|
||||||||||||||||
|
||||||||||||||||
|
Dança do Ventre e Parto
por: Morocco (Carolina Varga Dinicu)
texto original:
Morocco's Meanderings
tradução: Dunia Huri (Mônica Furtado)
publicado pela primeira vez (no original em inglês) em 1964 em
"Sexology", e em várias outras revistas e jornais ao longo dos
anos
Danse du ventre, ou dança do ventre, não é nada do que a sociedade ocidental pensa ser, ou seja, uma dança de sexo e sedução. Essa é uma crença errônea e ignorante, criada e reforçada por escritores de peças e filmes preguiçosos demais para pesquisar. Nem ao menos é uma dança "do ventre", já que envolve muito mais do que apenas os músculos abdominais.
A Dança Oriental, como os próprios árabes a chamam, é uma das mais antigas formas de dança, originando-se com ritos religiosos pré-bíblicos em adoração à maternidade e tendo o lado prático de preparar as mulheres para os desgastes do parto. É, assim, a mais antiga técnica de instrução para o parto natural.
Segundo Farab Firdoz, uma dançarina de Bahrein, na Arábia Saudita, a dança ainda era praticada nas partes menos ocidentalizadas de seu país na década de 50, ao redor da cama de uma mulher parindo, por um círculo de suas companheiras de tribo. Nessa forma ritualística os homens não podiam assistir. O objetivo, aqui, é hipnotizar a mulher em trabalho de parto para que repita os movimentos com seu próprio corpo. Isso facilita enormemente o parto e reduz a dor das contrações do ventre. Ajuda a mãe a mexer-se a favor, e não contra as contrações.
Infelizmente, a civilização ocidental trouxe um erotismo doente para o Oriente Médio, junto com seus avanços técnicos. Em The Dancer of Shamahka, Armen Ohanian diz:
"Então no Cairo, uma noite eu vi, com olhos incrédulos, uma de nossas danças mais sagradas degradada a uma bestialidade horrível e revoltante. É o nosso poema do mistério e da dor da maternidade, que todos os verdadeiros homens asiáticos assistem com reverência e humildade, nos cantos distantes da Ásia, onde o hálito destrutivo do Ocidente ainda não penetrou. Nessa velha Ásia, que manteve a dança em sua pureza primitiva, ela representa a maternidade, a concepção misteriosa da vida, o sofrimento e alegria com os quais uma nova alma é trazida ao mundo.
"Pode algum homem nascido de uma mulher contemplar esse assunto tão sagrado, expressado numa arte tão pura e tão ritualística como a nossa Dança Oriental, com menos do que uma profunda reverência? Tal é nossa veneração asiática pela maternidade, que há países e tribos onde as juras mais sérias são juradas sob o ventre, pois é desse cálice sagrado que a humanidade veio.
"Mas o espírito do Ocidente tocou essa dança sagrada e ela se tornou a horrível danse du ventre, a ‘hoochie-koochie’. Para mim, uma revelação nauseante de profundezas insuspeitas da bestialidade humana, para outros era... divertido. Ouvi os europeus rindo entre os dentes. Vi sorrisos lascivos até nos lábios de asiáticos, e corri."
Gerações de mães beduínas e Berber podem ter que carregar seus filhinhos não só sem o benefício de hospitais e métodos anti-sépticos modernos, mas também sem o conforto e ajuda muscular do que definitivamente é um antigo ritual popular. Isso porque até alguns árabes agora começam a ver sexo no que é simplesmente um exercício físico para uma função natural. Como conseqüência, o ritual está morrendo aos poucos.
Outros povos, entre eles os havaianos e os Maoris da Nova Zelândia, têm suas próprias danças de preparação para o parto envolvendo os músculos pélvicos e abdominais. Os havaianos tinham uma hula chamada "Ohelo", que era feita numa posição reclinada, por ambos os sexos, toda manhã. Até 1936 os Maoris ainda praticavam um exercício semelhante.
Uma pequena sub-seita dos muçulmanos Allaoui acreditam que o Messias nascerá de um homem, já que a mulher não é digna de tal honra. Por essa suposição, os homens dessa seita praticam a dança oriental como preparação para a honra que lhes será dada, algum dia, de dar à luz seu Salvador.
A idéia de que as crianças devem nascer com dor é religiosa, baseada no conceito cristão do pecado original e a pena a ser cumprida por ele. A Bíblia afirma: “Em sofrimento vós deveis parir as crianças.” Nada é dito sobre dores atrozes ou indevidas, e ainda assim a idéia de nascimentos agonizantes é posta na nossa cabeça desde as mais tenras idades de entendimento. Assim, o parto aproxima-se com corpo e músculos tensos de medo e antecipação. Ao invés de relaxar e ajudar a natureza, colocamos bloqueios em seu caminho.
A mais nova idéia em obstetrícia, hoje em dia, é preparar mulheres grávidas para a provação vindoura através de hipnotismo ou aulas de treinamento especiais. Elas agora podem ser ultra-modernas e ainda ter filho por parto normal. Os médicos recentemente descobriram que bebês nascidos dessa forma vêm ao mundo mais alertas e sem o torpor gerado pela anestesia.
