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EZLN - Carta e dois comunicados

 

            México, 02 de fevereiro de 2000.

            À imprensa nacional e internacional.

            Damas e Cavalheiros:

            Com esta, envio a vocês dois comunicados sobre dois assuntos: o ataque à Preparatória N.º 3 e o ataque à Escola Normal de El Mexe, Hidalgo. Em ambos os fatos se fez presente a “nova” polícia especializada em estudantes: a federal preventiva. Aí vocês vão me desculpar se o nome está como “Wilfredo” e deveria ser “Wilfrido” (sim, refiro-me ao senhor Robledo, chefe da PFP)[1]. Acontece que eu e o Mar consultamos vários jornais e num deles escrevem “Wilfrido” e em outros “Wilfredo”. Enfim, se é “Wilfrido” ou “Wilfredo” isso quem deve saber é a mãe dele (se é que ele tem).

            Por outro lado, estamos comovidos com a imagem de Zedillo de bicicleta, tanto que até nos esquecemos de que somos apenas um “acidente a mais na história”[2]. Já estávamos prestes a trocar os cavalos pelas bicicletas quando tivemos uma dúvida: o “chapéuzinho” é para fazer de conta que alguém tem cérebro?

            Valeu. Saúde e não sejam globofóbicos, como já disse o professor Efraín Huerta: “Fora do metro tudo é Cuautitlán” (era assim?)[3].

Das acidentais montanhas do Sudeste Mexicano

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 

P.S.: PARA DIODORO. Isso de que “não tem nenhuma importância dialogar com o EZLN” (Zedillo dixit), é o pós-escrito àquele “Mais um Passo”? Ou o pós-escrito será trazido novamente por “Wifrido”? (ou era Wilfredo?) ...[4]

 

P.S.: QUE SE EXPLICA POR SI MESMO. “Globofóbicos do mundo, suicidai-vos! (Ou seja: “Uni-vos!)

 

P.S.: PARA O ESTADO ESPANHOL. Não se deixem enganar: nem todos os mexicanos são como Zedillo, ou seja, patéticos (ainda que Aznar não lhe peça nada).

 

P.S.: QUE TAMBÉM DÁ A SUA CONTRIBUIÇÃO À RENOVAÇÃO DA LINGUAGEM. Junte-se ao Clube dos Zedillofóbicos! Já somos quase 100 milhões! (Em breve: Clubes nada exclusivos de PRIfóbicos, Labastifóbicos, De La Fuentefóbicos, e o muito exclusivo Fobiafóbicos (?!)).

 

 

EZLN - Contra a repressão em Hidalgo

 

            México, fevereiro de 2000.

 

            Ao povo do México

            Aos Povos e Governos do mundo

 

            Irmãos e irmãs:

 

            Dias atrás, como amostra de que a perseguição de jovens estudantes já faz parte da política de governo do senhor Ernesto Zedillo Ponce de León, foram detidos com requinte de violência 64 estudantes da Escola Normal Rural Luis Villareal de El Mexe, no município de Francisco I. Madero, Estado de Hidalgo.

            As reivindicações dos estudantes normalistas rurais são racionais: que sua escola não desapareça e que os que saem dela obtenham o cargo de professor a que têm direito.

            Sem sequer tentar uma aproximação, o governo do Estado de Hidalgo e o governo federal atacaram os normalistas, bateram neles, os fizeram desaparecer e logo os fizeram reaparecer sob a acusação de “roubo”. Participou da ação a inefável polícia federal preventiva que se especializa em perseguir, bater e deter jovens estudantes para compensar sua ineptidão em combater o crime organizado.

            Nós, homens, mulheres, crianças e anciãos do Exército Zapatista de Libertação Nacional manifestamos nosso repúdio a este ataque, nos solidarizamos com os normalistas de El Mexe, Hidalgo, e convocamos os hidalguenses em particular e os mexicanos em geral a exigir a libertação dos normalistas presos e o atendimento de suas justas reivindicações.

 

Democracia!

Liberdade!

Justiça!

 

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 

 

EZLN - Sobre os acontecimentos da UNAM

 

            México, 02 de fevereiro de 2000.

            Ao Povo do México

            Aos Povos e Governos do Mundo

 

            Irmãos e irmãs:

            Através de uma transmissão de rádio, nas primeiras horas da madrugada de hoje, 02 de fevereiro de 2000, nos inteiramos de um novo ataque das forças armadas paramilitares do governo federal contra os estudantes universitários, Desta vez na Escola Nacional Preparatória N.º 3 na Cidade do México.

            Sobre este acontecimento, o EZLN diz a sua palavra:

Primeiro. Desde a sua chegada na reitoria da UNAM, o senhor Ramón De La Fuente cumpriu a missão da qual havia sido encarregado pelo governo do senhor Ernesto Zedillo: simular uma abertura para o diálogo enquanto estava sendo preparado o golpe repressor contra o movimento estudantil que, reivindicando educação pública e gratuita, mantém em greve a máxima casa de estudos.

Segundo. Depois de fingir que dialogava com o Conselho Geral de Greve e de chegar a acordos com seus representantes, o senhor De La Fuente desconheceu o que havia sido acordado e convocou a realização de um plebiscito que havia sido preparado na Secretaria de Governo como ponta de lança para justificar, perante a opinião pública, o uso da força na solução da greve dos estudantes (como foi mostrado pela revista “Proceso”).

