(JSTJ e TRF - Volume 80 - Página 270)
RECURSO ESPECIAL N. 66.249-4 - RS (95.0024224-9)
Terceira Turma (DJ, 13.11.1995)
Relator: Exmo. Sr. Ministro Costa Leite
Recorrente: Organização Imobiliária Princesa do Lar S/A.
Recorrida: Leni Beatriz Schmitz
Advogados: Drs. Sônia Wildt do Canto e outros e Nelson Carvalho Vasconcelos
EMENTA: - PROCESSO CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PERDAS E DANOS. DANO MORAL.
I - A liquidação deve ater-se ao decidido no processo de conhecimento. A responsabilidade por perdas e danos do litisdenunciado pressupõe o reconhecimento do prejuízo suportado pelo litisdenunciante. Sendo incontroverso que não só a sentença liquidanda não fez referência a prejuízo de ordem moral como nada se alegou nesse sentido quando da denunciação da lide, determinando o conteúdo da demanda principal tão-só o ressarcimento dos prejuízos de ordem material suportados pelo litisdenunciante, impende reconhecer a violação ao art. 610 do CPC, em decorrência de inclusão de indenização por dano moral.
II - Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter e Cláudio Santos.
Custas, como de lei.
Brasília, 15 de agosto de 1995 (data do julgamento).
Ministro WALDEMAR ZVEITER, Presidente - Ministro COSTA LEITE, Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO COSTA LEITE: - Julgada procedente a ação reivindicatória proposta por Oldenir Antônio Turqueti e cônjuge contra Leni Beatriz Schmitz, a sentença declarou a responsabilidade da litisdenunciada, Organização Imobiliária Princesa do Lar S/A., por perdas e danos, postulando a litisdenunciante, no procedimento liquidatório, a reparação do dano moral.
Acolhida a postulação em primeiro grau, a E. Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, por maioria de votos, reformou o capítulo pertinente da sentença de liquidação, a teor destes fundamentos sintetizados na ementa do acórdão:
"A existência do prejuízo deve ser demonstrada no processo de conhecimento e não na liquidação. Nesta se apura apenas o "quantum" desse prejuízo. Dano moral não argüido na ação e que não foi objeto de condenação não pode ser deferido na liquidação".
Em sede de embargos infringentes, prevaleceu o voto vencido, apresentando-se assim exteriorizado o acórdão do E. Quarto Grupo Cível daquela Corte:
"EMBARGOS INFRINGENTES.
I - O recurso se submete ao art. 530 do CPC.
II - Conhecimento de parte do recurso.
III - Condenação a perdas e danos em ação de conhecimento. Liquidação de sentença.
IV - Não constitui exegese inadequada o entendimento de que o dano moral esteja embutido na expressão perdas e danos.
V - Dano moral como lesão de interesses. Lição de Maria Helena Diniz e de Antunes Varela.
VI - Critério fixado em 50% sobre o valor do dano patrimonial.
VII - Recurso conhecido em parte e dado provimento".
Manifestado recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, em que se alega contrariedade ao art. 610 do CPC, porquanto no processo de conhecimento não se decidiu sobre a reparação de dano moral, mesmo porque não se formulou pedido a respeito, sobreveio juízo negativo de admissibilidade, fundado na falta de prequestionamento. Provi o agravo de instrumento e determinei a conversão prevista no art. 544, § 3º, do CPC.
É o relatório, Sr. Presidente.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO COSTA LEITE (Relator): - Para o efeito de prequestionamento, não se faz mister expressa referência ao dispositivo legal. Importa é que a questão seja ventilada no acórdão. No caso dos autos, verifica-se que a questão em que se funda a alegação de contrariedade ao art. 610 do CPC foi longamente debatida nas instâncias ordinárias, sendo examinada tanto no julgamento da apelação como no dos embargos infringentes, não calhando, assim, o fundamento em que se estabeleceu o juízo negativo de admissibilidade na origem.
Controverte-se a respeito da reparação do dano moral, sob o prisma da adequação da sentença de liquidação ao decidido no processo de conhecimento, sustentando a recorrente que o julgado do E. Quarto Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul extrapolou os termos da decisão liquidanda.
A sentença de liquidação entendeu devida aquela reparação, com base nestes fundamentos:
"Perdas e danos enseja a reparabilidade do prejuízo de natureza material e moral, posto que humanamente impossível repassar-se a evolução histórica do fato que responsabiliza a ré pelas perdas e danos, apenas dando expressão para as perdas representativas de valores materiais, conquanto é certo que por tudo que passou a autora sofreu diversificadas pressões morais que significam perdas e prejuízos, ou melhor, um indivíduo com vinte e sete anos, vende seu imóvel para adquirir um melhor e, não só o perde, como também é responsabilizado a indenizar todo o prejuízo daquele que lhe vendeu o imóvel porque terceiro, a ré, através de seu empregado, intermediou ilicitamente o negócio. Tudo, transcorrendo por quase dez anos de litígio, posto que o cálculo da condenação foi homologado em 23.12.82 (fl. 310v.). Portanto, é tempo em que à autora lhe foi retirada a tranqüilidade do seu exercício regular de um projeto de vida realizável. Admissível jurisprudencialmente a cumulação dos danos moral e material.
