Parte
II
Humanismo e Renascimento
Capítulo
1
O Renascimento
Para a mentalidade medieval, a desigualdade proporcional era um
bem e não uma injustiça, pois era baseada não no amor
próprio, mas na humildade de reconhecer as carências individuais
de cada um e a superioridade de outros. De maneira que a regra é
a admiração às superioridades de cada um (pois cada
pessoa representa em si algo da perfeição de Deus, e representa
esta perfeição melhor do que qualquer outra). Em se admirando,
algo daquilo a que se admira passa para quem admira, e assim sucessivamente,
existe uma constante progressão social para o mais alto, para o
mais belo, para o mais perfeito. A função da elite é,
pois, a de elevar constantemente a sociedade e não, como querem
os socialistas, oprimir e destruir.
Com o advento do Renascimento, esta "atitude de alma" admirativa,
gradativamente, vai se transformando em inveja; e do ideal de desigualdades
harmônicas, passa-se a uma busca constante de igualdade e liberdade.
Igualdade fruto do orgulho que não aceita superioridade. Liberdade
que não aceita a imposição de regras sociais e morais,
que, segundo os revolucionários, aprisionariam o homem . Da união
destes dois princípios revolucionários, somos todos iguais
e livres, surge a fraternidade ecumênica e niveladora, onde a verdade
é subjetiva e a moral apenas social (pelo menos até o advento
das chamadas sociedades alternativas, que praticamente preceituam a inexistência
da moral).
"A partir do século XIV, começam a surgir fissuras no
grandioso edifício da Idade Média: uma gradual e profunda
mudança de mentalidade começa a se operar na Cristandade."
Essa mudança não ocorreu - principalmente, pelo
menos - de forma explícita ainda no Renascimento, a transformação
foi muito mais tendencial do que ideológica.
Capítulo
2
A Revolução Tendencial
Segundo o já citado pensador católico brasileiro,
Plinio Corrêa de Oliveira, em seu livro, Revolução
e Contra-Revolução:
"No século XIV começa a observar-se na Europa cristã,
uma transformação de mentalidade que ao longo do século
XV cresce cada vez mais em nitidez. (...) Este novo estado de alma continha
um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem
de coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos
XII e XIII".
"Subrepticiamente, Nosso Senhor foi sendo afastado como guia e inspirador
da vida social. Embora ainda não negado frontalmente, Seu papel
na vida cotidianaa foi-se desvanecendo. Tendo decaído o amor à
Cruz, foi arrefecendo na alma do homem do fim da Idade Média a aspiração
ao heroísmo, ao sacrifício e ao desprendimento. Os espíritos
foram-se deixando levar pelo desejo dos prazeres terrenos, pela fantasia
e pelos sofistas".
Paul Faure, historiador e escritor francês, aponta sinais
da modificação progressiva do espírito medieval:
"Cada vez mais se descobrem no século XIV sinais do espírito
novo. É-se sensível aos contrastes de uma vasta cultura sem
ordem nem regras, muito diferente neste ponto da unidade cristã,
tal como a tinha sonhado a Idade Média. (...)
Discernem-se aí, na literatura, na filosofia, nas artes, etc.,
uma corrente racionalista e crítica e uma corrente metafísica
e mística; uma corrente de ascese e de austeridade e uma corrente
de indulgência e de leviandade; muita fé e muito ceticismo.
(...)
Entretanto, a Renascença tem esta unidade: a que é assegurada
por um amor extremo da independência em todas as sua formas. A procura
e o culto da riqueza; o individualismo artístico ou religioso, o
nacionalismo; a curiosidade erudita; o recurso aos textos que se libertam
da glosa, do rito ou da rotina; o amor ao luxo e à carne;
em suma, à vida, são manifestações diversas
deste único espírito de liberdade. (...)
Os costumes mudam, isto é, a maneira de viver, mas também
as de pensar e de crer. Em princípio, na Idade Média, a autoridade
da Igreja se exerce em todos os domínios. Ela é a primeira
classe da sociedade, ou melhor, é a própria sociedade, representada
e conduzida por seus sacerdotes. (...) Ela ignora as fronteiras. Utiliza
uma língua internacional, o latim evoluído da Idade Média".