Terceiro. Aproveitando da boa fé de muitos universitários que desejam o fim do conflito e o atendimento das justas reivindicações do movimento estudantil, o senhor De La Fuente fez do plebiscito uma tramóia para que, ao manifestar-se pela satisfação das exigências e, de conseqüência, pelo fim do conflito, se afiançasse o uso da força pública contra os estudantes.

Quarto. Apesar da gigantesca e dispendiosa campanha na mídia eletrônica, a maioria da comunidade universitária não atendeu ao plebiscito da reitoria. Como há tempo vinha sendo advertido por alguns universitários de filiação perredista, o plebiscito do reitor seria usado como argumento para a repressão (caso fosse rechaçado pelo CGH), ou como legitimação de um congresso universitário manipulado a seu bel-prazer pelas autoridades (caso fosse aceito pelo CGH)[5]. De acordo com destacados membros da comunidade universitária (que não só não podem ser acusados de serem “ultras”, como permaneceram firmes em sua crítica ao CGH), o plebiscito foi realizado com uma lista artificialmente inchada e falsificado no que diz respeito aos seus resultados, que foram dados a conhecer pela imprensa e que, de maneira nenhum são verídicos.

Quinto. Apesar de apenas pouco mais de um terço da comunidade universitária ter se manifestado a favor da proposta da reitoria, a mídia eletrônica manipulou dizendo que “a grande maioria dos universitários” exigia o fim incondicional do movimento.

Sexto. Com a maquiagem dos grandes meios de comunicação e sem a legitimidade dos universitários, o senhor De La Fuente impôs um ultimatum aos estudantes em greve: a entrega incondicional das instalações. O CGH rechaçou esta posição.

Sétimo. Conseguido o anterior, as autoridades convocaram os universitários que não concordavam com a greve para que retomassem as instalações. Nos dias que seguiram à realização do plebiscito, foram freqüentes os atos de flagrante provocação montados pelas autoridades, com destaque para os da faculdade de direito, do CCH Naucalpan e da Preparatória N.º 3 (como foi noticiado pelos jornais “La Jornada” e “Milenio Diario”). O objetivo era e é claro: jogar universitários contra universitários.

Oitavo. Mas, contrariando os planos das autoridades, a maioria da comunidade universitária não é favorável a soluções de força e sim ao diálogo e aos acordos. Na maioria das escolas e faculdades onde foi possível a realização de assembléias, grevistas e antigrevistas dialogaram com respeito e tolerância e foram chegando a acordos. A estratégia do reitor se deparava com um novo fracasso: os universitários se reconheciam como tais através do encontro e do diálogo, reconheciam que as reivindicações do movimento eram justas, e procuravam soluções criativas e inteligentes para acabar com a greve. As assembléias por escola e faculdade estavam dando oxigênio ao movimento e, o que é mais importante, estavam dando a ele um novo rumo. A solução estava próxima. Ainda que contrariando as posições sectárias, a base do movimento estudantil universitário entendeu que as assembléias não significavam uma derrota e sim a possibilidade de fazer com que o diálogo suplantasse a troca de qualificativos.

Nono. O fracasso do senhor De La Fuente motivou o governo federal a precipitar o golpe que havia sido preparado: através da publicação de um folheto assinado por alguns entre os mais poderosos homens do dinheiro, pelos meios de comunicação e pelo alto clero, a direita fascista se outorgou a falsa legitimidade imposta pela força. Aí os poderosos anunciavam que se renunciava à política (e, de conseqüência, ao diálogo) e deixavam a força bruta como único recurso.

Décimo. O trabalho sujo foi encomendado a quem comanda um grupo paramilitar formado pelo atual candidato do PRI à presidência da república, o senhor Francisco Labastida Ochoa. Trata-se do militar Wilfredo Robledo, chefe da autodenominada “Polícia Federal Preventiva”. Desejoso de ocultar suas cumplicidades e fracassos diante do crime organizado (particularmente diante do narcotráfico), o senhor Robledo planejou, com requinte de detalhes, o ataque às instalações universitárias.

Décimo Primeiro. Novamente, foram vozes de alguns militantes perredistas e dos candidatos do PRD à presidência da república e ao governo do DF (em contraste com as posições de alguns dirigentes nacionais e locais do partido) os que advertiram que o governo federal, respondendo ao apelo da direita, havia optado por despir-se de toda roupagem política e havia ficado com o garrote como argumento de governo. Na falta de legitimidade, o governo federal e aqueles que o acompanham em sua campanha militar (meios de comunicação eletrônica, alto clero, os senhores do dinheiro e os intelectuais de direita) pela “recuperação das instalações universitárias” se escondem por trás desta falácia jurídica chamada “Estado de Direito”. O “Estado de Direito” é a forma pela qual se disfarçam os crimes de Estado.

Décimo Segundo. No interior da comunidade universitária e entre as forças progressistas, é cada vez mais claro que o dilema da “universidade fechada ou aberta” é falso. Todos os universitários e todos os mexicanos querem a UNAM fazendo o seu trabalho de docência, pesquisa e cultura. O movimento estudantil universitário tem sido claro em seu desejo de que o conflito termine e a universidade volte a trabalhar normalmente de acordo com seu espírito. É falso o dilema pelo qual o problema se resolve com a universidade fechada ou aberta. Agora, não é essa a questão fundamental, menos ainda quando existem 251 presos políticos[6]. Agora o dilema está em saber se as justas reivindicações dos estudantes se resolvem com o uso do diálogo ou com o recurso da violência.

