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Física e metafísica do som

1. Sinal de onda, Som e silêncio

Sabemos que o som é onda, que os corpos vibram, que essa vibração se transmite para a atmosfera sob a forma de uma propagação ondulatória, que o nosso ouvido é capaz de captá-la e que o cérebro a interpreta, dando-lhe configurações e sentidos.

Representar o som como uma onda significa que ele ocorre no tempo sob a forma de uma periodicidade, ou seja, uma ocorrência repetida dentro de uma cena freqüência.

O som é o produto de uma seqüência rapidíssima (e geralmente imperceptível) de impulsões e repousos, de impulsos (que se representam pela ascensão da onda) e de quedas cíclicas desses impulsos, seguidas de sua reiteração. A onda sonora, vista como um microcosmo, contém sempre a partida e a contrapartida do movimento, num campo praticamente sincrônico (já que o ataque e o refluxo sucessivos da onda são a própria densificação de um certo padrão do movimento, que se dá a ouvir através das camadas de ar). Não é a matéria do ar que caminha levando o som, mas sim um sinal de movimento que passa através da matéria, modificando-a e inscrevendo nela, de forma fugaz, o seu desenho.

O som é, assim, o movimento em sua complementaridade, inscrita na sua forma oscilatória. Essa forma permite a muitas culturas pensá-lo como modelo de uma essência universal que seria regida pelo movimento permanente, O circulo do Tio, por exemplo, que contém o ímpeto yang e o repouso yin, é um recorte da mesma onda que costumamos tomar, analogicamente, como representação do som.

Em outros termos (agora mais digitais do que analógicos), pode-se dizer que a onda sonora é formada de um sinal que se apresenta e de uma  

ausência que pontua desde dentro, ou desde sempre, a apresentação do sinal. (O tímpano auditivo registra essa oscilação como uma série de compressões e descompressões.) Sem este lapso, o som não pode durar, nem sequer começar. Não há som sem pausa. O tímpano auditivo entraria em espasmo. O som é presença e ausência, e está, por menos que isso apareça, permeado de silêncio. Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som, e por isso se pode dizer, com John Cage, que nenhum som teme o silêncio que o extingue Mas também, de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio: mesmo quando não ouvimos os barulhos do mundo, fechados numa cabine à prova de som, ouvimos o barulhismo do nosso próprio corpo produtor/receptor de ruídos (refiro-me à experiência de John Cage, que se tornou a seu modo um marco na música contemporânea, e que diz que, isolados experimentalmente de todo ruído externo, escutamos no mínimo o som grave da nossa pulsação sangüínea e o agudo do nosso sistema nervoso).

O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de suas texturas mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho.

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