Essas tendências se acentuaram no século XV e produziram
profunda metamorfose nos espíritos, conforme assinala o renomado
historiador dos Papas, Ludwig Von Pastor:
"O século XV, principalmente em sua segunda metade, e o começo
do XVI, foram para a Europa em geral, e particularmente para a Itália,
uma época de transição dos antigos modos de ser para
outra disposição de coisas totalmente diversa.
Em todos os campos da vida operou-se uma profunda transformação,
na qual se manifestaram os mais rudes contrastes, de modo que o político
e o social, a literatura e a arte, e os próprios assuntos eclesiásticos,
achavam-se em estado de fermentação que pressagiava a aurora
de um novo período".
Na História da Humanidade, continua Pastor, depois da época
em que se realizou a transformação do antigo mundo pagão
numa sociedade cristã, não existe outro período mais
digno de consideração do que aquele em que se verifica a
passagem da Idade Média para a Moderna.
Um dos mais poderosos fatores desse período, repleto dos mais
acentuados contrastes, foi o profundo e amplo estudo das coisas antigas,
que se costuma designar com o nome de Renascimento da Antigüidade
clássica."
Essa transformação foi realizada paulatinamente
e de um modo quase imperceptível, como ressalta o historiador alemão
Wilhelm Oncken (1838-1905):
"A passagem da Idade Média para a Moderna se realiza de modo
tão paulatino e imperceptível, que não se pode fixar
exatamente este período da história, menos ainda assinalar
um fato determinado como ponto divisório entre as duas idades.(...)
[A fase final da Idade Média] deverá ser dividida em
períodos de caráter diferente e de tendências inteiramente
opostas.
As mais importantes destas tendências são aquelas que
se propunham despojar-se do espírito e das idéias da Idade
Média, e colocar-se, em troca, em contato com as manifestações
intelectuais e artísticas da Antigüidade".
Com o Renascimento começa um lento abandono da austeridade
medieval e uma alucinada procura dos prazeres, como no caso da corte dos
Valois. Bruxarias, cabalas, cortesãs que aparecem com um obscuro
mundo de feitiçarias e bruxedos, a arte começa a se paganizar
e a buscar cada vez mais o culto do corpo humano, etc.
Vários tipos humanos podem ser colocados como símbolos
da Renascença, entre eles citamos, por exemplo, Francisco I , o
Papa Júlio II, Cosme de Médicis, etc.
A isso se soma a decadência do clero e o aparecimento
de uma série de movimentos paralelos, como os legistas no campo
político e jurídico, os trovadores nas artes, a literatura
sentimental e amorosa...
No nível filosófico, diversas foram as doutrinas
que eclodiram. A principal foi o Nominalismo, que tentava quebrar certos
pressupostos da escolástica, como a "união objetiva" entre
o sujeito e o objeto.
Desta forma, a Renascença foi quebrando a base de sustentação
da Idade Média, que era, sobretudo, hierárquica, austera
e sacral.
Capítulo
3
Petrarca, Mestre dos Humanistas, Arauto da "Consciência
Moderna"
Francisco Petrarca, poeta e escritor, nasceu em Arezzo em 20 de
julho de 1304 de Petracco e Eletta Canigiani; morreu em Acqua sui Colli
Euganci em 19 de julho de 1374.
Petrarca pode ser considerado o mestre do Humanismo, enquanto
soube traduzir em forma clara certas intuições presentes
no pré-Humanismo de Albertino Mussato, Ferreto de Ferreti e outros,
aprofundando-as notavelmente no seu conteúdo ideal.
Ele, com efeito, viu nos Studia humanitatis ["Estudos de humanidades"]
não uma orientação cultural e filológica, um
fim em si mesmo ou um retorno ideal ao passado, mas um instrumento eficacíssimo
e uma nova força espiritual para criar uma nova cultura e uma nova
concepção de vida.
O culto da antigüidade clássica não é
mais unicamente amor e interesse vivíssimo por uma poesia e por
um mundo historicamente circunscrito, nem só ânsia de ampliar
e de aprofundar o patrimônio cultural; é sobretudo a crítica
e o julgamento da Idade Média, e a descoberta, numa formulação
inicial, das linhas ideológicas e programáticas da consciência
moderna.
Capítulo
4
A Cavalaria Medieval, Um Estudo de Caso
"A Cavalaria, outrora uma das mais altas expressões da austeridade
cristã, se torna amorosa e sentimental, a literatura de amor invade
todos os países, os excessos de luxo e a conseqüente avidez
de lucros se estendem por todas as classes sociais".
