativas a pretensos acórdãos-paradigmas, não é suficiente para comprovar o dissídio ensejador do conhecimento do recurso especial" (REsp n. 24.948/SP, Relator o Sr. Ministro PÁDUA RIBEIRO, DJ de 16.11.92).

Confiram-se, no mesmo sentido, desta Turma, os AgRg no Ag ns. 9.260/RJ e 30.726/PE, relatados respectivamente pelos Srs. Ministros FONTES DE ALENCAR e BARROS MONTEIRO.

Na espécie de que se cuida, portanto, inadmissível se afigura o conhecimento do especial pela alínea c nem mesmo em face da apontada divergência com o teor do Enunciado n. 187 da Súmula/STF, que se refere a caso de responsabilidade contratual, não aquiliana.

Subsiste, assim, como única questão a ser apreciada, a argüida afronta ao disposto no art. 1.520, CC.

Dessume-se de uma interpretação lógica de tal norma que o causador do dano, embora agindo em estado de necessidade - "para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se" (art. 24, CP), o que exclui o caráter ilícito de sua conduta (art. 160, II), responde perante o dono da coisa danificada pelos prejuízos causados, possuindo tão-somente direito de regresso contra o terceiro que haja criado a situação de perigo.

O fato de terceiro, portanto, em nosso sistema, não é, como regra, excludente da obrigação de indenizar, constituindo-se em um dos casos de responsabilidade sem culpa.

Essa a lição de Caio Mário:

"Responde pela reparação aquele que, procedendo em legítima defesa ou no exercício regular do direito, danificar a coisa alheia; igualmente sujeito está a reparar o dano causado o que é levado a danificar a coisa alheia em estado de necessidade, isto é, para remover perigo iminente. Segundo a noção mais exata, e já tantas vezes repetida, pressupõe o ato ilícito uma conduta contrária à ordem jurídica, e é claro que o procedimento daquele que se defende, ou do que exercita um direito seu, como de quem pretende impedir que se consume o perigo, não se pode tachar de contraveniente à norma social de conduta. Não obstante, a obrigação de ressarcir o dano causado existe, sob fundamento de que, no conflito de dois direitos, o titular daquele socialmente mais valioso poderá sacrificar o outro, desde que se detenha no limite do razoável, mas nem por isto se exime de reparar o dano causado. Não há culpa no que se defende, ou no que necessita de remover perigo iminente. Mas há reparação, e, portanto, responsabilidade sem culpa" ("Instituições de Direito Civil", vol. III/510, Forense, 5ª ed., 1981, n. 282).

Na mesma direção, doutrina Carlos Roberto Gonçalves, "in" "Responsabilidade Civil", Saraiva, 5ª ed., 1994, n. 103, pp. 479/480:

"Entretanto, embora a lei declare que o ato praticado em estado de necessidade não é ato ilícito, nem por isso libera quem o pratica de reparar prejuízo que causou. Se um motorista, por exemplo, atira o seu veículo contra um muro, derrubando-o, para não atropelar uma criança que, inesperadamente, surgiu-lhe à frente, o seu ato, embora lícito e mesmo nobilíssimo, não o exonera de pagar a reparação do muro. Com efeito, o art. 1.519 do Código Civil estatui que, se o dono da coisa (o dono do muro) destruída ou deteriorada não for culpado do perigo, terá direito de ser indenizado. Entretanto, o evento ocorreu por culpa "in custodiendo" do pai da criança, que é o responsável por sua conduta. Desse modo, embora tenha de pagar o conserto do muro, o motorista terá ação regressiva contra o pai do menor, para se ressarcir das despesas efetuadas. É o que expressamente dispõe o art. 1.520 do Código Civil".

Aguiar Dias, por seu turno, referindo-se à opção legislativa adotada em nosso Código Civil, observa, em idêntica diretriz, que

"... o que nele (no Código Civil) encontramos é precisamente um sinal adverso ao reconhecimento amplo dos efeitos do fato de terceiro sobre a responsabilidade, no art. 1.520, onde se consagra tão-somente a ação regressiva contra ele, e que supõe, logicamente, a responsabilidade ou, melhor, a obrigação de reparar, por parte do sujeito desse direito regressivo" ("Da Responsabilidade Civil", vol. II/251, Forense, 1944, n. 218).