O que o hipnotismo acrescenta, embora temporariamente, é a gradual remoção, através de sugestão, de todo o conceito mental de um parto dolorido. A mulher, relaxada, pode agora concentrar-se apenas em ajudar a natureza, mexendo-se com as contrações do parto.
É exatamente isso que se consegue no círculo de dança de mulheres de tribos árabes que hipnotizam a mulher em trabalho de parto, imitando seus movimentos ondulatórios da pélvis. Mas a missão delas é muito mais fácil, já que não há o medo infundado e exagerado da dor do parto em sociedades primitivas.
Quem pensaria em mandar um homem de trabalho sedentário para correr nas olimpíadas? Então porque a sociedade ocidental espera que uma mulher que nunca usou seus músculos pélvicos para algo além de segurar a cinta no lugar tenha um parto fácil, proeza que exige muito mais dos músculos do que qualquer competição atlética?
Parto requer preparo. Músculos inativos devem ser construídos pouco a pouco, passo a passo. Só precisa de um pouco de trabalho, o que certamente nunca causaria danos à mãe ou ao bebê que virá. Fortalecer os músculos também ajuda a carregar o bebê durante a gravidez e reduz em muito as estrias no abdome.
Aulas de treinamento, como cursos de Educação para o Parto oferecidos em um dos principais hospitais de Nova Iorque, tentam realizar em alguns curtos meses ou semanas o que deveria ter começado na infância: a saber, pôr em forma os músculos pélvicos utilizados na gravidez e parto e recuperar a forma e tonicidade muscular depois do nascimento.
A primeira lição na Folha de Revisão de Exercícios daquele hospital diz: "Exercícios de Concentração -- Objetivo: adquirir controle muscular de grupos de músculos. Prestar atenção a contrações fortes e relaxamento absoluto do resto do corpo."
A técnica da dança oriental é de contrair e soltar enquanto todos os outros músculos não envolvidos no movimento estão relaxados.
A aula 2 continua: "De pé, com joelhos relaxados, pés paralelos e com o peso do corpo distribuído no peito dos pé. Jogue a pélvis para cima, tencione devagar suas nádegas e músculos abdominais inferiores . . . Deitada de costas, com as pernas dobradas, faça força com as costas contra o chão, contraindo os músculos abdominais ao mesmo tempo -- relaxe."
Essa é uma posição realizada em quase toda dança oriental, em algum momento, quando, num cambrée, a cabeça encosta no chão e o corpo relaxa até que a coluna esteja no chão. Os joelhos ficam muito dobrados e os pés para fora e perto das coxas. Uma respiração rítmica devagar é seguida por uma rápida e rasa, aumentando a aceleração com as contrações, produzindo vários movimentos abdominais.
Uma das mulheres que fez essas aulas era a mulher de um famoso advogado, que conhecia a cultura turca e era mãe de gêmeos. Ela me disse que um dos movimentos que seu obstetra enfatizou foi um movimento ondulante do abdome, a velha "ondulação de barriga" árabe - o que agora chamamos de "camelo".
Foi explicado que a parte superior da onda, como o médico dela chamava o movimento, devia ser feita entre as contrações do ventre, e a parte baixa da onda, ou aproximação, devia ser feita durante a contração. Isto ajudaria, consideravelmente, a mãe a empurrar o bebê com o mínimo de desgaste de todos os órgãos internos e músculos envolvidos. Lutar contra as contrações, com medo e preocupação de pensar na dor, só tensionaria os músculos e os rasgaria, ao invés de permitir que eles estiquem suavemente durante as contrações e dilatações uterinos.
O movimento de ondulação, por si só, já não é nada fácil de aprender, pois quando feito errado só serve para esticar os músculos da barriga. Envolve a coluna lombar, pélvis, diafragma e abdome. Isto é muito difícil de descrever em palavras e deve ser demonstrado, explicado passo a passo, sentido gradualmente músculo por músculo.
Cada músculo deve ser descoberto e desenvolvido à parte, antes que o todo possa ser manipulado ao ponto de cada segundo ser perfeitamente controlado. O movimento não deve ser reto e angular, mas sim leve, circular, ondulatório.
Felizmente, o conhecimento de cultura turca da mulher que mencionei deu a ela um conhecimento maior sobre a Dança Oriental do que o de uma leiga, e portanto um maior conhecimento e controle dos músculos pélvicos. Conseqüentemente, ela aprendeu todos os exercícios mais rápido e com mais facilidade que a mulher comum feita por uma sociedade que só está descobrindo seus quadris através de algumas das novas danças latinas e sociais.
Esses são músculos que têm sido usados por quase todo árabe e turco (e muitos outros) desde a infância, na execução de algumas de suas danças folclóricas: vulgar e erradamente conhecida na sociedade ocidental por danse du ventre ou, pior ainda, belly dance ("dança da barriga").
Dança do Leste > Biblioteca da Dança > Artigos > Dança do Ventre e Parto