O ideal religioso e temporal do homem medieval estava em larga
medida consubstanciado na Cavalaria. As noções de piedade,
sacralidade, honra, combatividade a serviço do Bem, encontravam
no Cavaleiro sua personificação. Ele era antes de tudo o
defensor da Fé, o gládio a serviço da Igreja contra
hereges e infiéis.
O cavaleiro medieval era, sobretudo, o leal vassalo que prestava
submissão ao seu senhor e por ele combatia. O lema do brasão
de um nobre espanhol, o Duque de Tebas, bem exprime esse ideal: "Meu Rei,
mais do que meu sangue".
O historiador flamengo Johan Huizinga apresenta alguns traços
da concepção que o homem medieval fazia da Cavalaria:
"O pensamento medieval estava na generalidade saturado das concepções
da fé cristã. De igual modo, e numa esfera mais limitada,
o pensamento de todos aqueles que viviam nos círculos da corte ou
dos castelos estava impregnado do ideal da cavalaria. (...)
Esta concepção tende mesmo a invadir o domínio
do transcendente. O feito de armas primordial de São Miguel Arcanjo
é glorificado por Jean Molinet como "o maior feito de cavalaria
e das proezas cavalheirescas jamais realizado". Foi do arcanjo que "a cavalaria
terrestre e as proezas cavalheirescas" extraíram a sua origem, e
por isso imitam as hostes angélicas em volta do trono de Deus".
Um conhecido compêndio católico de História
Universal apresenta outros aspectos da Cavalaria, em seu período
de esplendor na Idade Média:
"Essa associação guerreira, espécie de sacerdócio
militar, era assim chamada porque os nobres só combatiam a cavalo.
Já aos sete anos de idade, o futuro cavaleiro deixava o castelo
paterno e entrava no serviço do senhor suserano. Estudava o manejo
da lança e o da espada, tornando-se sucessivamente pequeno vassalo,
pequeno senhor, pagem, escudeiro, enfim aos vinte anos era feito cavaleiro.
O senhor lhe impunha o gládio e lhe dava o abraço. Depois
batia-lhe três vezes no ombro dizendo: "Eu te faço cavaleiro
em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, de São Miguel
e de São Jorge. Sê valente, destemido e leal".
Um torneio encerrava de ordinário a cerimônia. A Cavalaria
gerou uma pléiade de heróis católicos; veio a ser
um como vínculo de parentesco e de honra entre os povos do Ocidente."
Mas as novas doutrinas em voga investiram contra a Cavalaria,
que não soube defender-se como nos campos de batalha. O texto seguinte
é do escritor francês Puy de Clichamps:
"O cavaleiro que deseja continuar a ser campeão dos combates
singulares que compunham a guerra, terá apenas o pálido derivativo
numa coisa semelhante: os torneios. (...)
Mas, também aí, onde está o velho ideal cavalheiresco,
que era servir a Deus, à Igreja e àqueles a quem a desgraça
perseguir? E, se não estiver totalmente esquecida, já não
está muito na moda a velha oração, rezada no dia da
investidura de armas, sobre a espada nova:
"Que o teu servo não se sirva nunca dessa espada... para lesar
impunemente alguém, mas que se sirva dela para defender a justiça
e o direito".
A Cavalaria tornou-se apenas uma palavra. (...)
A lenta pacificação dos reinos tinha dado lugar, além
da formação e promoção da burguesia, ao início
de uma nova força: a mulher. (...)
À falta de poderem lançar-se ao assalto uns aos outros,
os cavaleiros, entre dois torneios disputados, de resto, sob o olhar da
castelã, tentarão tudo para obter de sua dama uma fita, uma
manga ou um anel. A Cavalaria submeteu-se de tal maneira ao poder feminino
que podemos ver em canções de gesta, como "Doon de Mayence"
(século XIII) ou "Gaufrey" (século XIII), mulheres armarem
cavaleiros aos seus pretendentes. (...) Assim pode ler-se no "Joudain de
Blaivies" (século XIII):
‘E a jovem traz-lhe a espada/ Ela própria lha coloca à
cinta. (...) Agora dá-lhe a "colée"/ ‘Sede cavaleiro, diz
a dama de gentil figura/ Que Deus te conceda honra e coragem/ e se tiverdes
vontade de um beijo/ tomai esse e outros também/ Então Jourdain
diz: "Obrigado lhe digo cem vezes". / Beija-a por três vezes (...)"