Referindo-se às exceções a essa regra, este último renomado jurista salienta que, afora os poucos casos expressamente previstos em lei (arts. 1.285, 1.528, CC e 100, c do Código Brasileiro do Ar), o fato de terceiro só constitui causa de exoneração quando "se encontra equiparado, para todos os efeitos, ao caso fortuito ou de força maior" ("op. cit.", p. 252) ou, em outras palavras, quando elimine por completo a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano.

No caso de que se cuida, porém, o dano sofrido pelo carro segurado iniludivelmente não se apresenta dissociado da atitude do motorista da TELERJ, que, diante da "fechada" que sofrera, desviou sua trajetória, vindo, em razão de tal manobra, a causar o dano cujo ressarcimento se pretende.

Por esse seu ato volitivo, portanto, que, conquanto praticado em estado de necessidade, integrou de forma determinante a dinâmica do evento lesivo, o preposto e, por imperativo jurídico, a sua empregadora são responsáveis junto à seguradora-recorrente, sub-rogada no direito do dono da coisa danificada, pela reparação dos prejuízos, assistindo-lhes, caso possível a identificação do terceiro que provocou a "fechada", direito de regresso contra o mesmo.

Esta Corte, é certo, apreciando caso que guardava certa semelhança com o vertente, teve oportunidade de decidir:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE VEÍCULOS. CULPA DE TERCEIRO.

- Não se verifica a hipótese prevista no art. 1.520 do Código Civil, quando o terceiro tornou-se o único responsável pelo evento, reconhecida, assim, a sua culpa exclusiva, à vista de fatos e provas" (REsp n. 12.293/PR, Relator o Sr. Ministro NILSON NAVES, DJ de 27.04.92).

Naquele caso, contudo, restou reconhecido pelas instâncias ordiná-rias que "o terceiro não procedeu de forma a causar perigo, mas agiu de modo a se tornar responsável exclusivo pelo resultado danoso, suprimindo toda e qualquer volição de parte do agente, que ... não teve participação voluntária no episódio". Isso porque, o terceiro, na situação de que se cuidava, efetivamente colidiu com o automóvel do agente, que, em razão do deslocamento provocado por tal colisão, veio a atingir o veículo da autora daquela ação. Assim, o desvio de que decorreu o dano não foi empreendido pelo agente, não envolveu uma escolha de conduta. Seu carro foi utilizado apenas como instrumento do ato ilícito praticado pelo terceiro.

Espécie, portanto, essencialmente diversa da ora retratada, em que conforme explicitado, a mudança de trajetória que provocou o evento lesivo foi realizada pelo motorista da recorrida, "sponte sua", de forma consciente e voluntária, em razão de "fechada" que sofrera.

Oportuno, ainda, ressaltar, apenas a título de reflexão, preocupação manifestada por Aguiar Dias em relação à abrangência e rigorismo da norma do art. 1.520, CC, que considera deva ser interpretada conjuntamente com outros princípios que informam ordem jurídica de molde a possibilitar ao Magistrado, sopesando as peculiaridades de cada caso, dosar, segundo o senso de justiça que lhe norteia o comportamento, a medida da responsabilidade do agente. Assim discorre a respeito:

"Essas noções, que deixam já claro o problema da influência do fato de terceiro na reparação do dano, podem ainda ser compreendidas por via de outros princípios. Ao lado da obrigação que incumbe a todos os homens de proceder na medida de sua capacidade pessoal, existe, em certos casos, a de agir sem interesse próprio, em virtude de um dever público. A pessoa é, assim, obrigada, mau grado seu, a desenvolver certa atividade em proveito de outras, fazendo frente a situações inesperadas, criadas por acontecimentos imprevistos e imprevisíveis, como a atividade de outra pessoa, ou de um animal, ou o fato da natureza, que intervêm na atividade desenvolvida pelo agente em seu próprio interesse e ameaçam fazê-lo instrumento de resultado danoso. Contra este, deve essa pessoa lutar, quer queira, quer não. Exemplo de tal atitude encontra-se nas situações que defronta o automobilista que, circulando regularmente na via pública, vê atirar-se à frente do carro o louco, a criança, o transeunte imprudente, o candidato ao suicídio ou o animal e, procurando evitar o dano a esse, vem a causá-lo a outro. A atividade do automobilista concorrerá, sem dúvida, para o complexo de fatos que redundará no dano, paralelamente à atividade estranha que interfere com a sua, sem excluir outros fatores igualmente influentes para tal resultado. É conveniente, e até de exigir, que o agente surpreendido por essa intervenção estranha reaja contra ela, para fazer claro que a não endossa, que a quer manter afastada de sua atividade. Esse é quase o seu dever legal. Ora, para investigar sobre a sua responsabilidade em tal situação, torna-se necessário precisar a medida desse dever. E ela só pode ser dada em função do princípio de que cada um só responde na proporção das suas próprias ações. De forma que, para responder pelo fato danoso resultante da atividade estranha ou de acontecimento natural que desvia do seu curso regular a atividade do agente, é preciso que o esforço por ele empregado em repeli-la satisfaça o dever que ele tem de afastá-la. Isso quer dizer que a responsabilidade do agente não pode emergir senão da atitude que envolva uma censura moral. Com efeito, nada se lhe pode exigir além do que pode dar, no limite de suas faculdades" ("op. cit"., pp. 256/257).

Dessa mesma inquietação comunga Wilson Melo da Silva ao obtemperar:

"Ora, se razoável não é que a vítima inocente de um dano que se levou a efeito com a finalidade de se afastar um perigo iminente, que viesse a prejudicar terceiros, fique desamparada, razoável não é, também, que o autor do dano que a tal situação chegou por uma dura contingência e não por vontade própria, venha a arcar com a totalidade dos prejuízos que seu ato teria determinado com a destruição ou com a deterioração da coisa alheia, no intuito de afastar um dano iminente que talvez o prejudicasse. A solução equilibrada, portanto, só poderia ser a da indenização por uma responsabilidade limitada, indenização possível apenas por arbitramento do Juiz, "ex bono et aequo", e não a da indenização ampla e comum" ("Da Responsabilidade Civil Automobilística", Saraiva, 3ª ed., 1980, Cap. VI, n. 44, pp. 141/142).

Carlos Roberto Gonçalves, por seu turno, ao se pronunciar sobre o tema, reconhece que, "sem dúvida, melhor ficaria se fosse permitido ao Juiz, por arbitramento, fixar uma indenização moderada, e não aquela "indenização do prejuízo que sofreu" o lesado, tal como consta do art. 1.519 do Código Civil, e que pode conduzir a injustiças ("op. cit.", p. 481).

Ocorre, contudo, que talvez até por essa indiretamente referida falta de autorização legal ao Juiz para mitigar a severidade e o alcance do dispositivo codificado, tal ordem de considerações, louvável pelos seus propósitos, não tem merecido incondicional acolhida por parte da jurisprudência pátria, consoante bem demonstra, dentre outros, acórdão do 1º TACSP selecionado por Orlando Gandolfo, "in" "Acidentes de Trânsito e Responsabilidade Civil", RT, 1985, pp. 35/36:

"Conforme se vê dos autos, o recorrente vinha dirigindo seu carro por via urbana desta Capital, quando foi surpreendido pelo surgimento, da frente de um caminhão estacionado, de uma criança, que se lançou a atravessar a rua. Procurando evitar o atropelamento, aliás infrutiferamente, eis que tal criança foi atingida e morta pelo veículo do apelante, este lançou-o contra o meio-fio oposto, lá atingindo o carro do autor, ora recorrido. Embora não tenha ficado demonstrada culpa do réu, evidente, de seu próprio relato para os fatos, bem assim do constante da prova, que não se poderia excluir a responsabilidade, nos termos do disposto pelos arts. 1.520 e 160, II, ambos do CC. Se não culpado, teria, quando menos, o recorrente danificado coisa alheia, o carro do recorrido, em virtude de estado de necessidade, e daí sua responsabilidade de indenizar os prejuízos, ainda que com eventual ação regressiva contra quem de direito" (1º TACiv/SP, Apelação n. 315.497, 1ª C., j. 27.09.83, v. u., Relator MARCO CÉSAR)".

De qualquer sorte, ainda que se adote a posição sustentada por Aguiar Dias, necessário se mostra, para invocação do princípio a que o ilustre Jurista alude, que o fator motivador da atitude do agente seja - se não de forma exclusiva, pelo menos preponderantemente - o cumprimento de um dever público que lhe incumbe. Impõe-se, ademais, que tal agir encerre reação a uma situação imprevista e imprevisível.