Décimo terceiro. Diante do conflito da UNAM, a direita mostrou estupidez, cegueira histórica e autoritarismo, se organizou e o enfrentou com seu único argumento: a violência. O que tem de mais atrasado no país se pronunciou pelo não ao diálogo e pela violência contra aqueles que discordam do seu projeto político, econômico e social. De acordo com esta concepção, toda tentativa de democratização, toda demanda de justiça, toda luta pela liberdade, são “acidentes menores da história” cujos destinos devem ser a prisão, o túmulo ou o esquecimento. No país da direita, todo exercício da política, incluindo aquele que se dá de acordo com suas regras, se transforma num teatro de sombras. 

Décimo quarto. Diante das ações fascistas da direita, nós, as forças progressistas e de esquerda do país temos que encontrar os pontos comuns diante da justa demanda de educação pública e gratuita. Para além da falsa separação de que “apoiar as demandas do movimento eqüivale a apoiar a chamada “ultra” e criticar os métodos do CGH é “ficar do lado do projeto neoliberal de educação superior”, está o opor-se à qualquer ação política que não tem outros argumentos a não ser a violência, a perseguição e o encarceramento.

Décimo quinto. O governo federal e a direita, com sua posição diante do conflito da UNAM, conseguiram definir o problema em sua justa dimensão: a repressão como único e supremo exercício da política. Hoje, como ontem, os lutadores sociais são classificados como “terroristas” pelo “Estado de Direito”. Assim como acontece com indígenas, camponeses, devedores, professores, colonos, religiosos honestos e militantes dos partidos de oposição, todos os que lutam pelos direitos sociais, os jovens estudantes da UNAM são tratados como criminosos da pior espécie.

Décimo sexto. A pérfida agressão do governo federal contra os estudantes não deve ser deixada passar impunemente. Hoje, o importante não é estar concordando ou não com as reivindicações dos estudantes, se concordamos ou não com seus métodos, se concordamos ou não com o Conselho Geral de Greve, se concordamos ou não com a greve. Hoje o importante é que não podemos permitir que o uso da força seja o método para enfrentar as demandas sociais.

As forças progressistas e de esquerda optam pelo diálogo, sem se importar com suas diferentes concepções diante do poder ou diante das formas de luta.

O fim da política que Zedillo anuncia no dia de hoje é a promessa de um pesadelo para todos os mexicanos no amanhã de Francisco Labastida.

O período eleitoral, suposta panacéia da democracia, começa com 251 presos políticos, jovens estudantes, muitos deles menores de idade.

Décimo sétimo. Por tudo isso, o EZLN faz um chamado a todas as forças de esquerda e progressistas, aos partidos políticos de oposição honestos, a todos os mexicanos e mexicanas para que, independentemente da nossa posição diante do conflito da UNAM, nos manifestemos para parar o fascismo, pela liberdade dos 251 estudantes presos políticos, para que o diálogo chegue a acordos e pelo cumprimento desses acordos.[7]

Décimo oitavo. Hoje não estão em jogo só o futuro da UNAM e do movimento estudantil. O que está em jogo é o futuro de um país que está em disputa entre aqueles que querem governá-lo na ponta das baionetas e aqueles que o querem livre, democrático e justo.

Democracia!

Liberdade!

Justiça!

 

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 

 

EZLN - Convocatória

            México, Fevereiro de 2000.

            Ao Povo do México

            Aos Povos e Governos do mundo

            Irmãos e irmãs:

            Hoje, 09 de fevereiro deste ano, uma multidão de mexicanos e mexicanas unirá suas vozes e seus passos para protestar contra a ocupação paramilitar da UNAM, para reivindicar a libertação de todos os estudantes presos, para exigir a retomada do diálogo.  

            Nós zapatistas nos unimos a esta mobilização e dizemos a nossa palavra:

            Primeiro. Mais uma vez, o governo de Ernesto Zedillo respondeu com o uso da força às legítimas reivindicações de um grupo de mexicanos e mexicanas. Hoje, os presídios se enchem de lutadores sociais. Centenas de jovens estudantes universitários têm sido feitos prisioneiros numa clara violação à lei, ao sentimento comum e à razão. A Universidade Nacional Autônoma do México é transformada num quartel de paramilitares.

            Segundo. O mês de fevereiro já é o símbolo de um governo. Como acontece hoje na UNAM, em fevereiro de 1995 traiu a vontade de diálogo. Em fevereiro de 1996, fez de conta que assumia o seu acordo para o fim da guerra no sudeste mexicano.[8] Em fevereiro de 2000 se refugia no único argumento das cacetadas e da prisão. Os fevereiros de Zedillo são os da simulação, da traição, do golpe repressor, do cárcere como política de Estado.

            Terceiro. Os protestos não se fizeram esperar. Ninguém pode falar de democracia, de liberdade ou de justiça neste país enquanto os estudantes enchem os presídios e não as salas de aula, enquanto os paramilitares ocupam escolas, enquanto o diálogo se converte em sarcasmo e não há outra verdade a não ser a violência.

            Quarto. Além da serena valentia dos estudantes que hoje estão presos, entre as reações populares devem ser destacados o combativo apoio dos pais de família, que não só não abandonaram seus filhos como têm se mostrado dignos e firmes, e a pronta reação das organizações políticas e sociais de esquerda e dos intelectuais progressistas que, deixando de lado suas diferenças, se unem para exigir que se repare a injustiça cometida.