A cena, que pode parecer infantil à primeira vista, é
encantadora, até talvez demasiadamente encantadora e transparece
dela uma ironia apenas camuflada que ridiculariza um pouco o apaixonado
cavaleiro. Hércules fiando aos pés de Onfala faz pelo menos
sorrir.
Mas podemos verificar que mais uma vez estamos bem longe da sólida
virilidade da primeira Cavalaria. Esta intromissão da mulher na
velha instituição guerreira é sinal (...) de que a
instituição perdeu a força - um sinal e em parte uma
das causas dessa perda de força".
Debilitado o espírito de abnegação, a Cavalaria
transformou-se gradualmente numa indigna caricatura de si mesma. Os romances
que escolheram a Cavalaria como tema exprimem bem essa transformação:
já não é por Deus e pelos desvalidos que luta o cavaleiro,
mas pelos belos olhos de uma dama... Abel Lefranc descreve o triste sucesso
do protótipo desses romances, o "Amadis de Gaule":
"Dentre os romances de cavalaria o que conheceu uma mais firme e duradoura
aceitação, (...) foi certamente o ‘Amadis de Gaule’.
‘Amadis’ é filho de Périon, fabuloso rei da Gália,
e da bela Elisène, filha de Garinter, rei da pequena Bretanha. A
dama dos seus pensamentos é Oriana, filha do rei da Dinamarca. Para
obter a sua mão, trava combates sem conta, através dos quais
se cobre de glória. Arrisca-se, diversas vezes, a perder para sempre
aquela que ama, mas sua coragem e constância triunfam de todos os
obstáculos. Vencedor de tantas provas, torna-se finalmente o esposo
de Oriana.
De 1540 a 1556, aparecem doze livros de ‘Amadis’, em igual número
de volumes in-fólio [formato de um livro, no qual a folha de impressão
é dobrada apenas em duas e não forma por conseguinte senão
quatro páginas], com numerosas e notáveis gravuras em madeira.
Todos estes belos volumes cedo foram reimpressos, alguns deles mesmo várias
vezes. (...)
Enfim, de 1561 a 1615 foram publicados, (...) traduções
francesas de romances espanhóis ou romances compostos em francês
imitando o ‘Amadis’.
Esta simples enumeração, que não abarca as numerosíssimas
reimpressões das edições citadas, permite fazer uma
idéia da prodigiosa difusão das diversas partes do romance
e das seqüências que lhe foram dadas em italiano, alemão,
inglês, holandês e até em hebraico. (...)
Desde o início, foi imenso o sucesso desta obra. A versão
francesa do ‘Amadis’ penetrou em toda parte, na corte, nos meios aristocráticos
e burgueses e até nos conventos. Durante um longo período,
tornou-se o código da cavalaria, o "breviário" mundano, um
verdadeiro livro de cabeceira para uma infinidade de leitores e leitoras,
que ele seduziu e encantou. (...)
Mas não devemos esperar encontrar ali um modelo de virtudes,
muito menos de austeridade, nem sequer uma disciplina moral: os costumes
revelam-se bastante fáceis e as personagens não opõem
grande resistência ao ímpeto das paixões amorosas.
Nenhum outro romance parece ter exercido tamanha influência sobre
a sensibilidade e a imaginação dos homens da época
durante quase meio século. Os contemporâneos de Francisco
I e de Henrique II aprenderam nestes livros a pensar e a sentir de uma
outra maneira.
Como refere ainda Bourciez, ‘sendo embora este romance, menos o espelho
em que se reflete uma geração do que o modelo por ela seguido,
nem por isso deixa de existir entre ambos certa conformidade. Neste sentido,
o ‘Amadis’ é, pois, um documento".
Pari passu com os romances de Cavalaria, outra influência
deletéria corrompe os costumes: a poesia cortês dos trovadores
provençais . Semelhante literatura, túmida de sentimentalismo,
abre caminho para a literatura "erótico-espiritual". Esse processo
é descrito pelo historiador flamengo Johan Huizinga:
"Quando, no século XII, o desejo insatisfeito foi colocado pelos
‘Trovadores da Provença’ no centro da concepção poética
do amor, deu-se uma virada importante na história da civilização.
