Parte
III - a Metafísica da Revolução
(continuação)
Capítulo
3
Parmênides, Heráclito e Aristóteles
A Questão do Ser
Toda a questão da objetividade do conhecimento, assim como
toda a conseqüência disso resultante, tanto para a modernidade
como - e sobretudo - para a Pós-modernidade, pode ser resumida na
compreensão de um problema metafísico já muito antigo:
O Ser.
Desde as filosofias orientais, gnósticas em sua essência,
como mesmo as doutrinas gregas de Parmênides e Heráclito,
possuem uma identidade que remonta à natureza do conhecimento e
à percepção do ser enquanto Ser.
A) A Escola
de Eléia (Parmênides e Zenão)
Resumidamente, essa escola filosófica debatia o problema
da possibilidade do ser real[ontológico], pois parecia-lhes impossível
a multiplicidade e a transformação do Ser.
Assim se exprime o sintético, mas brilhante, Prof. Menna
Barreto:
"Revelam os sentidos a existência de seres múltiplos e
em constante transformação. Ora, a multiplicidade do ‘ser’
e a sua transformação parecem, à luz da razão,
absurdas. Como é possível a existência do ‘ser real’
múltiplo e mutável?
Foi feito o seguinte raciocínio:
1º A respeito da aparente multiplicidade e diversidade dos seres.
Se os seres são múltiplos e diversos, devem diferenciar-se
entre si. Não se diferenciam, enquanto seres, pois todos são
seres. Logo só podem diferenciar-se por meio de algo estranho à
noção de ser (que não seja ser). Ora, nada há
estranho à noção de ser [ainda não havia o
‘não ser’]. Logo os seres não se diferenciam nem são
múltiplos. A multiplicidade é, pois, uma ilusão dos
sentidos. O ser é único (=monismo e panteísmo).
2º A respeito da aparente transformação do ser.
O que se transforma, anteriormente, ou era ou não era. Se era,
não se transformou. Se não era, nada era. Ora, do nada, nada
surge. Logo, o ser é imutável. As transformações
são, pois, impossíveis; são ilusões dos sentidos.
Na Escola Eleática, diante do dilema entre os sentidos
e a razão, os dados dos sentidos foram negligenciados em favor da
primazia absoluta conferida à razão humana (=racionalismo),
concluindo-se, logicamente, que o ser é único e imutável.
Assim se exprimiram Parmênides e Zenão, zombando inclusive
do caráter ilusório da experiência dos sentidos."
Em outras palavras, não é possível haver
a diferenciação dos seres, sob pena de ferir a identidade
do Ser. Se os meus sentidos constatam a diversidade dos seres, mas a razão
nega a multiplicidade e a transformação, deve-se dar primazia
à razão e negar os sentidos.
Da mesma forma com que a escola de Eléia nega a objetividade
do conhecimento constatado, o movimento "New Age" diz ser a realidade exterior
ao homem uma ilusão (maya). Em ambos os casos, o que vemos é
apenas o fenômeno (a realidade em nós), que se diferenciaria
do numeno (a realidade em si mesma, ontológica).
B) A Escola
de Éfeso (sec. V a.c.)
Continua o Prof. Menna Barreto:
"Em Éfeso, Heráclito, dando primazia absoluta à
experiência dos sentidos (=empirismo), conclui pelo puro devir, negando
ao ser toda a imobilidade e unidade. (...)
A razão parecia fundamentar o ponto de vista de Parmênides.
A experiência, porém, favorecia a posição de
Heráclito. (...)
Assim, aconteceu com as primeiras elaborações metafísicas.
As explicações propostas tanto por Parmênides
quanto por Heráclito e seus discípulos não foram consideradas
satisfatórias. Antes, pelo contrário, levaram as mentes a
um grave impasse.
De fato, se a multiplicidade e as transformações são
um engano dos sentidos (como explicou Parmênides) ou então,
se o ‘ser’ é puro devir, ainda que contraditório (como afirmou
Heráclito), a única conclusão lógica será
negarmos a capacidade de a mente atingir o real (Protágoras). Em
uma palavra, o mundo todo é uma ilusão (Górgias),
e o desejo de compreender o que nos cerca e conhecer-nos a nós mesmos
não passa de uma triste veleidade, porque esse mesmo desejo é
sina da contradição do nosso ser".
Logo, a mente não consegue afirmar nada sobre algo que
mude (Parmênides) e que tenha identidade (Heráclito). Em um,
não existe mudança, só identidade (unidade e imutabilidade);
em outro, não existe identidade, só há mudança
(tudo é puro devir).
C) Aristóteles
Antes de mais nada, a filosofia, segundo ainda o Prof. Menna
Barreto, "é (1º) um conhecimento racional, (2º) das coisas
existentes".
Aristóteles, aliando a experiência dos sentidos
à evidência da razão, resolveu a questão da
multiplicidade e identidade do ser. Sem negar a objetividade do conhecimento,
elaborou a doutrina do "ato e potência", bem como a da "causalidade".
Doutrina esta retomada na Idade Média.
Segundo Aristóteles, o Ser mutável é composto
e causado.
"A solução proposta por Aristóteles passou para
a História da Filosofia sob o nome de "doutrina do ato e da potência".
A doutrina ‘do ato e da potência’ foi aplicada para explicar
a composição dos seres corpóreos, sendo identificada
a matéria (gr. húle) como o princípio potencial dos
seres materiais ou corpóreos: e a forma (gr. morphé), como
o princípio atual. O hilemorfismo (como passou a chamar-se a doutrina
do ‘ato e potência’) constitui o núcleo da metafísica
aristotélica, junto com a decorrente doutrina da causalidade."