            Quinto. Diante da justa indignação popular, o governo responde com a pretensão de desarticular as mobilizações libertando alguns estudantes e deixando presos os que considera “menos populares”.

            Sexto. De nossa parte, nós zapatistas nos unimos à convocação das forças progressistas do país para, a partir de hoje, alimentar uma campanha permanente de mobilizações pacíficas em todo o país exigindo a liberdade para todos os estudantes presos, a saída da polícia federal das escolas, a volta ao diálogo, que se pare a política fascista e se expresse o repúdio à direita nacional. Levantemos uma mobilização nacional contra a agressão à Universidade Nacional.

            Sétimo. Não é o momento do silêncio. Não é o momento do imobilismo. Não é o momento do cinismo. Não é o momento do desânimo. Não é o momento do desespero ou da derrota.

            É a hora da palavra que se mobiliza. É a hora da unidade. È a hora da esperança e de lutar por ...

            Democracia!

            Liberdade!

            Justiça!

 

Das montanhas do Sudeste Mexicano

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Subcomandante Insurgente Marcos.

México, Fevereiro de 2000.

 

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

 

            Fevereiro de 2000.

            À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL

            Damas e Cavalheiros:

            Seguem várias cartas que não se explicam por si só e que eu não entendo explicar aqui.

            Toda vez que Zedillo vem para Chiapas, o exército aumenta os patrulhamentos aéreos e terrestres. É lógico, já que este senhor não é e nem será bem-vindo a estas terras. No dia 20 de fevereiro, desfrutamos de um intenso ir e vir de aviões, helicópteros, tanques, caminhões e tropas em toda aquela que o cinzento filhote de baleia de Rabasa chama de “zona do conflito”. Pensávamos que se tratasse de outra visita conjugal de Zedillo ao Bolachas pra Cachorro, mas não era.[9] O que aconteceu é que neste dia foi Labastida e não Zedillo quem chegou para repetir os cinzas que o caracterizam.

            Uma dúvida: a mobilização dos federais, é porque já consideram Labastida como seu “chefe supremo”? É porque Labastida é o candidato oficial? Ou é porque os militares não achavam onde esconder-se para não ouvir os discursos de uma campanha que anda como os aviões da Força Aérea Mexicana sobre as comunidades indígenas, ou seja, rente ao chão?

            Valeu. Saúde e que viva para sempre a bandeira na qual a águia devora a serpente neoliberal (pois, caso tenham se esquecido, o dia 24 de fevereiro é o dia da bandeira. De nada).

 

Das montanhas do Sudeste Mexicano

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

 

Carta  6.b

 

            21 de fevereiro de 2000.

 

            Para: Don Fernando Benitez

            De: Subcomandante Insurgente Marcos

 

“Quando chega, a morte se designa como algo singular e não há maneira de escapar dela ... Eu tive um sonho muito estranho ... como de diabos e animais que nunca tinha visto ... Mas não acredite que isso era mal ... Eram cavalos de ferro que aravam os campos. (...) Em seguida, umas cubas grandes, de pedra, com uma água abundante no seu interior, para regar uma infinidade de campos que você nem pode imaginar ... umas cubas tão grandes quanto morros, que me pareciam feitas para que se banhassem os gigantes ... E via que a terra era de todos ... e que todos se olhavam contentes ... dizia a mim mesmo: pois, onde estou? Será que este é o México? E era o México, era o México, era o México! Foi então quando você me lembrou ...”

   “Zapata”

Roteiro cinematográfico de José Revueltas.

 

            Don Fernando:

 

            Foi com uma dor amarga que soubemos do seu falecimento. Alguns dias atrás havia lhe escrito uma carta para felicitá-lo pelo seu aniversário. Janeiro estava apenas entrando quando o Mar me chamou a atenção para a nota do jornal na qual o felicitavam pelo seu aniversário e, juntos, lembramos daquela carta do seu aniversário do ano passado. Nesta que estou escrevendo agora, eu poderia reiterar aquilo que as pessoas mais próximas (e as que não estão tão próximas) já deveriam ter-lhe dito, mas não vou cansar-lhe a vista com coisas que você já sabia e conhecia. Inicialmente pensadas para felicitá-lo, estas linhas agora são também para desejar-lhe boa viagem.

            Talvez me atreva a lembrar, a lembrar-lhe, que meus pais me ensinaram a ler (não falo de alfabetizar, e sim de ler) com aquele “Sempre!” de Don José Pagés Llergo, e, concretamente, com aquele suplemento que você dirigiu e que se chamou “A Cultura no México”. Aí aprendemos a ler Poniatowska, José Emilio Pacheco, o afiado Monsiváis e muitos outros. Aí aprendemos. Em seguida, anos depois, encontramos suas páginas de “Os Índios no México”, e seus passos em outros suplementos culturais. Eu não sei se ainda dá tempo, mas queria dizer-lhe “obrigado” por ter-nos ensinado a ler. Alguma vez você se propôs de ensinar alguém a ler? Bom, mas é isso que acontece, às vezes alguém faz coisas que não havia se proposto.