Deve arcar a ré com a indenização do dano moral que, para ressarcimento, se liquida desde logo, em valor equivalente a um salário mínimo por mês, desde o início da litigiosidade envolvendo o imóvel (fl. 31 - 14.11.73) até a data da sentença homologatória do cálculo do Processo n. 01176009932 (fl. 310v. - 23.12.82); e, do ajuizamento da presente ação até seu trânsito em julgado".
Em sede de apelação, reformou-se esse capítulo da sentença, a teor dos seguintes fundamentos do voto-condutor do acórdão:
"Em se tratando de liquidação de sentença, não se pode descurar que a existência do prejuízo deve ser demonstrada no processo de conhecimento, e não na liquidação, onde apenas se apura o "quantum" desse prejuízo. Nem a sentença, nem o acórdão, faz referência à existência de danos morais que tenham sido alegados e provados pela denunciante. Admiti-los como devidos, por compreendidos na expressão "perdas e danos", seria ampliar os termos do julgado e ter como comprovada indenização que sequer foi pedida. Se desassiste razão ao recorrente em afirmar que o dano emergente deve ser limitado ao "quantum" inquestionavelmente pago pela apelada - descabendo a perícia - razão lhe assiste quanto à indispensabilidade da prova da existência do dano. Esta deveria ter sido reconhecida na sentença que ora se liquida, o que não ocorreu. A sentença de liquidação extrapolou o julgado, embutindo no valor parcela não prevista e que não foi condenada a denunciante a pagar ao autor da ação principal. Dano moral não argüido na ação e que não foi objeto de condenação do denunciante a pagamento ao autor da ação principal não pode ser objeto de liquidação por arbitramento promovida pelo denunciante contra o denunciado".
Ficou vencido o culto Juiz ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JÚNIOR. Relançando em seu voto os termos da sentença, que subscreveu no essencial, argumentou:
"De outro lado, ao reconhecer a r. sentença (fls. 24/30) e o v. acórdão (fls. 10/15) que a confirmou a responsabilização por "perdas e danos" em absoluto os restringiu aos danos materiais, ou estritamente patrimoniais, "data venia". Pelo contrário, a mim se afigura mais exata a conclusão de que, não distinguindo, permitiu amplitude de limites à indenização: não apenas ressarcir (os danos materiais), mas também reparar (os danos morais)".
Esta a tese que prevaleceu no julgamento dos infringentes. Tenho, porém, que o acórdão proferido na apelação deu correta solução à controvérsia.
As perdas e danos abrangem os danos emergentes e os lucros cessantes, segundo a lei civil. Não se nega, evidentemente, que nos danos emergentes inclui-se o dano moral. Não se nega, por igual, que o ilícito perpetrado pelo preposto da recorrente possa ter acarretado dano moral. Mas aqui desloca-se o eixo da questão para o plano processual. A responsabilidade por perdas e danos do litisdenunciado pressupõe o reconhecimento do prejuízo suportado pelo litisdenunciante. É incontroverso que, no caso dos autos, não só a sentença liquidanda não fez referência a prejuízo de ordem moral como nada se alegou nesse sentido quando da denunciação da lide, determinando o conteúdo da demanda principal tão-só o ressarcimento dos prejuízos de ordem material suportados pelo litisdenunciante, pelo que impende reconhecer a violação do disposto no art. 610, do CPC, em decorrência de inclusão de indenização por dano moral.
Tais as circunstâncias, conheço do recurso e lhe dou provimento, para restabelecer a solução do acórdão proferido na apelação.
É o meu voto. Sr. Presidente.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: - Esclareceu o Eminente Ministro Relator que de danos morais não se cogitou no processo de conhecimento, não podendo a liquidação contemplar seu ressarcimento. Eventualmente, em outra demanda se poderá pleitear condenação a esse título, quiçá existente.
Acompanho o Relator.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 66.249-4 - RS - (95.0024224-9) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Costa Leite. Recorrente: Princesa S/A. Recorrida: Leni Beatriz Schmitz. Advogados: Drs. Sônia Wildt do Canto e outros e Nelson Carvalho Vasconcelos.
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator (em 15.08.95 - 3ª Turma).
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter e Cláudio Santos.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro WALDEMAR ZVEITER.