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Desmistificando...
As origens da dança do ventre são obscuras. Muito se pesquisa, muito se fala, mas infelizmente, muito se especula e muito se fantasia. E acaba que muitas dessas fantasias são levadas a sério e difundidas - ou por ignorância ou por marketing... Espero, com esse capítulo da nossa Página da Dança do Ventre, clarificar alguns mitos falsos que foram se perpetuando.
Uma dança milenar?
A "Dança dos Sete Véus"
Esse é, talvez, o maior e mais difundido erro quanto às origens da Dança do Ventre. Mas, por isso mesmo, o mais fácil de refutar...
Senta que lá vem a história...
A civilização que conhecemos como "Egito Antigo" começou por volta de 3000 anos antes de Cristo, e passou por muitas fases.
Foi dominada pelos Assírios em 670 a.C., que foram expulsos em 653 a.C. por Psamético I; mas pouco depois, em 525 a.C., os Persas, sob o comando de Cambises dominaram o Egito na Batalha de Pelusa. Em 332 a.C., Alexandre Magno, da Macedônia, conquistou a região, (a famosa Cleópatra, por exemplo, já não era egípcia, e sim macedônia) e em 30 a.C. os egípcios foram dominados pelo romano Augusto. O Egito ainda faria parte do Império Bizantino (395-642) e Muçulmano (642-1805).
Olha quanta coisa...
Mas, voltando... O Antigo Egito acabou, então, antes de 300 a.C.. E como era a dança antes disso? Há poucos registros, e desses poucos, o que dá pra saber é que eram danças de muita acrobacia, nada parecido com a fluidez dos movimentos da nossa dança do ventre. A língua falada por esses povos não era o árabe. Eu já ouvi coisas como "Raqs Sharq era o nome da dança do ventre no Antigo Egito, porque as sacerdotisas dançavam com o ventre virado para o sol". Já ouvi, também: "Horus, em árabe, significa 'o distante'". O idioma árabe ficou restrito à península arábica até o século VII d.C.!! Afirmações como essas têm uma discrepância histórica de mais de 1000 anos!
Outro aspecto dessa lenda sobre a dança do ventre é dizer que ela era, então, sagrada. Muito pelo contrário: é uma dança profana, com origens em danças folclóricas (do povo) e artísticas (ao sofrer influencia do ballet, por exemplo).
Em tempo: eu acredito num caráter sagrado da dança do ventre, mas não em suas origens e sim na intenção de quem dança - uma dança que "combina" com o corpo da mulher como nenhuma outra que eu conheço, que provoca percepções fantásticas na mulher que a pratica... Mas enfatizo: a dança do ventre que dançamos é uma dança étnica, árabe, e não está diretamente ligada a aspectos sagrados. É claro que nada disso impede a POSSIBILIDADE, ainda não comprovada, de algumas danças mais antigas, com características de adoração a deuses ou de cura, terem, ao longo do tempo, influenciado num processo que levou à formação da dança do ventre.
Uma associação quase imediata quando se fala em dança do ventre (principalmente para as pessoas que não têm informação nenhuma sobre essa dança), a mística ou sensual dança dos sete véus...
Creio que tudo começou com a opéra "Salomé", de Richard Strauss. A ópera é baseada em um drama de Oscar Wilde, releitura da passagem bíblica em que Salomé dança para Herodes. Na Bíblia não há *nenhuma* descrição dessa dança - aliás, na Bíblia não consta sequer o nome da filha de Herodias (que ficou mundialmente conhecida como Salomé). Então, imerso no movimento orientalista do final do século XIX e início do XX, Strauss vestiu sua Salomé com as roupas das "dançarinas orientais" (que não eram orientais, mas vedetes européias) que atuavam nos palcos do Ocidente - e ela despiu os sete véus.
A criação artística de Wilde + Strauss encantou o público, e a dança dos "Sete Véus" foi apresentada e reapresentada por várias pessoas.
Mas, além da estória de Salomé, existem outras "explicações" para essa dança:
- A representação do mito da deusa Inana (suméria) ou Ishtar (babilônica)
- A relação dos véus com os 7 chackras
Agora, vamos aos fatos... A Babilônia acabou antes de Cristo (a Suméria antes ainda); o conceito de chackras é indiano. Nem este nem aquela têm relação com a dança do ventre. Essas analogias trazem um caráter religioso e místico de outras culturas, que nada têm a ver com a dança do ventre (que eu acredito ter nascido no início do século XX, a partir da influência européia em danças folclóricas árabes - como o baladi egípcio, que, a propósito, também é uma dança profana).
Novamente, quero fazer um contra-ponto: eu considero essas estórias válidas como fonte de inspiração - tanto para a dançarina criar um clima para si ao dançar, quanto para representações artísticas. Mas devemos ficar atentas para não confundir (e não confundir o público) inspiração e criação artística com a dança do ventre (étnica, árabe).
Recomendo a leitura desse texto escrito pela Shira sobre a Dança dos Sete Véus, bem mais completo e profundo do que este meu.
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