            Don Fernando, nós queríamos dar-lhe algo de presente, algo simples, mas muito nosso. Nós não temos muitas coisas, Don Fernando. De fato, o que temos é muito pouco. A memória é a única coisa que temos em abundância, e com ela lhe enviamos este presente que tem a virtude de não ocupar muito espaço na sua bagagem. Irá lhe servir para rir disso que alguns chamam de “morte”.

            Para trazê-lo perto de nós, vai este relato com o qual procuramos lembrar também daqueles que hoje não estão conosco, mas que estiveram antes e que tornaram possível que hoje nós estejamos aqui. Com ele, Don Fernando, você também agora é nosso. Aqui vai:

NESSE DIA ...

Para Pedro, 6 anos depois, 26 anos depois.

 

            Me lembro desse dia. O sol não caminhava direito, andava de lado. Quer dizer, ele ia sim de cá pra lá, mas andava como que de lado, assim, sem defrontar-se com aquilo que agora não me lembro como se chama, mas do qual o Sup nos falou uma vez. O sol estava frio. Bom, tudo nesse dia estava frio. Bom, nem tudo. Nós estávamos quentes. É que o sangue, e seja lá o que for que temos dentro do corpo, estava com calor. Não me lembro o que é que disse o Sup: “o zênite” ou algo assim, ou seja quando o sol chega até o ponto mais alto. Mas nesse dia, não. Melhor, ele ia pelas beiradas. Nós avançávamos do mesmo jeito. Eu já estava morto, deitado de barriga pra cima via muito bem que o sol não estava caminhando direito e que estava andando de lado. Nesse dia já estávamos todos mortos, mas, seja como for, avançávamos. Por isso, o Sup escreveu aquilo de “somos os mortos de sempre, morrendo outra vez, mas agora para viver”. Quando foi mesmo que morremos todos? Para dizer a verdade não me lembro, mas nesse dia em que o sol ia caminhando de ladinho já estávamos todos mortos. Todos e todas, porque havia também mulheres. Acho que é por isso que alguém não tem medo de morrer, porque, por si só, já está morto. Na manhã desse dia era um corre-corre de gente. Não sei se é porque começou a guerra ou porque viram tanto morto avançando, caminhando como sempre, sem rosto, sem nome. Bom, de início as pessoas corriam, mas, em seguida, já não corriam. Logo em seguida paravam e se aproximavam para ouvir o que dizíamos. Que grande acontecimento! Vi que eu estava vivo. Feito bobo ia me aproximar para ouvir o que dizia um morto! Como se pensasse que os mortos não têm nada a dizer. Estão mortos, pois. Como se o trabalho dos mortos fosse de andar por aí assustando e não falando. Lembro que na minha terra se dizia que os mortos ainda caminham, é porque têm alguma pendenga e por isso não ficam quietos. Na minha terra se dizia assim. Acho que a minha terra se chama Michoacán, mas não me lembro muito bem. Tampouco me lembro bem disso, mas acho que me chamo Pedro ou Manuel ou não sei, acho que não importa como se chama um morto, porque já está morto. Talvez tem importância como alguém se chama quando ele está vivo, mas quando já está morto não tem pra que.

            Bom, o caso é que, depois do corre-corre, toda esta gente ia se aproximando para ver o que lhe dizíamos, nós todos, os mortos que éramos. Então começamos a falar, assim como nós mortos falamos. Ou seja, conversando com calma, assim, sem muito alvoroço, como se alguém estivesse conversando com outro sobre alguma coisa e este alguém não estivesse morto e sim vivo. Não, tampouco não me lembro das palavras que falamos. Bom, um pouco sim. Tinha alguma coisa a ver com isso de que estamos mortos e em guerra.

            Havíamos tomado a cidade durante a madrugada. Ao meio-dia já estávamos preparando tudo para ir pra outra. Ao meio-dia eu já estava deitado, mas vi claramente isso de que o sol não andava direito e vi que fazia frio. Vi mas não senti, porque os mortos não sentem, mas vêem. Vi que fazia frio porque o sol estava como que apagado. Muito pálido, como se tivesse frio. Todos andavam de um lado pra outro. Eu não, eu fiquei deitado de barriga pra cima, olhando para o sol e tratando de lembrar como é que o Sup havia dito que se diz quando o sol está a pino, quando já acabou de subir e começa a deixar-se cair pra aquele lado. É como se o sol começa a ficar aflito, caminha e se esconde por trás daquela encosta. Já nem me dei conta quando o sol foi se esconder. Do jeito que eu estava eu não podia virar a cabeça, podia só olhar pra cima e, sem me virar, para o pouco que conseguia ver de um e de outro lado. Por isso, vi que o sol não caminhava direito, mas que andava de lado, como se estivesse aflito, como se estivesse com medo de defrontar-se com aquilo que agora não me lembro como o Sup disse que se chama, mas que, talvez, logo, logo, vou me lembrar.

            Acabei de lembrar agorinha mesmo porque a pedra ficou um pouco rachada e nela se produziu uma brecha parecida com a ferida de uma faca, e então pude ver o céu e o sol caminhando outra vez de lado, como naquele dia. Não pude ver outra coisa. Deitado como estou, consigo ver apenas o céu. Não têm muitas nuvens e o sol está pálido, ou seja, está fazendo frio. E então me lembrei daquele dia quando os mortos que somos começamos esta guerra para falar. Sim, para falar. Por que outra razão os mortos fariam uma guerra?

