CLONAGEM PARA JURISTAS
Breve análise científica
“Somos máquinas de sobrevivência:
veículos robotizados programados cegamente para preservar as
moléculas egoístas conhecidas como genes” (RICHARD
DAWKINS)
Os seres humanos são criados por um mecanismo, natural ou artificial,
de reprodução sexuada, no qual uma célula sexual
masculina fecunda uma célula sexual feminina, dando origem a
um indivíduo cuja informação genética (ou
genoma, i.e., o conjunto completo dos genes humanos) é única.
Um clone é, pelo contrário, um ser derivado de outro:
um indivíduo geneticamente idêntico ao individuo copiado,
criado sem a intervenção de células sexuais.
A palavra já existia na Grécia Antiga klon e significa
cópia. No mundo biológico aparecem, a cada instante, vários
milhões de organismos clonados. Nos organismos invertebrados
tais como bactérias, alforrecas, esponjas e minhocas este processo
é comum: quando encontram condições favoráveis
para a colonização esses seres multiplicam-se, originando
outros que possuem exactamente o mesmo genoma. Da mesma forma, nas plantas,
o enxerto ou propagação por estaca são formas de
clonagem. O fenómeno ocorre, portanto, através de um processo
de reprodução assexuada, ou seja, sem a intervenção
de celulas sexuais. O que caracteriza a clonagem é, precisamente,
o facto de não haver fecundação. Enquanto que na
fecundação intervêm células germinais (um
óvulo e um espermatozóide), a clonagem parte de uma célula
somática, ou seja, qualquer célula do corpo que não
seja germinal. Note-se que todas as células somáticas
possuem o mesmo conteúdo genómico, o qual está
inscrito no DNA (“aportuguesado” para ADN). Assim, é
precisamente a partir de uma cópia do DNA, de qualquer célula
não germinal, que se obtém um clone humano. Antes dos
mamíferos, o processo de clonagem em laboratório já
tinha sido tentado, com sucesso, em sapos. Estes eram facilmente clonados
colocando os genes de uma célula do corpo num óvulo fecundado.
Contudo, este processo não funciona nos mamíferos, porque
o genoma das células do corpo de uma fêmea tem certos genes
críticos desactivados. Depois, subitamente, surgiu a Dolly: a
ovelha escocesa clonada no início de 1997. O modo como ela fugiu
ao problema dos genes marcados permanece um mistério, mesmo para
os criadores. A Dolly representou um passo decisivo no processo da clonagem
a partir de uma célula do corpo (que já tinha sido tentado
antes em ratos, embora sem sucesso).
Contudo,
o grande problema na clonagem reside (supostamente) na idade da célula
copiada. Na extremidade dos cromossomas existem telómeros que
são protecções que previnem a degradação
do cromossoma. À medida que a célula se vai dividindo,
vai perdendo essas protecções externas o que faz com que
o cromossoma vá encurtando nas pontas. Tudo aponta para que esta
degradação das extremidades do cromossoma esteja relacionada
com o envelhecimento, mas não há certezas. Para além
disso, ao longo da vida do indivíduo o DNA vai acumulando mutações
(que serão tanto mais numerosas quanto maior for a idade) as
quais podem alterar a expressão de genes fundamentais. O problema
surge aqui: um organismo copiado a partir de uma célula somática
“recebe” um cromossoma com telómeros mais curtos
que, em consequência, vão envelhecer mais rapidamente.
Para além disso, o indivíduo copiado vai herdar os erros
que o DNA “original” já tiver acumulado. Daqui resulta
não só um envelhecimento precoce do clone, como também
(inevitáveis) mutações que poderão degenerar
em inúmeras doenças, como cancro. A cópia a partir
de uma célula somática tem, ainda, uma dificuldade acrescida
que resulta do facto de essa célula exprimir genes específicos
de acordo com o órgão no qual está inserida (simplificando
a ideia: cada célula tem um “comportamento” ou “função”
específicos). Criar a partir dela um novo organismo significa,
grosso modo, ignorar esta especificidade. Daí que o processo
da clonagem, principalmente em humanos, tenha inúmeras implicações
às quais ainda não é possível, por enquanto,
dar resposta. Daí, também, que seja (no mínimo)
duvidosa a actividade de uma certa empresa de biotecnologia que dá
pelo nome de Clonaid da qual não se conhece qualquer experiência
em clonagem (nem sequer em animais) a qual garante produzir clones (per
pay) sem, no entanto, permitir que seja feita a confirmação
genética dos mesmos!
Sofia Dias
Com o contributo imprescindível de:
Doutora Lisete Galego (Investigadora em Genética Molecular Instituto
de Tecnologia Química e Biológica) e David Sarmento (Bolseiro
de investigação na área de Engenharia Genética
de Plantas).