A Antigüidade também tinha cantado os sofrimentos do amor,
mas, nunca os tinha concebido como esperanças de felicidade ou como
frustrações lamentáveis dela. (...)
A poesia cortês, por outro lado, faz do próprio desejo
o motivo essencial e cria assim uma concepção do amor com
uma nota de fundo negativo. (...) O amor tornou-se então terreno
onde todas as perfeições morais e culturais floresceram.
Devido a este amor o amante cortesão é puro e virtuoso. O
elemento espiritual domina cada vez mais até os fins do século
XIII, o ‘dolce stil nuovo’ de Dante e dos seus amigos termina por atribuir
ao amor o dom de provocar um estado de piedade e santa intuição.
Atingiu-se um ponto extremo.
Não tarda que o sistema artificial do amor cortesão seja
abandonado, e as suas sutis distinções não serão
renovadas quando o platonismo do Renascimento, já latente na concepção
cortesã, der lugar a novas formas de poesia erótica com uma
tendência espiritual.
O ‘Roman de la Rose’ (...) começado antes de 1240 por Guillaume
de Lourris, estava completo, antes de 1280, por Jean Chopinel. Poucos livros
têm exercido uma influência mais profunda e duradoura na vida
dum período do que o ‘Roman de la Rose’. A sua popularidade durou
pelo menos dois séculos. Ele determinou a concepção
aristocrática do amor dos fins da Idade Média. Em virtude
do seu alcance enciclopédico tornou-se o manancial de onde a sociedade
laica tirou a melhor parte de sua erudição. (...)
É surpreendente que a Igreja, que tão rigorosamente reprimiu
os mais leves desvios do dogma em casos de caráter especulativo,
permitisse que o ensino deste breviário da aristocracia fosse disseminado
impunemente."
Influenciada pelo clima geral de decadência, a Cavalaria
torna-se uma instituição mundana. As proezas em defesa da
Fé já não são seu principal objetivo. Os torneios
e as exibições vaidosas ocupam agora lugar preponderante.
A libertação da Terra Santa é substituída pela
conquista amorosa de uma dama...
"Que seria do jovem nobre, ao receber o cavalo e a lança, sem
a Cavalaria? Um soldado mais afortunado ou menos, mais sanguinário
ou menos... A Igreja soube transformar um ato puramente militar e feudal
num ato religioso. Ela disse aos bárbaros do século IX: ‘Regulai
vossa coragem’. Eles a regulam e sua selvajeria pouco a pouco se tornou
proeza. ‘Não há cavaleiro sem proeza’, diz um velho provérbio.
Todas as outras virtudes virão depois e se darão as mãos:
lealdade, liberalidade, moderação, cortesia e honra, que
a tudo coroa; toda a cavalaria está contida nestas seis palavras.
O cavaleiro autêntico é já um eleito, mas em toda a
sua vida deve merecer a felicidade futura, lutando duramente contra si
mesmo e contra os outros. Tudo pode estar perdido para ele, exceto a honra
e a eternidade..."
Capítulo
5
Formação da Mentalidade Antropocêntrica
"Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras
manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas
e vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições
fátuas de erudição, e lisonjeou velhas tendências
filosóficas, das quais triunfara a Escolástica, e que já
agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé, renasciam
em aspectos novos.
"O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em ânsia.
As diversões se vão tornando mais freqüentes e mais
suntuosas. Os homens se preocupam sempre mais com elas.
Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo
crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai
produzindo progressivas manifestações de sensualidade e moleza.
Há um paulatino deperecimento da seriedade e da austeridade
dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao festivo."
O historiador já citado, Wilhelm Oncken - aliás
protestante -, aponta as características da civilização
moderna, surgida com o Renascimento:
Esta civilização, nascida na Itália, que desde
o século XIII se tinha colocado à frente do progresso intelectual
(cuja liderança tinha sido exercida até então pela
França), recebeu o nome de Renascimento; na realidade não
foi nenhum renascimento da Antigüidade clássica como o teriam
desejado seus adeptos mais ardentes, mas tão-só a transição
da sociedade para um estado intelectual, social e político inteiramente
novo. Com a transformação da Cristandade em vários
estados políticos modernos, o Cristianismo parecia transformar-se
em um estado intelectual que cifrava sua religião, não tanto
na fé na divindade, como na fé na humanidade. (...)