            Lhe dizia que por esta brecha se consegue ver o céu. Por ele passam helicópteros e aviões. Vão e vêm diariamente, às vezes até de noite. Eles não sabem disso, mas eu vejo eles, os vejo e os vigio. Também começo a rir. Sim, porque, no fim das contas, estes aviões e helicópteros vêm pra cá porque têm medo de nós. Sim, já sei que, por si só, os mortos assustam, mas aquilo do qual estes aviões e helicópteros têm medo é de que nós, os mortos que somos, nos colocamos de novo a caminhar. E eu não sei o porquê de tanto alvoroço, se não nos poderão fazer nada porque já estamos mortos. Mesmo assim, que nos matem. Talvez é porque querem dar-se conta e avisar a tempo aquele que os manda. Não sei. Mas sei, sim, que o medo deixa rastros e o cheiro do medo do poderoso é assim como de máquina, como de gasolina, óleo, metal, pólvora, barulho e ... e ... e de medo. Sim, o medo cheira a medo e a medo cheiram estes aviões e estes helicópteros. O ar que vem de cima cheira a medo. O debaixo não. O ar que vem debaixo deixa um rastro gostoso, como de coisas que mudam, é como se tudo melhora e se faz melhor. A esperança, a isso cheira o ar debaixo. Nós somos os debaixo. Nós e muitos como nós. Sim, pois aí está a questão: neste país os mortos cheiram a esperança.

            Através da brecha eu vejo e ouço tudo isso. Penso, e meus vizinhos concordam (sei disso porque eles me disseram), que não está certo que o sol caminhe de lado e que devemos endireitá-lo. Pois isso de caminhar assim, de lado, tudo pálido e friorento não dá. O trabalho do sol é de dar calor, não de ter frio.

            E me escolhem, pois para eles eu faço até o analista político. Veja você, eu digo que o problema deste país é que ele só tem contradições. Pois aí está que carrega um sol frio e as pessoas vivas vêem e deixam fazer como se estivessem mortas, o juiz é o criminoso e a vítima está na prisão, o mentiroso é o governo e a verdade é perseguida como doença, os estudantes estão presos e os ladrões estão soltos, o ignorante dá aula e o sábio é ignorado, quem não faz nada tem riquezas e quem trabalha nada tem, a minoria manda e a maioria obedece, quem tem muito vai ter mais ainda e quem tem pouco não tem nada, premia-se o mau e castiga-se o bom.

            Não só isso, além do mais, por aqui os mortos falam, caminham e se dedicam às suas coisas singulares como essa de tentar endireitar um sol que tem frio e, parem de olhá-lo, anda de lado sem chegar naquele ponto que não me lembro como se chama, mas que o Sup nos disse uma vez. Acho que um dia vou me lembrar.

 

- * -

 

            Bom, Don Fernando, pois que faça muitos mais e mais felizes aniversários. Receba um abraço de todas e todos nós, e um especial deste anônimo discípulo da janela que você foi e é na cultura do México. Esteja bem e não se esqueça de nós. Terá sempre um cantinho pra você na nossa memória.

            Valeu. Saúde e um dia as coisas andarão direito, pode ter certeza, os mortos as endireitarão.

           

Das montanhas do Sudeste Mexicano

 

Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

 

Carta 6.c

 

            Fevereiro de 2000.

 

            Para: Don Pablo González Casanova.

            De: Subcomandante Insurgente Marcos.

 

“Eu, que tenho uma juventude cheia de vozes,

de relâmpagos e artérias vivas,

que deitado nos meus músculos, atento a como corre

e chora o meu sangue,

a como se amontoam as minhas angústias

como mares amargos

ou como espessas pedras de desvelo,

ouço que se juntam todos os gritos

qual um bosque de estreitos corações apertados;

ouço o que dizemos ainda hoje,

tudo aquilo que ainda diremos,

na ponta dos pés, sobre os nossos graves latidos,

pela boca das árvores, pela boca da terra.

 

José Revueltas. Canto Irrevocable.

 

            Don Pablo:

 

            Todos e todas nós o saudamos. Não só por sua valente atitude em dias recentes, mas também por ela. A firme distância que você manteve diante da atitude violenta e autoritária daqueles que estão a frente do governo e da UNAM tem muito valor, sobretudo nestes tempos em que a coerência é um sarcasmo e a dignidade um mal-entendido.

            Saiba que nos enche de orgulho o ter ficado perto de você. O seu hoje nada mais é a não ser a confirmação do que tem sido a sua vida. Mesmo antes do tempo em que você se desdobrou como membro da Comissão Nacional de Intermediação, suas palavras nos ajudaram a entender esta dor que chamamos “México”. Já na CONAI, ao lado destes grandes homens e mulheres que a integravam, seu compromisso na busca de uma solução pacífica, justa e digna para a guerra era firme e por tempo integral. Li por aí que o secretário de governo e hoje candidato oficial à presidência, Francisco Labastida Ochoa, se queixou dizendo que a CONAI estava “pendendo” num dos lados. Se os “lados” eram a guerra e a paz, é óbvio que aqueles que integravam a CONAI estavam “pendendo” para o lado da paz. Tanto o bispo Samuel Ruiz Garcia, como Dona Concepción Calvillo Viuda de Nava, os poetas Oscar Oliva e Juan Bañuelos, e você, se desdobraram para alcançar a paz no sudeste mexicano da única forma pela qual é possível alcançá-la: com o respeito, com a justiça, com a dignidade, com a verdade. É claro que o senhor Labastida terá que enfrentar muitos mexicanos que, como você, estão “pendendo” para o lado das soluções pacíficas e são contra o uso da violência.

