|
|
Conto
Don ANTÔNIO MARAGNO LACERDA |
A água toca o dorso da terra. Mas as chuvas persistem. Poças casam-se e varam os sulcos de arado, transformando o chão siciliano num lodaçal.
Trabalhadores prevenidos contra a ferrugem, guardam as ferramentas, enchem os carroções de cereais e tomam o cominho da aldeia. Rodas grosseiras esparramam lama, esboçando estrias.
Num trecho, os veículos param, e os condutores lançam olhares alvoroçados pelas cercânias. A poucos passos da estrada, confundida na orla do bosque, ergue-se uma cabana feita de pedras, madeira, e barro ligado com capim. O trançado das paredes, arreganha-se em rombos lavados de chuva, como escolhos em maré alta.
Pelas janelas entreabertas ao vento, escapa um choro abafado.
O mais impressionável encolhe-se na boléia. Outros, ferozes, chispam imprecações entre dentes. Alguém apeia, e um gesto confuso depõe na soleira da porta um raminho de chá. Um braço emerge da escuridão, e prontamente o medicamento desaparece.
Lá dentro, Maria ouve por muito tempo os estalidos do comboio na estrada lamacenta. Resignada, acende o fogo e lança dentro da chaleira algumas folhas aromáticas. Os olhos negros caem sobre a caminha de palha trançada e ficam assim parados...
As pálpebras estéreis, inchadas, batem pungidamente.
A pequena luz do santuário lança no berço um brilho indeciso. A criança tiritando de febre, encara cega a pequena imagem da Virgem. Perdidos entre cobertores e trapos, uns dedinhos mexem-se crispados: a gripe.
Felipe vendo a filhinha consumir-se atrela o carro. Parte veloz para a aldeia e procura o único lugar onde pode obter um pouco de quinino e cataplasma.
O estabelecimento, misto de armazém, entreposto de cereais, adega e farmácia, monopoliza o comércio da região. Leonardo, imbuído no mesmo espírito da propriedade, de certo modo, também, governa a aldeia e cercânias. Empresta dinheiro a juros, hipotecas, coisas assim.
Felipe hesita durante algum tempo antes de forçar a porta de vai-e-vém. Um odor acre de álcool e mantimentos bate-lhe na carranca. O arrastar de cadeiras, ferem o ouvido, enchendo-lhe o peito. Fisionomias amigas – todas. Com a exceção do vendeiro, naturalmente.
A situação iniciou-se quando recusou os mandos do comerciante. Leonardo tratou a colheita por um preço baixo, desleal. Preferiu vendê-la em outra parte.
Tomou uma estrada sôfrega de imprevistos, muito direita, com as margens carregadas de valas, e o horizonte fixo na profundidade. Uma bátega d’água surpreendeu-o. Depois de semanas quando chegou, o trigo molhado escorreu pegajoso pelas frestas do veículo. Experimentou a miséria.
Umedece a boca. Os olhos vagos batem um velho campônio de faces angulosas, gastas pelas noites dependentes. Empalidece, move os lábios. As palavras não saem.
O vendeiro poupa-lhe mais esforços. Indiferente, numa tranquilidade antagônica, encosta o avental emporcalhado no balcão.
- Que quer você?
- Nada ... Preciso de quinino e cataplasma... por favor. Mariazinha está com febre, muito doente. Atenda-me, Leonardo, depois eu pago tudo, você sabe que não sou caloteiro... Não sou caloteiro...
Aperta os lábios crispados, não sabendo de que modo prosseguir.
- Não é caloteiro – freme o velho, transparente de indignação. – Claro que não é. Nenhum miserável é caloteiro aqui na minha venda. Sabe por que? Porque não leva nada. Ouviu, não leva nada.
- Mas eu preciso...
- Ah! ... agora precisa, hein, sua besta! Mas que é que eu tenho com isto. Sabe por que a menina está doente? Porque você jogou o trigo lá na estrada. Desperdiçou. Agora vem implorar. Não dou é nada.
Afasta-se. A estas palavras generaliza-se nos circunstantes um frêmito de compadecimento. Procuram da carteira.
Inútil. Leonardo espreita-os. Quem ousar...
Felipe alcança o campônio pela dobra da camisa. Sacode-o.
- Escute ou o mato. Dê-me já o remédio. Eu lhe deixo o carroção... Vale mais. Pode ficar com a parelha... Não sou caloteiro, ouviu... Não sou caloteiro.