Aquela civilização moderna, no seu verdadeiro fundo,
não tinha afinidade com a essência do Cristianismo, nem nada
que ver com os ideais da Igreja na Idade Média."
Desta forma, a mentalidade medieval - sobretudo de austeridade,
sacrifício e seriedade - começa, primeiramente no nível
tendencial, a ser transformada. Da busca incessante da glória de
Deus, o ser humano passa a procurar a sua glória; do sacrifício,
começa-se, paulatinamente, a buscar-se o gozo; da seriedade medieval,
chega-se ao riso renascentista, etc. Toda a civilização é
transformada em seus costumes.
Surgem, no contexto das novas tendências, diversas teorias.
Cada uma, a seu modo, começa a demolir os pressupostos transcendentes
e naturais da Idade Média. A vida não mais foi feita para
o heroísmo e para a santidade, mas para o prazer. A felicidade não
está em servir a Deus e ao seu rei, mas no prazer e nos divertimentos
da vida.
O entusiasmo pela religião esfria, a admiração
cede lugar às questões pessoais, a Cruz perde o seu significado.
Enfim, o homem Renascentista não entende mais a transcendência
que a Idade Média conferia à vida.
A arte, antes tendo como objeto a sacralidade, passa a retratar
o cotidiano da vida humana.
"Antes, [na Idade Média], conhecer significava apreender a essência
das coisas, chegar até elas como se chega ao pensamento divino.
Agora [na Idade Moderna], porém, o conhecimento liga-se intimamente
à produção: a procura das leis da natureza é
feita em função do seu aproveitamento para satisfazer às
necessidades do homem. Procura-se conhecer a movimentação
das águas e os ventos para se construir navios; investiga-se a lei
do movimento dos corpos para a produção de máquinas
de trabalho e de guerra.
A ciência liga-se definitivamente à técnica, passando
da mera contemplação da essência das coisas para a
intervenção direta na natureza.
A arte, de simbólica, passa a ser representativa, já
que a presença de Deus não é mais a única imagem
digna de ser figurada. (...)
O que importa, agora, é criar a ilusão de um mundo imaginário
que, de repente, adquire vida própria. Em lugar de se justaporem
uns aos outros, os personagens e as cenas subordinam-se ao tema central.
Tudo passa a girar em torno da criação e de um universo imaginário,
paralelo ao mundo cotidiano, que revela, porém, sua essência
e a maneira peculiar pela qual o artista o percebe, vê e analisa.
(...)
O Cristianismo sempre professara a criação do homem à
imagem e semelhança de Deus; mas, a partir do Renascimento, a ênfase
é dada muito mais à imagem do que ao próprio original.
Esse processo foi denominado Humanismo. Nos primeiros tempos, os humanistas
eram eruditos que transferiram os métodos de interpretação
da Bíblia para os textos greco-latinos, mantendo a mesma posição
servil diante da palavra escrita. Logo, porém, percebem a insistência
com que os gregos representavam sues deuses sob formas humanas, o valor
que conferiam aos acontecimentos da vida eterna e a atitude racionalista
com a qual tratavam esses episódios; encontram, assim, os padrões
nos quais puderam projetar seus próprios ideais de racionalidade
e de solidariedade humana. É com esse espírito que o artista
do Renascimento procura, na Antigüidade, os temas para a literatura
e as formas para a escultura e a pintura" .
Retratando mais os valores da vida humana - naturalmente falando
- do que os da sacralidade medieval - sobrenatural em sua essência,
os humanistas quebraram os costumes medievais. Mas não quebraram
apenas os costumes, houve uma verdadeira Revolução em todos
os campos da sociedade. O homem renascentista não podia mais entender
a civilização medieval, não podia mais compreender
a finalidade medieval da vida.
Do Renascimento ouve-se o grito, no começo surdo, do
Protestantismo: "Cristo sim, Igreja não". Na Revolução
Francesa o brado que se ouve é outro: "Deus sim, Cristo não".
Durante o Comunismo, alardeia-se a "nova" "moral": "Deus não existe".
Chega-se à Pós-modernidade, quando em 1968, na Sorbonne,
se diz: "Se Deus existir, é preciso matá-lo".
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