            Sua explícita e contundente violação do uso da violência para enfrentar as demandas do movimento estudantil da UNAM, só é a conseqüência lógica de quem é o que é o tempo todo. Temos certeza de que seu exemplo será seguido por outros e outras intelectuais que, a seu modo e com suas próprias formas, farão saber a quem usa a violência como argumento de governo que não o fará impunemente; e aos estudantes que hoje estão na prisão ou são perseguidos, que quem sofre uma injustiça já não está sozinho. Uns e outros terão de ouvir nossas vozes e nossos passos que, “pela boca das árvores, pela boca da terra”, dizem e dirão: liberdade e diálogo.

            Hoje em dia, apesar dos meios de comunicação eletrônica, se levanta uma onda de indignação popular para exigir a liberdade dos estudantes universitários presos e a retomada do diálogo. Liderado pelos valentes pais de família, este movimento incorpora o melhor das organizações sociais, dos partidos políticos de esquerda, dos artistas e intelectuais, dos religiosos e religiosas, das pessoas, dos universitários. Seu objetivo comum, aquele que os une, é a exigência de justiça. E esta, a justiça, não pode ser feita enquanto um único universitário permanecer atrás das grades. O melhor da esquerda partidária não só entendeu isso perfeitamente, como é um dos principais impulsionadores.

            No sentido oposto deste sentimento que se traduz em mobilização, os meios de comunicação eletrônica se lambuzam com os recursos a eles destinados pelos partidos políticos para a propaganda das campanhas eleitorais, e acreditam ter a autoridade moral e a legitimidade para converter-se, simultaneamente, em fiscal, juiz, jurado e carrasco de todo aquele que não tem um horário pago em sua programação. Don Pablo, você sofreu isso em sua própria pele e milhões de mexicanos o sofrem em seus próprios olhos e ouvidos. No limiar do século XXI, a televisão aplaude a dupla imagem do México “democrático” atual: uma universidade cheia de militares e um presídio cheio de estudantes (a intensidade da vida democrática de um país se mede pela quantidade de spots publicitários, não pelo número de presos políticos). No país da televisão, a Carta Magna não é a Constituição, e sim a grade da programação (faturem a cacofonia no horário triplo A) e não há conselheiros do IFE mais efetivos do que as direções dos noticiários.

            Seja como for, fora do horário das telenovelas, o povo (esse que não conta se não tiver um assessor de propaganda e outro de mercadotecnia) se mexeu para protestar contra a repressão, assim como você, Don Pablo. De acordo com aquilo que pudemos ver na imprensa escrita, a marcha do dia 09 de fevereiro foi a maior dos últimos tempos. O clamor era um só: liberdade para os presos políticos. Há 6 anos, em 1994 e num 12 de janeiro, teve uma grande mobilização parecida com essa.[10] Assim como hoje ela acontece por causa do movimento universitário e ontem pelo levante zapatista, o povo toma as ruas para fazer-se ouvir.

            Então, naquele janeiro de sangue e pólvora, nós tivemos que decidir como devíamos “ler” esta grande mobilização. Podíamos ter “lido” ela como uma manifestação de apoio à nossa guerra, como um aval ao caminho da luta armada que havíamos escolhido; ou podíamos ter lido ela como uma mobilização que apoiava não o nosso método (a guerra) e sim nossas reivindicações, e que se manifestava contra a repressão governamental.

            Nós estávamos isolados, voltando para as montanhas, carregando nossos mortos e feridos, preparando o próximo combate. Assim, longe, muito longe, e nessas condições, tivemos que escolher. E escolhemos “ler” que esse povo que saiu às ruas estava contra a injustiça, contra o autoritarismo, contra o racismo, contra a guerra, e estava a favor do diálogo, da paz, da justiça, da solução pacífica para as nossas demandas. Foi isso que lemos e isso marcou os nossos próximos passos.

            Hoje, o movimento estudantil universitário (e o CGH) enfrentam uma situação parecida. Aqueles que o integram podem “ler” a mobilização do dia 09 de fevereiro como uma manifestação de apoio à greve, ou como uma exigência de justiça (libertando os presos) e de diálogo. Não é a mesma coisa.

            A depender da “leitura” que for escolher, o movimento estudantil universitário terá que decidir seus próximos passos. Escolherão e o farão bem. Não estão isolados e têm a inteligência e os recursos para fazer uma leitura correta.

            Nós? Como sempre Don Pablo: a todos e todas os e as que integram o movimento estudantil universitário, a seus pais e mães, a seus professores, àqueles que os apoiam e estão perto deles, os queremos, os admiramos, vão ganhar.

            É por tudo isso que hoje, Don Pablo, o cumprimentamos. A você e a todos e todas que, como você, têm manifestado seu repúdio à entrada dos militares disfarçados de policiais (“paramilitares” em sentido estrito) no campus universitário.

            Sabemos que sua voz e seu passo se unirão também aos de todos nós que reivindicamos o que é urgente e necessário: a libertação de todos os universitários presos.

            Valeu. Saúde e que nunca renunciemos à esperança.

 

Das montanhas do Sudeste Mexicano

 

Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 

P.S. Li por aí que os estudantes presos estão pedindo que lhes mandem livros. Mandem a eles este cujo título é “A Democracia no México”. Serve tanto hoje como ontem, e é desses livros que produzem dores férteis.