Em outras palavras, os seres são compostos de dois princípios
metafísicos distintos: potência e ato. Uma transformação
não significa ausência de identidade, mas uma mudança
operada dentro de um mesmo ser, transformado de potência em ato.
Capítulo
4
O Imanentismo,
Conseqüência do Antropocêntrismo
Deus, diria um medieval, Senhor dos senhores, Rei dos reis, eterno
e imutável; superior a toda a criatura e centro do universo, é
substituído. O próprio nome indica: Antropocentrismo. Já
não é mais Deus o centro, e sim o próprio homem. A
criatura se faz criador...
A admiração desaparece em meio a disputas individuais,
a Cavalaria torna-se amorosa, a desigualdade é então inaceitável.
A sociedade austera e sacral da Idade Média parece, aos olhos do
homem renascentista, insuportável e rígida em suas regras
e normas, sobretudo morais. A busca da diversão lírica e
risonha da vida não pode se conter em uma sociedade sustentada pela
seriedade, austeridade, sacralidade, enfim, pela hierarquia transcendente
e divina que tem sua origem e fundamento em Deus. A ordem teocêntrica
começa a ruir...
A austeridade, a sacralidade, a seriedade, a moral, etc, nada
mais são do que as conseqüências axiológicas de
uma mentalidade hierárquica. Uma hierarquia baseada na supremacia
absoluta de Deus; uma hierarquia que remonta à origem e finalidade
do homem; uma concepção de vida que busca a salvação
eterna e não o gozo momentâneo.
A própria existência de uma verdade absoluta só
é possível em uma visão hierárquica, onde todos
devem reconhecê-la e se subordinar a ela. A existência de Deus
- entendido como os medievais, ou seja, um Deus transcendente -, por sua
vez, tem como efeito a objetividade dos conhecimentos, na medida em que
Ele, um ser exterior e independente dos homens, é o referencial
último do juízo de verdade. Por outro lado, se o homem é
o centro, a própria objetividade dos conhecimentos começa
a ser negada, pois o referencial deixa de ser hierárquico e exterior,
para se tornar individual, imanente.
Esses pólos, contudo, existem como um "tipo ideal"
de duas ordens distintas. Eles não se consolidaram na história
(pelo menos até o presente momento) . Mas servem como referencial
de duas mentalidades distintas, que formam duas cosmo-visões históricas:
uma tendendo ao desaparecimento e outra em ascensão.
Ou seja, estas duas cosmologias servem como paradigmas . Assim
como a "Cidade de Deus" e a "Cidade do Demônio" de Santo Agostinho,
tanto o teocentrismo quanto o antropocentrismo podem ocorrer ao mesmo tempo
e no mesmo local. O princípio que governa esses dois pólos
ou essas duas cidades não é físico ou temporal. De
forma que é possível haver, mesmo em uma pessoa, resquícios
de teocentrismo em um universo de antropocentrismo.
A hierarquia pressupõe um criador, pressupõe a
existência de alguém que, além de superior pela condição
de criador, também tenha, como conseqüência necessária
de seu existir superior, criado a hierarquia. A hierarquia nada mais é,
para o medieval, do que uma escada que leva a criatura até o criador,
de forma que cada superior seja o reflexo de algo de Deus para os seus
inferiores. Dessa forma, sucessivamente de criatura a criatura, de hierarquia
a hierarquia, chega-se ao conhecimento e à glória de Deus.
A própria existência de um Deus criador, tem como
pressuposto a existência da criação. Quando se nega
a objetividade dos conhecimentos constatados, nega-se o pressuposto básico
da criação, que é a existência objetiva do mundo
(independente do sujeito observador, pois o referencial é o Criador)
.
Quando o é o sujeito que observa, a única certeza
possível é a da existência do próprio sujeito.
Tudo à sua volta deve ser demonstrado, provado, etc.
O antropocentrismo, portanto, é um efeito e uma causa
do igualitarismo como fator de mudança histórica. A igualdade
leva, necessariamente, à negação de um Deus criador
e superior, com todas as conseqüências desta premissa.
É importante deixar claro que o fato de se acreditar
em Deus não revela, por si só, uma concepção
teocêntrica de universo. O ato de crer em Deus tanto pode ser antropocêntrico
como teocêntrico. A diferença entre os dois, na concepção
deste trabalho, baseia-se na perspectiva moral da hierarquia e não
no ato de crer. Mesmo porque, com a radicalização do antropocentrismo,
não se nega a existência de Deus, mas "apenas" se transformou
o homem criatura em criador.
O Movimento New Age (Nova Era), assim como diversas seitas gnósticas
que se espalham pelo mundo, não preceitua a inexistência de
Deus. Para eles, todos os homens, assim como todas as coisas visíveis,
são divinas. Deus não é transcendente, dizem eles,
é imanente. Para se descobrir a Deus, deve se procurá-lo
dentro de cada indivíduo, e não na realidade do mundo, que
é uma ilusão dos sentidos (portanto subjetiva).
O Antropocentrismo nada mais é do que a negação
do referencial transcendente como valor paradigmático maior. O que
equivale dizer: nada mais é do que a igualdade de valor entre "criatura"
e "criador" .
A hierarquia no homem (Inteligência, Vontade e Sensibilidade),
a hierarquia na sociedade, a hierarquia na constatação de
uma verdade independente ao homem, etc, tudo pressupõe uma única
coisa: a existência de um Deus criador, superior e exterior ao homem.
Na medida que esta concepção começa a se transformar
- através das tendências renascentistas - transformam-se a
ciência, a filosofia, os costumes, as idéias, a finalidade
e a vida do homem, transforma-se até a teologia, que fica impregnada
de valores antropocêntricos, mesmo sem os perceber de forma clara.
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New Age e a Mística Panteísta da Criação
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