- Está certo, não precisa repetir, mas voltará a pé. Este é o castigo, para aprender. Aqui está.
Busca na gaveta um pacote e joga-o sobre o balcão. Felipe sai as carreiras, chapinhando pelas poças d’água. Não encontra nenhum veículo pelo caminho. Todos concebem a colheita. Os pés alcançam a distância – num instante passa o comboio que vem chegando.
As incitações dos amigos, coisa estranha, partem de trás, mas surpreendem-no pela frente.
A noite salta no espaço. Com a veste encharcada e suja de barro, corre ainda quando avista as luzes da choupana. Vem avançando, não pára, choca-se contra a porta e cai no chão.
Maria sente-se esperançada – tão esperançada e feliz, que mal o marido reanima arranca-lhe das mãos o pacotinho. Corre ao berço e faz a criança engolir o quinino. Desnuda-se e aplica o emplasto.
Respiração de pai e filha monologam embaraçadas. Aos poucos, a caba agasalha um sossego confortador, delicado, mas decisivo. A febre passa. Felipe reanimado abraça a esposa.
Vendida a colheita, os aldeões ludibriados, todos humildes, chegam ao balcão. Homens de faces azuis, metidos em calças claras, listadas, de pano vagabundo, tateiam pelos corpos. As mulheres em grupos de três ou quatro, palram enquanto sustentam um filho no colo e outro no ventre.
Todos confundidos no mesmo colorido misto, destacado pelo tom fácil das paredes, onde prateleiras altas, de um verniz descascado, amparam uma profusão de latas, copos e garrafas.
As mesas mal pregadas são iluminadas pelo lustre em forma de roda.
Há música, danças, e os jovens volteiam-se sob os olhos dos pais. Além, atrás do balcão, a feição avarenta do velho. Todo vinho que escorre da bica, nos barris, passa pela sua fortuita atenção.
A avarenta economia não lhe permite desperdícios, nem a conhecença da alegria no duro labor cotidiano. Para Leonardo, música é o tinir das moedas.
Ora, acabado o vinho vai ele buscá-lo no porão, tendo a atenção voltada para a fiscalização da venda. Ao descer a escada escorrega e cai dentro do grande tonel. Imediatamente arruma berreiro, e os aldeões correm a salvá-lo.
Dada a altura e profundidade do recipiente, os esforços são inúteis, e combina-se desmantelar o vasilhame para tirar o inopino conteúdo. O homem grudado à borda larga, choraminga convulsivamente...
- Meu vinho... Cuidado com o vinho, não vão desperdiçá-lo.
Alguém dentre a multidão une os dedos e balança o braço num gesto desandado.
Vinho, mas que vinho. Ninguém vai querer comprar esta água suja em que você caiu.
Ouve-se um movimento no recipiente. Um espanar de d’água. Uma respiração estrangulada.
- Meu vinho. Estou falido... maldita escada. Eu não deixo que vocês o estraguem.
- Então você fica aí. - E os fregueses indiferentes já se retiraram.
- Esperem, não me deixem aqui, podem jogá-lo fora.
- Mas que jogar? Quanto ganhamos com isto.
- Ai, ai... além de pobre estou roubado. Que farei?
- Bem – exclamam – poderemos tomar o vinho.
- Movem-se a um tempo, como espicaçados por agrilhões. Os jovens dão as mãos e de repente formam um círculo em roda do tonel. Aparecem os instrumentos.
Música.
A bica é aberta, e no fim da noite, todos estão demasiadamente bêbados para tirar o velho de dentro do tonel vazio.
Don ANTONIO MARAGNO LACERDA, è nato a Piracicaba e fin da bambino leggeva
ed accompagnava i lavori giornalistici del giornale della famiglia. Con
18 anni di etá entrò definitivamente nel giornalismo collaborando con
il Correio Popular, Diário do Povo e il Jornal de Campinas. Ha lavorato
per il Jornal de Botucatu, o Suplemento Singra e X-9. All'età di venti
anni fondò la rivista Quarteto e subito dopo il JORNAL DOS MUNICÍPIOS
che all'inizio circolò solo nello Stato di São Paulo, e dopo la rivoluzione
del 1964, nella zona Nordest dello Stato di Rio Grande do Sul dove rapprentò
uno strumento per il progresso di molti municipi "Gauchos". Nota:
|
[an error occurred while processing this directive] |
E-mail: jornaldosmunicipios@terra.com.br