 

 

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

 

Carta 6.d

 

            Fevereiro de 2000.

 

            Para: René Villanueva

            De: Subcomandante Insurgente Marcos.

 

           

            Irmão René:

 

            Por aqui ficamos sabendo que você está doente. Nestas terras, quando alguém tem um parente (porque você é um parente de todos nós zapatistas) que está doente, temos o costume de fazer com que alguém lhe ministre todos os remédios possíveis (e os impossíveis também) para que fique curado. Como estar doente é algo comum e freqüente nestas montanhas, por todos os lados há um vaivém de receitas que abundam em xaropes, chás, poções, comprimidos, vapores e, horror!, injeções (Lucha, irmã maior de todos nós, domina um variado e verdadeiro repertório medicinal que faria tremer os monopólios farmacêuticos - de nada, - Lucha, não se esqueça de pagar quando for patentear tudo isso).

           

Como você é nosso irmão, não podemos dar-lhe qualquer coisa. Muito menos se esta “coisa” é uma injeção, este sofisticado instrumento de tortura que, apesar de estarmos prestes a entrar no terceiro milênio, não tem sido proibido por nenhuma organização mundial de nenhum tipo. Por aqui, por exemplo, Olivio propôs que uma palavra de ordem para a marcha das mulheres zapatistas do próximo dia 08 de março seja “Chocolates sim, injeções não!”. Eu falei para ele que não rimava, e ele me respondeu que as injeções não rimam com nada mesmo e, ao contrário, “chocolates” rima com “brinquedos” (e lá vai Olivio tentar convencer o Mar para que coloque sua palavra de ordem na marcha das zapatistas).

 

            Não senhor, não te podemos dar injeções. Claro que tampouco podemos te dar os chocolates. Não só porque Olivio os devorou, mas também porque com certeza chegariam todos derretidos. Por isso, consultamos nosso livro especial de medicina que se chama “Remedios y Recuartos” e encontramos algo que, ainda que não te cure, com certeza não vai te deixar pior (o que nestes tempos de “medicina moderna” já é uma vantagem): um abraço! Todos e todas nós te mandamos um abraço. Pode ser aplicado a seu critério, mas não abuse senão vai acabar causando dependência e abraços como aquele que te mandamos têm muito poucos.

 

            Valeu. Não seja bobo, tome o remédio sem fazer caretas e fique curado, porque sua ausência e a de Beatriz no “Correo Ilustrado” tem feito despencar o “rating” dessa seção (é isso mesmo, já fiz uma pesquisa muuuuuuuito científica).

 

            Valeu. Saúde e não esqueça que os abraços devem ser como os olhares: amplos e limpos.

 

 

Das montanhas do Sudeste Mexicano

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Subcomandante Insurgente Marcos

 

México, fevereiro de 2000.

 



[1] PFP: Polícia Federal Preventiva.

[2] Refere-se à declaração dada em Madri pelo presidente do México Ernesto Zedillo no dia 31 de janeiro de 2000 durante uma entrevista coletiva com a imprensa,

[3] Globofóbico: refere-se à globofobia, neologismo apresentado por Zedillo durante sua intervenção na reunião da Organização Mundial do Comércio em Davos na Suíça.

[4] Refere-se a uma carta aberta divulgada no início de setembro de 1999, na qual o governo Zedillo propunha ao EZLN a retomada dos diálogos de paz suspensos desde 1996.

[5] CGH: iniciais de Conselho Geral de Greve, em espanhol.

[6] Refere-se ao número de estudantes presos durante a desocupação da Preparatória N.º 3 ocorrida no dia 01 de fevereiro deste ano.

[7] Este comunicado foi escrito quatro dias antes da ocupação da UNAM por milhares de militares e policiais de elite que prenderam mais 737 estudantes do Conselho Geral de Greve.

[8] No dia 09 de fevereiro de 1995, Zedillo apareceu na mídia anunciando que havia sido descoberta a verdadeira identidade dos dirigentes zapatistas e que já haviam sido expedidas as ordens de prisão. Com base nesta declaração, anunciada justamente no momento em que se empreendiam os esforços para o diálogo, o governo federal lançava uma ampla ofensiva militar contra as comunidades indígenas, bases de apoio do EZLN, e prendia vários civis sob a acusação de pertencerem ao EZLN e de estar preparando ações de sabotagem. Em fevereiro de 1996, o governo Zedillo assinava os Acordos de San Andrés, referentes aos Direitos Indígenas, que serviriam de base para a reforma da Constituição. Até o momento, o governo federal mexicano descumpriu o que havia acordado com o EZLN.

[9] Bolachas pra Cachorro: apelido dado pelo Subcomandante Marcos a Roberto Albores Guillén, governador de Chiapas.

[10] No dia 12 de janeiro de 1994, respondendo aos apelos que chegavam do mundo inteiro e do interior do país, dezenas de milhares de pessoas realizavam uma manifestação de protesto na Cidade do México para exigir que o governo suspendesse a ação militar contra o EZLN e buscasse uma saída política para o conflito. Encurralado, o governo do ex-presidente Carlos Salinas de Gortari era obrigado a ordenar o cessar-fogo aos destacamentos do exército que se encontravam em Chiapas e a enviar a San Cristobal de Las Casas a primeira comissão negociadora.