Nos casos, como o vertente, em que o condutor do veículo sofre uma "fechada", sua reação, no mais das vezes, é condicionada pelo seu interesse próprio, de evitar danos a si e a seu automóvel. Somente em plano secundário é que se situa a preocupação com a incolumidade do carro alheio que se projeta e do respectivo condutor.

De mais a mais, raramente a colisão decorrente de "fechada" ocasionará resultado tão desastroso quanto o atropelamento, seja pela proteção que a própria estrutura dos carros oferece aos passageiros, seja porque, em casos tais, a gravidade do choque é minimizada pelo fato de os veículos envolvidos encontrarem-se, no momento do acidente, trafegando num mesmo sentido, embora um deles com trajetória diagonal, o que gera certa compensação de velocidade e reduz a força do impacto. Em casos tais, embora subsista o perigo e seja reação natural do motorista que sofre a "fechada" buscar evitar o acidente, sua conduta deve ser proporcional à gravidade dos danos cuja ocorrência visa a impedir. Assim, será moralmente censurável essa conduta se, para evitar um choque cuja intensidade seria suficiente apenas a danificar o seu veículo e do terceiro culpado pela situação de perigo, vier em decorrência da manobra empreendida nesse intuito, a atingir, em sua propriedade ou mesmo em sua incolumidade física, pessoa inteiramente inocente.

O que, entretanto, menos autoriza a aplicação do raciocínio desenvolvido por Aguiar Dias especificamente no caso "sub examen" é o fato de que a "fechada", tal como descrita sua dinâmica pelas instâncias ordinárias, era previsível. Com efeito, não era dado ao motorista da TELERJ deixar de perceber a existência de um carro que o estava ultrapassando pela direita, isso nas imediações de uma curva. Ao optar por realizar a curva juntamente com o terceiro imprudente, previsível que, diante de qualquer obstáculo existente após mencionada curva-tráfego, carro enguiçado ou, como de fato havia, um caminhão estacionado junto ao meio-fio, referido terceiro viesse a pretender ocupar a faixa por onde trafegava o furgão da recorrida. Assim, embora não se possa censurar o motorista da TELERJ no que diz respeito à observância às normas de trânsito - e daí decorre a sua ausência de culpa - cumpria-lhe agir com maior cautela e atenção, na conformidade do que recomenda o senso comum de previsibilidade, isso em face dos naturais riscos decorrentes da falta de visibilidade própria das curvas.

Inexistindo, portanto, analogia entre a situação doutrinariamente retratada e a que se põe em exame, inadmissível invocar as razões expostas pelo eminente civilista para excluir a responsabilidade indenizatória da recorrente.

Em conclusão: a mera ausência de culpa do causador do dano não é suficiente, por si só, ao contrário do que reconheceu o aresto atacado, para excluir a responsabilidade da recorrida. Necessário seria para tanto - isso em se considerando possível a invocação em casos como o de que se cuida, do princípio lembrado por Aguiar Dias que a conduta de seu motorista, mais do que motivada por um estado de necessidade, traduzisse cumprimento de um dever público, consubstanciando, ademais, reação proporcional à situação imprevista e imprevisível.

Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença no que diz com a procedência do pedido, determinando retornem os autos ao Tribunal de origem a fim de ensejar à Eg. Câmara Julgadora oportunidade para pronunciar-se acerca da apelação da autora, afastada que se afigura a prejudicialidade do seu exame.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n. 12.840-0 - RJ - (91.0014816-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo. Recorrente: Companhia União de Seguros Gerais. Recorrida: Telecomunicações do Rio de Janeiro S/A. - TELERJ. Advogados: Drs. Mário Eduardo del Peloso de Castro e outros e Francisco Deiro Couto Borges e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator (em 22.02.94 - 4ª Turma).

Votaram com o Relator os Exmos. Srs. Ministros Barros Monteiro, Dias Trindade, convocado nos termos do art. 1º da Emenda Regimental n. 3/93 e Fontes de Alencar.

Ausente, ocasionalmente, o Exmo. Sr. Ministro Antônio Torreão Braz.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro FONTES DE ALENCAR.